No Publico
1 - A política está em tudo mas não é tudo. A oração
também pode ser força política. E condição essencial para a paz é a conversão
interior, do coração. Por outro lado, a História não está pré-escrita em parte
alguma e, por isso, é preciso construí-la e ao mesmo tempo ter a capacidade de
se deixar surpreender por ela. Cá está: quem poderia supor há apenas um mês que
seria possível o Presidente de Israel, Shimon Peres, e o Presidente da
Palestina, Mahmoud Abbas, encontrarem-se no Vaticano para rezar? Mas o
inesperado, o que se diria impossível, aconteceu.
Na sua visita à Jordânia, à Palestina e a Israel,
inesperadamente, o Papa Francisco desafiou os dois presidentes para um encontro
na "sua casa", no Vaticano, para rezarem pela paz. E essa oração
histórica ocorreu nos jardins do Vaticano, no domingo passado, dia 8, com a
presença de um quarto convidado, o patriarca ortodoxo Bartolomeu, de
Constantinopla. O abraço dos dois líderes, palestiniano e israelita, com o Papa
como testemunha, fica para a História. "Que Deus te abençoe!", disse
Peres a Abbas, saudando-o. E Francisco: "Sim ao diálogo e não à violência;
sim à negociação e não à hostilidade; sim ao respeito pelos pactos e não às
provocações. Senhor, desarma a língua e as mãos, renova os corações e as
mentes: Shalom, paz, salam".
Após um breve intróito musical, seguiu-se a oração.
No centro, Abbas, Francisco e Peres, à esquerda, Bartolomeu. De um lado e de
outro, representantes das três religiões abraâmicas, também ditas monoteístas,
proféticas e do Livro, e dos governos palestiniano e israelita. Por ordem
histórica, a primeira oração coube aos judeus, seguindo-se os cristãos e os
muçulmanos. Louvou-se a Deus pela Criação, pediu-se perdão pelos pecados,
ergueram-se súplicas pela paz entre judeus e palestinianos, na Terra Santa, em
todo o Médio Oriente, para toda a humanidade. No fim, um novo abraço e um gesto
simbólico: os quatro líderes plantaram uma oliveira. A paz "não será
fácil, mas lutaremos por ela no tempo que nos resta de vida".
2 - Se, como escreveu a grande filósofa Hannah Arendt,
também a economia é um problema teológico, eu diria que a Palestina o é muito
mais. Para quem quiser aprofundar a questão, pode ler as duas obras monumentais
do teólogo Hans Küng: O Judaísmo e O Islão.
Como é sabido, em 29 de novembro de 1947, por
maioria sólida e com o beneplácito dos Estados Unidos e da antiga União
Soviética, as Nações Unidas aprovaram a divisão da Palestina em dois Estados:
um Estado árabe e um Estado judaico, com fronteiras claras, a união económica
entre os dois e a internacionalização de Jerusalém sob a administração das
Nações Unidas. Note-se que, apesar de a população árabe ser quase o dobro e os
judeus estarem então na posse de 10% do território, ficariam com 55% da
Palestina.
O mundo árabe rejeitou a divisão. Mas, à distância,
mesmo admitindo a injustiça da partilha e as suas consequências - é preciso
pensar na fuga e na expulsão dos palestinianos -, considera-se que a recusa
árabe foi "um erro fatal" (Küng). Aliás, isso é reconhecido hoje
também pelos palestinianos, pois acabaram por perder a criação de um Estado
próprio soberano pelo qual lutam.
Como se tornou claro, a guerra não gera a paz, que
só pode chegar mediante o diálogo, a diplomacia, cedências mútuas, com dois
pressupostos fundamentais: o reconhecimento pelos Estados árabes e pelos
palestinianos do Estado de Israel e o reconhecimento por parte de Israel de um
Estado palestiniano viável, soberano e independente. E Jerusalém:
internacionalizada?
O conflito do Médio Oriente é sobretudo político.
Mas lá não haverá paz enquanto os membros das três religiões monoteístas, que
se reclamam de Abraão, se não tornarem politicamente activos, impedindo o
fanatismo religioso. Com base nos seus livros sagrados - Bíblia hebraica, Novo
Testamento, Alcorão -, judeus, cristãos e muçulmanos devem reconhecer-se
mutuamente e lutar a favor da paz. Esta é a mensagem de Roma para Jerusalém.
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