A
cultura
ocidental e suas religiões
assim como a moral judaico-cristã
foram temas comuns em suas obras. Nietzsche se apresenta como alvo de muitas
críticas na história da filosofia
moderna, isto porque, primariamente, há certas dificuldades de
entendimento na forma de apresentação das figuras e/ou categorias
ao leitor ou estudioso, causando confusões devido principalmente aos paradoxos
dos conceitos de realidade ou verdade.
Nietzsche,
sem dúvida considera o Cristianismo
e o Budismo como "as duas
religiões da decadência", embora ele afirme haver uma grande diferença
nessas duas concepções. O budismo para Nietzsche "é cem vezes mais
realista que o cristianismo". Religiões que aspiram ao Nada, cujos valores dissolveram a mesquinhez
histórica. Não obstante, também se auto-intitula ateu:
"Para
mim o ateísmo não é nem uma
consequência, nem mesmo um fato novo: existe comigo por instinto" (Ecce Homo, pt.II, af.1)
A
crítica que Nietzsche faz do idealismo
metafísico focaliza as categorias do idealismo e os valores
morais que o condicionam, propondo uma outra abordagem: a genealogia dos valores.
Friedrich
Nietzsche pretendeu ser o grande "desmascarador" de todos os preconceitos e ilusões do
gênero humano, aquele que ousa olhar, sem temor, aquilo que se esconde por trás
de valores universalmente aceitos, por trás das grandes e
pequenas verdades melhor assentadas,
por trás dos ideais que serviram de base para a civilização e nortearam o
rumo dos acontecimentos históricos. E assim a moral tradicional, e principalmente esboçada
por Kant, a religião e a política não são para ele
nada mais que máscaras que escondem uma realidade inquietante e ameaçadora,
cuja visão é difícil de suportar. A moral, seja ela kantiana ou hegeliana, e até a catharsis aristotélica são caminhos
mais fáceis de serem trilhados para se subtrair à plena visão autêntica da
vida.
Nietzsche
criticou essa moral que leva à revolta dos indivíduos inferiores, das classes
subalternas e escravas contra a classe superior e aristocrática que, por um
lado, pela adoção dessa mesma moral, sofre de má consciência e cria a ilusão de
que mandar é por si mesmo é adotar essa moral.
A
vida só se pode conservar e manter-se através de imbricações incessantes entre
os seres vivos, através da luta entre vencidos que gostariam de sair vencedores
e vencedores que podem a cada instante ser vencidos e por vezes já se
consideram como tais. Neste sentido a vida é vontade de poder ou de
domínio ou de potência. Vontade essa que não conhece pausas, e por isso está
sempre criando novas máscaras para se esconder do apelo constante e sempre
renovado da vida; pois, para Nietzsche, a vida é tudo e tudo se esvai diante da
vida humana. Porém as máscaras, segundo ele, tornam a vida mais suportável, ao
mesmo tempo em que a deformam, mortificando-a à base de cicuta e, finalmente, ameaçam
destruí-la.
Não
existe vida média, segundo Nietzsche, entre aceitação da vida e renúncia. Para
salvá-la, é mister arrancar-lhe as máscaras e reconhecê-la tal como é: não para
sofrê-la ou aceitá-la com resignação, mas para restituir-lhe o seu ritmo
exaltante, o seu merismático júbilo.
O
homem é um filho do "húmus"
e é, portanto, corpo e vontade não somente de sobreviver, mas de vencer. Suas
verdadeiras "virtudes" são: o orgulho, a alegria, a saúde, o amor sexual,
a inimizade, a veneração, os bons hábitos, a vontade inabalável, a disciplina
da intelectualidade superior, a vontade de poder. Mas essas virtudes são
privilégios de poucos, e é para esses poucos que a vida é feita. De fato,
Nietzsche é contrário a qualquer tipo de igualitarismo e
principalmente ao disfarçado legalismo kantiano, que atenta o bom senso através
de uma lei inflexível, ou seja, o imperativo
categórico: "Proceda em todas as suas ações de modo que a norma
de seu proceder possa tornar-se uma lei universal".
Essas
críticas se deveram à hostilidade de Nietzsche em face do racionalismo que logo
refutou como pura irracionalidade. Para ele, Kant nada mais é do que um fanático da moral,
uma tarântula catastrófica.
Friedrich
Nietzsche em 1861.
Para
Nietzsche o homem é individualidade irredutível, à qual os limites
e imposições de uma razão que
tolhe a vida permanecem estranhos a ela mesma, à semelhança de máscaras de que
pode e deve libertar-se. Em Nietzsche, diferentemente de Kant, o mundo não tem ordem, estrutura, forma e inteligência. Nele as
coisas "dançam nos pés do acaso"
e somente a arte pode transfigurar a
desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de
problemático e terrível na vida.
