Simplesmente do mundo de mentiras para o da verdade de corpo e alma. Parece sonho, ou uma fábula contada nas noites de Jumbai, sem luar, a volta de uma fogueira brejeiramente animado por tio Passatempo, nem por isso, mas curiosamente a verdade é que o velho Kiram desaparecia esporadicamente em viagens ao destino desconhecido e só aparecia quando assim o entender.
Rodeadas
de segredo as viagens, nem os filhos muito menos as esposas conseguiram saber
onde ia o velho. O certo é que em conversas poucos sérios, dizia que não seria
sepultado no chão e sofrer o peso de arreia, o que para ele seria uma
humilhação, isto que os homens sofrem.
Natural
da Tabanca de Kessangue a norte da Guiné, concretamente no Sector de Bissora,
Região de Oio, o velho Kiram andava na casa dos 60 anos, de estatura física
invejável, mesmo naquela idade. Afinal, as suas viagens eram feitas para
destinos sonhados, invulgares para homens normais e inacreditável para quem
ouve a história. Partidas em direção a esfera celeste, como se algo estava ai
sendo preparado, a construção de uma habitação, ou a preparar espaço na glória,
possivelmente, onde depois vai prosseguir a vida. Não restam dúvidas que o
velho partiu, para onde? Não se sabe, talvez já neste momento está habitar
outro planeta por ele descoberto, ou está ao lado de Deus criador do Mundo.
Numa
manhã de sábado, juntou os familiares, entre irmãos, primos, esposas, filhos,
amigos e outras pessoas que de facto tiveram a sorte de presenciar e
testemunhar a valentia dum homem, nascido de homem e mulher e que sempre em
conversa pouco sério jurava não ficava deitado debaixo da terra, em
circunstância nenhum. Preparou a viagem, fez a sua carga, em embrulho
comportando algumas das suas roupas, o seu pequeno pilão de tabaco e respetivo
pau. Disse:
- já vos tinha dito que não seria enterrado no
chão sobre o qual eu ando, hoje é o dia, vou-me embora, vou para o mundo de
verdade e agradecia bastante que não chorem, porque como estão a olhar para
mim, sabem que não estou morto, simplesmente já não sinto a vontade viver neste
mundo de problemas, vou experimentar a vida lá aonde frequentemente ia.
Cuidem-se um do outro, porque sois famílias.
Pendurou
o seu embrulho no ombro direito, na perna direita atou o pilão e na perna
esquerda atou o pau e levantou voou em direção ao Céu. Expectantes os
presentes, foram vendo o homem a voar, cruzou as nuvens, até desaparecer na
esfera celeste. Não há nada que o adia a viagem, porque na partida escapou-o
pilão, mal amarado, veio ficar em cima de uma calabaceira a frente da sua casa.
Hoje, com a água do referido pilão que a chuva deposita, se fazem o tratamento
da doença que faz soluçar. Deve também não ser por acaso, mas o facto de a
história precisar de ser enriquecida, o pilão ficaria para dar mostras que de
verdade, os homens não se devem medir com a palma da mão.
O velho
Kiram nem mais voltará, esperaram anos a fio, acabaram por tocar o choro,
porque afinal, não morreu, mas também não regressará. Como valente foi, e é
primeiro e ultimo até aqui, portanto foi homenageado condignamente, tocaram o
choro e sacrificaram muitos animais, entre vacas e porcos em homenagem a aquele
que decidiu partir de corpo e alma para o mundo de verdade.
Augusto
Tchuda
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