Uma viúva teimosa e um juiz sem
escrúpulos, iníquo, são os protagonistas da parábola que Jesus narra para mostrar
aos discípulos a necessidade da oração confiante e persistente. A queixosa não
deixa em paz quem lhe pode valer, fazendo justiça. Via-se acossada por um
perseguidor que não a largava. Não tinha qualquer outra defesa: familiares ou
vizinhos, amigos, crentes praticantes ou indiferentes religiosos. Sentia-se
amargurada e só. Certamente lhe ocorrem várias saídas. Escolhe uma, a mais
coerente e honesta. Cheia de determinação, dirige-se ao juiz, o encarregado de
velar pelo cumprimento do direito. Pede-lhe justiça. Nada mais. Que o
adversário deixe de a atormentar. Que possa viver em paz. Que a liberte da
amargura e do medo.
No rosto da viúva só, estão espelhados
tantos homens e mulheres que desfilam no curso da história: injustiçados de
toda a espécie, vítimas de verdugos despiedados, explorados e amesquinhados por
abusadores insolentes da dignidade humana, fugitivos de guerras e de
calamidades naturais, eliminados violentamente, proibidos de viver com
normalidade. São “janelas” entreabertas de uma sociedade desigual, de uma ordem
“legal” injusta imposta, de um mundo “cão” selvagem. A realidade ultrapassa a
mais fantasiosa imaginação. Infelizmente!
Eco desta situação tremenda e da
resistência heroica de tantas pessoas “enviuvadas”, chega-nos de Tirana,
Albânia, enviado pelo padre Ernesto Simoni. O seu país esteve sujeito a um
regime comunista perseguidor e tirano. O padre Simoni viveu encarcerado durante
27 anos, foi torturado, obrigado a trabalhos forçados, reiteradas vezes
condenado à morte. “Mas Deus salvou-me, afirma humildemente. E como um pobre
missionário – um pequeno missionário de Jesus –, todos os dias peço o amor de
Jesus no coração de todos os homens”. O Papa Francisco conhece-o na sua visita
à capital deste país, em 2014, ouve o seu testemunho que o impressiona
profundamente. E, na sequência dos gestos simbólicos a que nos habituou,
escolhe este venerável ancião para cardeal da Igreja. Notícia difundida no dia
10 de Outubro, domingo passado. Inclui o seu nome na lista dos conselheiros
pontifícios que o ajudam de modo especial na missão de pastor universal, e
manifesta o seu apreço pelo valor da oração perseverante e da atenção aos
desprotegidos e humildes.
A esperança da viúva está depositada no
agir do juiz. Mas este tem mais em que se ocupar. Não lhe dispensa qualquer
atenção. Seja pelo que for: por comodidade ou corrupção, por menosprezo
classista ou medo de retaliação, por preconceito étnico e sexista ou provocação
sádica. Talvez outras razões secretas. Talvez um símbolo de atitudes
semelhantes ao longo dos tempos.
O narrador da parábola limita-se ao
essencial para realçar o contraste. Ele indolente, ela persistente; ele na
descontração folgada, ela tensa e amargurada; ele indiferente a Deus e aos
preceitos religiosos ou pautas sociais, ela confiante na força da compaixão, na
vibração do coração humano perante insistências justas e oportunas, no
“amolecimento” da rigidez da vontade perante a razão e a verdade. E acerta. O
juiz acaba por atender a sua causa para evitar mais incómodos. Motivo pouco nobre,
mas suficiente para reconhecer o direito e fazer justiça. Que alegria terá
sentido a pobre viúva. Também aqui brilha o símbolo de uma felicidade que brota
do reconhecimento do direito humano à justiça, à segurança em liberdade. E
faz-nos sonhar como seria diferente a nossa sociedade.
O Papa Francisco quis iniciar a
celebração do Ano da Misericórdia, em Bangui, capital da República
Centro-Africana, país destroçado pela guerra e pela miséria. Na catedral desta
cidade abre a Porta do Jubileu acompanhado pelo arcebispo Dom Dieudonné
Nzapalainga que tem uma dedicação carinhosa efectiva aos mais pobres e
excluídos, “às periferias” de todas as etnias e religiões, especialmente
católicos e muçulmanos. A sua voz profética vai ouvir-se como neocardeal entre
os seus pares e ecoar em toda a Igreja, a partir do domingo 20 de Novembro, dia
do encerramento do Ano Jubilar. Também para ele os pobres são a porta de que
Deus se serve para nos visitar e interpelar.
A parábola termina com a justiça
reposta. Nada diz sobre o que se seguiu. O desfecho deixa em aberto o horizonte
e fecha o contraste para concentrar a atenção do discípulo fiel na força da
oração, alicerçada na fé confiante e na esperança activa. “E Deus não havia de
fazer justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los
esperar muito tempo?” – Pergunta Jesus dando sentido pleno à parábola escolhida
para evidenciar a necessidade de orar sem desanimar. Pergunta que tem resposta
afirmativa e indicativa. Como a viúva persistente que não desarmou enquanto não
foi atendida.
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.