Mesmo
assim, apesar de todas as diferenças e oposições, deve-se reconhecer uma matriz
comum entre Kant e Nietzsche, como que um substrato tácito mas atuante. Essa
matriz comum é a alma do romantismo
do século XIX com sua ânsia de
infinito, com sua revolta contra os limites e condicionamentos do homem. À
semelhança de Platão, Nietzsche queria
que o governo da humanidade fosse confiado aos filósofos, mas não a
filósofos como Platão ou Kant, que ele considerava simples "operários da
filosofia".
Na
obra nietzschiana, a proclamação de uma nova moral contrapõe-se radicalmente ao
anúncio utópico de uma nova
humanidade, livre pelo imperativo categórico, como esperançosamente acreditava
Kant. Para Nietzsche a liberdade não é mais que a aceitação consciente de um
destino necessitante. O homem libertado de qualquer vínculo, senhor de si mesmo
e dos outros, o homem desprezador de qualquer verdade estabelecida ou por
estabelecer e estar apto para se exprimir a vida, em todos os seus atos - era
este não apenas o ideal apontado por Nietzsche para o futuro, mas a realidade
que ele mesmo tentava personificar.
Aqui,
necessário se faz perceber que, ao que superficialmente se parece, Nietzsche
cria e cai em seu próprio Imperativo Categórico, por certo, imperativo
este baseado na completa liberdade do ser e ausência de normas. Porém, a
liberdade de Nietzsche está entre a aceitação consciente (livre-escolha) de um
objetivo moral superior (que transcende a racionalidade do ser humano) e a
matéria, a razão material Kantiana. Portanto, a realidade está na escolha
consciente entre a moral superior (instinto, vontade do coração) e a moral
racional (somatório de valores criados pelo homem). O que reside não nas
palavras mas nos sentimentos (amor, musica, etc).
Para
Kant a razão que se movimenta no seu âmbito, nos seus limites, faz o homem
compreender-se a si mesmo e o dispõe para a libertação. Mas, segundo Nietzsche,
trata-se de uma libertação escravizada pela razão, que só faz
apertar-lhe os grilhões, enclaustrando a vida humana digna e livre.
Em
Nietzsche encontra-se uma filosofia antiteorética à procura de um novo
filosofar de caráter libertário,
superando as formas limitadoras da tradição que só galgou uma "liberdade
humana" baseada no ressentimento e na culpa. Portanto toda a teleologia de Kant de nada
serve a Nietzsche: a idéia do sujeito racional, condicionado e limitado é
rejeitada violentamente em favor de uma visão filosófica muito mais complexa do
homem e da moral.
Nietzsche
acreditava que a base racional da moral era uma ilusão e por isso, descartou a
noção de homem racional, impregnada pela utópica promessa - mais uma máscara
que a razão não-autêntica impôs à vida humana. O mundo para Nietzsche não é
ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico
não era portanto Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao
acaso, e por isso se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A única e verdadeira realidade sem
máscaras, para Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do
instante.
Nietzsche
era um crítico das "idéias modernas", da vida e da cultura moderna,
do neo-nacionalismo alemão. Para ele os ideais modernos como democracia, socialismo, igualitarismo, emancipação feminina não
eram senão expressões da decadência do "tipo homem". Por estas
razões, é por vezes apontado como um precursor da pós-modernidade.
Nietzsche
fotografado por Hans Olde no verão de 1899.
A
figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha Nazi, tendo sua
irmã, simpatizante do regime hitleriano, fomentado esta associação. Como dizia Heidegger, ele próprio
nietzschiano, "na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche".
Todavia,
Nietzsche era explicitamente contra o movimento anti-semita, posteriormente
promovido por Adolf
Hitler e seus partidários. A este respeito pode-se ler a posição do
filósofo:
Antes
direi no ouvido dos psicólogos, supondo que desejem algum dia estudar de perto
o ressentimento: hoje esta planta floresce do modo mais esplêndido entre os
anarquistas e anti-semitas, aliás onde sempre floresceu, na sombra, como a
violeta, embora com outro cheiro.[6]
…
tampouco me agradam esses novos especuladores em idealismo, os anti-semitas,
que hoje reviram os olhos de modo cristão-ariano-homem-de-bem, e, através do
abuso exasperante do mais barato meio de agitação, a afetação moral, buscam
incitar o gado de chifres que há no povo… [6]
Sem
dúvida, a obra de Nietzsche sobreviveu muito além da apropriação feita pelo
regime nazista. Ainda hoje é um dos filósofos mais estudados e fecundos. Por
vários momentos, inclusive, Nietzsche tentou juntar seus amigos e pensadores
para que um fosse professor do outro, uma espécie de confraria. Contudo, esta
idéia fracassou, e Nietzsche continuou sozinho seus estudos e desenvolvimento
de idéias, ajudado apenas por poucos amigos que liam em voz alta seus textos
que, nos momentos de crise profunda, ele não conseguia ler.
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