Bento
XVI teve um gesto histórico único ao determinar que no dia 28 do mês de
Fevereiro passado, às 20 horas, a sede de Roma ficava vacante, abrindo assim
caminho à eleição de um novo Papa. No dia 13 de Março, aconteceu pela primeira
vez um Papa jesuíta: o cardeal de Buenos Aires, Bergoglio.
O
nome escolhido, Francisco, foi todo um programa, que tem realizado. A sua
atitude tem sido autenticamente franciscana. Conquistou o mundo, ao
inclinar-se, despojado, perante a multidão e pedindo a sua bênção. Depois, com
a sua humildade, simplicidade, bondade, compaixão, deixou o Palácio Apostólico
para viver normalmente em Santa Marta. O seu interesse pelas pessoas é real e
genuíno. Foi a Lampedusa, beija, diz piadas, sorri, ri, acaricia, escreve
cartas, telefona. Não tem medo. Declara que também tem dúvidas.
Mas
Francisco tem pela frente imensos problemas. Diria que o primeiro é tentar
converter a sua Igreja ao cristianismo, começando pelos hierarcas. Que os
cardeais, bispos, padres, católicos, se convertam ao Evangelho de Jesus.
Os
problemas são ad intra e ad extra, isto é, no interior da Igreja e na sua
relação com o mundo. Dentro, para lá da questão decisiva da conversão, há todo
o problema de uma nova Constituição para a Igreja, a começar pelo papado. Não é
compreensível que o Papa sozinho tenha tanto poder como o Papa e os bispos
juntos, no quadro de uma monarquia absoluta. Significativamente, Francisco não
fala de si como Papa, mas como bispo de Roma, o que indica que quer
descentralizar, no quadro de maior participação dos bispos e das conferências
episcopais. A Igreja Católica é a única instituição verdadeiramente global, e
isso tem de implicar descentralização nos vários domínios da vivência do
cristianismo. Se a Igreja é de todos, Povo de Deus, impõe-se a participação
activa de todos, e será necessário dar também lugar às mulheres nos lugares
cimeiros de decisão.
Para
a pedofilia, tolerância zero. Essencial é a transparência no Banco do Vaticano.
No contexto da moral, o próprio Francisco já condenou o legalismo e o
ritualismo e avisou que não pode viver obcecada com o sexo. Assim, mostra
compreensão em relação aos homossexuais, mandou um inquérito audaz a todos os
católicos sobre o novo mundo da vivência familiar. É expectável que se abra a
uma revisão da Humanae Vitae e aos anticonceptivos, à participação em toda a
vida da Igreja, incluindo a comunhão, por parte dos divorciados recasados. Não
irá ainda para a abolição da lei do celibato dos padres, mas poderá abrir as
portas aos padres que entretanto casaram e à ordenação de homens casados.
Quanto
à missão da Igreja para o seu exterior, Francisco já manifestou o seu
empenhamento no ecumenismo - diálogo com as outras Igrejas cristãs,
nomeadamente a ortodoxa, não sendo impossível vê-lo a visitar Moscovo - e no diálogo
inter-religioso, concretamente com o islão. As Nunciaturas Apostólicas, isto é,
as Embaixadas do Vaticano em quase todos os países do mundo terão o papel de
pontes para a paz e a promoção dos direitos humanos. O Papa Francisco
continuará a intervir no mundo como voz político-moral global, proclamando a
justiça e a paz.
O
efeito Francisco é inegável. Está aí a sua imensa influência nos média. Tem 11
milhões de seguidores no Twitter. Foi considerado a personalidade do ano 2013.
Granjeou empatia, simpatia e admiração global. A prática religiosa tem
aumentado. E a razão é simples: tomou a sério o Evangelho.
Mas
não se pode ser ingénuo. Encontrará muitas resistências dentro e fora da
Igreja. Sobretudo dentro, correndo o risco de, como Obama, cuja popularidade
desceu, ver em parte bloqueada a sua revolução pacífica. É o que aconteceria se
não conseguisse uma nova Constituição para a Igreja, uma profunda e rápida
transformação da Cúria, transparência plena no Banco do Vaticano.
Mas
há razões para uma esperança fundada. Rodeou-se do G8 cardinalício e quer
rapidamente reformar a Cúria. Francisco faz a síntese de franciscano e de
jesuíta. Ele é cristão franciscano, com formação de jesuíta para uma estratégia
na eficácia.

Sem comentários:
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.