Timóteo Saba M'bunde, Possui graduação em Relações Internacionais pela Universidade Vila Velha, é mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e, também, é pesquisador membro do Laboratório de Análise Política Mundial (LABMUNDO). Atua nas áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, transitando nos campos de Teorias das Relações Internacionais, Política Externa, Política Internacional e Cooperação para o Desenvolvimento. É autor do livro As Políticas Externas Brasileira e Chinesa para a Guiné-Bissau em Abordagem Comparada (1974-2014): Cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento. A sua agenda de pesquisa atual concentra-se no campo de Política Externa Comparada e Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, abordando a relação entre a Política Externa e a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e seus desdobramentos políticos e institucionais, particularmente no continente africano.
Com 47 mandatos o PAIGC venceu as
últimas eleições parlamentares guineenses, realizadas no passado dia 10 de
março de corrente ano. Era uma vitória comemorável, mas um pouco amarga. Era
uma maioria relativa, quando o partido falava em uma maioria absoluta, se não conseguisse
a qualificada. Teria sido uma arrogância ou estratégia política dos
libertadores perspectivar uma maioria qualificada quando os próprios vinham de
um processo de sangramento político resultante duma profunda crise interna e
que culminou com a dissidência/expulsão de 15 figurões do partido? Diga-se de
passagem, um sangramento mal aproveitado pelos renovadores. Na tese do partido,
a disciplina havia-se triunfado sobre a indisciplina e os personalismos. E no
discurso daqueles que fundariam o Madem G-15 e que em menos de 9 meses
conseguiriam a façanha de arrecadar 27 assentos no parlamento, não passariam de
vítimas de um emergente leviatã que se propunha a centralizar o partido em
torno de si e de seu círculo político. Ambas as narrativas nutriram a crise,
desde pelo menos 2015. Os resultados eleitorais revelaram que ao Madem G-15 a
considerável parte do eleitor deu razão, mesmo tendo sido o PAIGC interpretado
pela maioria (maioria relativa) dos guineenses como vítima da crise e o mais
preparado para governar. Essa foi a leitura da maioria dos citadinos da
capital.
Como eu disse aos leitores em outras
ocasiões, para o pleito, o PAIGC tinha uma narrativa, um discurso difícil de se
desarmar e este se fortaleceu mais ainda quando o Presidente da República
mostrou-se incapaz de coabitar com governo liderado pelo primeiro mandatário
dos independentistas ou ministrado por qualquer um que este escolhesse para o
efeito. A lambança presidencial de internacionalizar a crise e sua exploração política
pelo partido que patrocinou a chegada de José Mário Vaz, ao palácio em 2014,
concedeu de vez a musculatura à narrativa que levou o PAIGC à vitória. Aliás,
essa relação de “puxa-estica” política dos últimos 4 anos não rendeu
politicamente nada ao PRS, pelo contrário, este jogou um papel contraproducente
daquilo que deveria constituir os interesses da própria legenda. Em várias
ocasiões escrevi e comentei que o discurso de fator de estabilidade governativa
e que justificava o ingresso do PRS em todos os governos era um equívoco
político, senão uma falácia de quem queria governar com todos se olvidando de
sua essência enquanto um policy seeking party, e não um office seeking party. A
postura ambígua e contraditória do PRS foi severamente penalizada, especialmente
na capital Bissau. Doravante, ou o partido se refunda das cinzas ou se
pulveriza. Volto a esse ponto.
O discurso de disciplina logrou alguma
legitimidade, mas não suficiente (vide as 27 cadeiras do G-15). Já o discurso
de recuperação de mandato retirado pelo primeiro mandatário da nação e entregue
à oposição e aos “amigos” foi, ipsis litteris, compreendido como tal pelo
votante de Bissau. Essa narrativa deu ao PAIGC os 47 mandatos – 16, só na
capital. Noutras regiões do país, esse discurso não se sustentou muito, muito
menos a narrativa de disciplina – ou seja, do fortalecimento da
institucionalidade partidária. Acredito que no interior do país tenha havido
uma contra narrativa forte do Madem a esse “slogan”. Por agora não adentro no
mérito da eventual estratégia utilizada por este último.
Por outro lado, a ligação do mandatário
ou mensageiro político de José Mário Vaz, ao PRS produziu efeito bumerangue,
como eu havia assinalado antes das eleições. Os renovadores abraçaram a um
Botché desacreditado politicamente, tendo em conta a sua história de recorrente
metamorfose partidária e, mais recentemente, sua desvinculação do PAIGC e
associação ao presidente José Mário Vaz (uma figura desgastada). Embora tenha
ocorrido também em Bafatá, a penalização do PRS por se aliar ao “leão de Leste”
foi sentida mais em Bissau – reduto eleitoral onde o eleitor tem adquirido cada
vez mais uma percepção crítica e sofisticada do cenário político do país e dos
players que nele jogam. Associado a tudo isso, o partido fundado por Koumba
Yalá não conseguiu apresentar o seu futuro chefe de governo ao eleitor, o que
deixava transparecer, primeiro, a inaptidão para governar e, segundo, as
clivagens nas suas estruturas, panorama sustentado pelas recorrentes
especulações de isolamento no partido de algumas figuras de peso. Nomes como
Florentino Mendes Pereira, Artur Sanhá, Sori Djaló, entre outros, eram citados
com frequência como os mais descontentados e descontentes com o andar da
carruagem de agremiação de milho e arroz. Alberto Nambeia seria, conforme mandam
os estatutos do partido, o futuro primeiro-ministro em caso de vitória. Um
calcanhar de Aquilis dos renovadores na concepção de bissauenses.
