Um dia depois de ter convidado os presidentes
israelita e palestiniano a visitarem o Vaticano e a rezarem “juntos” pela paz,
o Papa pediu o livre acesso dos crentes de todas as religiões aos lugares
santos de Jerusalém, no último dia de uma peregrinação ao Médio Oriente
anunciada como “estritamente religiosa” mas que acabou por ser marcada por
gestos simbólicos e políticos.
A última etapa da visita de três dias
foi, esta segunda-feira à tarde, antes do regresso a Roma, a celebração de uma
missa privada com religiosos no Cenáculo de Jerusalém, local sagrado para
cristãos, judeus e muçulmanos, e um símbolo de tensões. Por precaução, a
polícia afastou do local, dezenas de judeus extremistas, suspeitos de quererem
perturbar a presença do Papa.
No Cenáculo, Francisco fez, segundo a AFP, um discurso
carregado de emoção em que defendeu a Igreja como uma “nova família” e insistiu
na importância da “fraternidade” e da “amizade”. “O Cenáculo recorda-nos a
partilha, a fraternidade, a paz entre nós. Que amor jorrou do Cenáculo! Que
caridade saiu daqui, como um rio da sua fonte.” Segundo a tradição cristã, foi
aquele o local da última ceia de Jesus com os apóstolos. Para os judeus, o
Cenáculo abriga o túmulo do rei David. Durante séculos, até à criação do Estado
de Israel, houve ali uma mesquita e os muçulmanos vêem-no como um santuário.
Anteriormente, num encontro com o Presidente
israelita, Shimon Peres, o Papa pediu o livre acesso dos crentes de todas as
religiões aos lugares santos de Jerusalém e o fim da “violência e das
manifestações de intolerância”. Mais ou menos à mesma hora, o município local
anunciou a aprovação de um plano de construção de 50 habitações num colonato de
Jerusalém Ocidental.
O tom conciliatório de Francisco tinha já dominado as
suas palavras matinais, na visita ao Pátio das Mesquitas, onde pediu a
muçulmanos, cristãos e judeus para “trabalharem juntos pela justiça e pela
paz”.
“Respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos
e irmãs! Aprendamos a compreender a dor do outro! Que ninguém instrumentalize a
violência em nome de Deus! Trabalhemos juntos pela justiça e pela paz”, apelou,
diante do grande conselho muçulmano e depois de ouvir a mensagem de acolhimento
do grande mufti, o xeque Mohammed Hussein, na mesquita Al-Aqsa.
Em seguida, a curta distância, Francisco recolheu-se
sozinho diante do Muro das Lamentações, onde deixou uma mensagem entre as
pedras deste local santo do judaísmo. Depois, abraçou longamente o rabino
Abragam Storka e o professor muçulmano Omar Abboud, dois dos seus amigos
próximos de Buenos Aires, que o acompanharam nesta visita.
Todos estes passos repetiram os dos seus antecessores
nas visitas a Jerusalém, ao contrário do ponto seguinte: no cemitério nacional
do Monte Herzl, o Papa depositou um ramo de flores com o amarelo e o branco do
Vaticano no túmulo do pai fundador do sionismo, Théodore Herzl, um gesto que
activistas palestinianos lhe tinham pedido que não cumprisse.
Visitas
surpresa "significativas”
A caminho do memorial do Holocausto, em Yad Vashem,
que já antecipara como etapa “particularmente tocante” da sua viagem, Francisco
saiu do programa e passou pelo memorial à vítimas israelitas dos atentados em
Jerusalém, acompanhado pelo primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. Foi a
segunda surpresa da viagem, depois do desvio não anunciado que no domingo o levou até junto do muro de separação erguido por Israel na Cisjordânia.
Aí, junto ao bloco de betão, encostou-se e permaneceu algum tempo em oração,
como fazem os judeus no Muro das Lamentações.
Depois de ter optado por entrar na Cisjordânia pela
Jordânia, o que deixou Israel para última etapa, e de se ter referido durante a
preparação da viagem ao “Estado palestiniano”, o recolhimento junto ao muro de
separação ganhou grande significado. Contudo, os gestos desta segunda-feira de
manhã equilibraram um pouco a balança.
A rádio militar israelita explicou que a paragem no
memorial das vítimas dos atentados aconteceu a pedido de Netanyahu – o que foi
depois confirmado pelo porta-voz do Papa, Federico Lombardi. Responsáveis citados
pelo diário Yediot Aharonot dizem que Israel exprimiu ao Vaticano o
seu descontentamento pelo gesto do Papa junto do muro de separação, em Belém.
Lombardi respondeu que Francisco pensa que “os povos devem encontrar-se,
juntar-se e que um muro não o impede” – o Papa, acrescentou, quis dizer que “a
situação não é normal”.
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