O PAIGC explorou esse cenário, colando
estrategicamente o nome de seu futuro primeiro-ministro em uma campanha para
eleições legislativas, não presidenciais. Por contar com um enorme capital
político acumulado, o nome de Domingos Simões Pereira era apresentado em
contraposição ao nome de Alberto Nambeia, presidente de seu principal rival
político. Nambeia, um dos pioneiros do PRS, visto como um paladino de paz, não
apresentava atributos acadêmicos e técnicos suficientes em uma sociedade cada
vez mais exigente. Sua associação a Botché Candé ampliou a imagem de uma frente
dos menos ou não preparados contra aquela liderada por Simões Pereira,
ex-secretário executivo da CPLP. O cabeça de lista de Madem G-15, Braima
Camará, conseguiu reduzir esse abismo no que toca à interpretação dos votantes
em relação à distancia de preparo entre os principais nomes do pleito. Não em
Bissau. Em Bissau a disparidade era gritante. No interior, vários fatores, que
podem merecer uma outra análise, deixaram parelhada a disputa.
Se o cabeça de lista era um outro nome
menos badalado, talvez o PAIGC não chegasse a esses números. Mas também com o
Domingos Simões Pereira não se passou dos 47. Maioria Relativa que lhe fez
urgente e religiosamente implorar por um acordo com o APU-PDGB, UM e PND que
lhe possibilitasse ter 54 cadeiras. Uma maioria absoluta apertada. Aliás,
apertadíssima. Com 54 parlamentares, o partido vê, a priori, limitações para a
aprovação de diplomas mais ambiciosos e de grandes reformas, mormente aqueles
que requerem maioria absoluta qualificada. Volto a esse ponto para concluir a
presente abordagem.
O APU-PDGB de Nuno Gomes Nabiam, que
obteve 5 mandatos, números abaixo das expectativas, mas muito importantes para
viabilizar a governação, resolveu costurar uma coligação com o PAIGC, como
também podia o fazer com o PRS e o Madem G-15 – não faltaram ofertas e
propostas para isso, evidentemente. Sem entrar no mérito de o PAIGC ter chegado
ou não a tempo para apresentar sua proposta, o mais importante é analisar as
possíveis implicações dessa coligação em conformidade com a nova configuração
parlamentar.
Vejo a escolha de APU-PDGB como reflexo
da concepção de um partido que interpreta o PAIGC, nesse momento e a curto
prazo, como não seu adversário político direto. A médio prazo, mais
precisamente a longo prazo, se o partido liderado por Nuno Nabiam se consolidar,
passará a ver o PAIGC como adversário imediato. A coligação com o partido
vencedor e não com o segundo e terceiro colocados é para colocar na oposição os
dois, especialmente o PRS (com quem disputou o mesmo eleitorado), tentando se
consolidar e disputar a condição de segunda força partidária, saindo em
vantagem nos próximos embates. Se não houver nenhuma mudança radical, o PRS
terá que suportar ficar fora dos gabinetes por quatro anos. Tarefa muito
difícil, mas não impossível.
Sem trocadilho, o renovadores, como
nunca, devem se renovar. Reestruturar a sua cúpula e criar um fato novo capaz
de permitir com que o pedido de benefício de dúvida ao seu eleitorado seja
atendido. Se isso não acontecer – acredito que ocorrerá – o partido se
estagnará, para não dizer que se apequenará ainda mais ao longo dos próximos
quatro anos. Após a realização do citado trabalho de casa, será normativo e
politicamente produtivo os renovadores fazerem uma oposição responsável, o que
passaria primeiramente pela capacidade de controlar o curral de parlamentares,
para que de lá não haja fuga de deputados para se associar a bancada
governista. Em sintonia com o Madem G-15, o êxito político pode ser logrado
através de uma oposição responsável, mas também rigorosa e séria. A responsabilidade
seria votar a favor de aprovação de programa e orçamento de governo que tomará
posse nos próximos dias. Do ponto de vista do exercício político de oposição,
penso que é possível que os dois partidos desgastem o governo, como mandam os
clássicos manuais da política, na prossecução de seus mais importantes diplomas
por aprovar – sobretudo aqueles cuja aprovação requererá maioria qualificada.
O governo que será empossado entrará em
execução tendo que administrar a coligação e governar: duas missões.
Desgastantes. A iniciativa do PAIGC de protocolar e depositar o acordo de
coligação junto das instâncias internacionais governamentais expressa uma
tentativa de comprometer seus pares junto destas, como forma de os constranger
em um eventual ensaio de desembarque do governo. É uma tentativa plausível e
útil, entretanto não suficiente. Em política, o princípio “rebus sic stantibus”
ainda tem seu lugar. Penso que os independentistas terão que falar baixo aos
seus pares da coligação e fazer cedências, mas também é possível que o PAIGC
tente cooptar parlamentares do PRS e, até mesmo, do Madem G-15. Mas o recíproco
também é verdadeiro e exequível. Sobretudo do Madem G-15 aos parlamentares do
PAIGC – seria difícil devido à tônica da disciplina implementada, mas não
completamente descartável. É possível também constatarmos migração de
mandatários da nação do PRS para APU-PDGB, o que tenderá a ser um pouco mais
difícil caso o devido trabalho de casa recomendado for feito pelo PRS. Um novo
PRS.
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