Rádio ONU: primeiro-ministro, bem-vindo à rádio ONU.
Quais são suas prioridades neste posto e principalmente em cooperação com as
nações unidas?
Domingos simões pereira: Olha, nós estávamos numa
situação que evidentemente leva-nos a prioridades que têm que começar com a
estabilização do país, a criação de instituições democráticas, a criação de
condições que a partir de agora possamos recuperar o espaço perdido há algum
tempo de pertencermos ao concerto das nações e poder contribuir de forma normal
e tranquila. Agora, obviamente que tantos anos passados de problema, de
conflito, de instabilidade, é normal que ainda tenhamos que passar por um
período de correção dessas situações até podermos abordar os assuntos com maior
transparência e objetividade. Por isso, nós estamos a definir o nosso programa
de intervenção em três momentos. Um primeiro momento que chamamos de programa
de urgência, um segundo que é de contingência e o último de desenvolvimento.
Nosso programa de desenvolvimento preconiza colocar
a Guiné num devido crescimento que lhe permita enfrentar os desafios do combate
à pobreza e por isso nós pretendemos ter três estratégias fundamentais. A
primeira será a infraestruturação do país, a segunda prioridade é criação de
pequenas indústrias que deem as famílias guineenses uma melhor capacidade para
seus rendimentos econômicos. Finalmente achamos que se 40% da nossa população
vivem nos centros urbanos, a melhoria lá deve acontecer. O nosso programa de
contingência prevê sobretudo a clareza e melhor transparência que queremos para
os vários nossos contratos nomeadamente de recursos naturais. Eu penso que isso
resume o essencial daquilo que nós vamos fazer. E queríamos obter sobretudo o
nosso programa de urgência. Enfrentamos várias dificuldades e por isso as
famílias guineenses estavam e continuam numa situação de muito aperto. Aqui
começamos com a questão dos salários. Parece ser bem trivial, mas num país,
onde não se pagava os salários há seis meses, entendemos que era importante
tratar deste assunto. Por isso, começamos a pagar dois meses de salários, vamos
pagar o terceiro mês, e pensamos chegar ao final de agosto com uma situação de
pagamento de salários completamente regularizada. O que vai permitir uma
situação entre o Estado e os servidores do Estado bastante mais séria e
responsável. Sobre o ano letivo, devido a medidas que tomamos já irão permitir
que aquelas escolas que tiveram o número mínimo de dias que são exigíveis
possam realmente salvar o ano e permitir que os alunos tenham atenção. O medo que
nós tínhamos é ter que declarar o ano nulo ou a passagem administrativa. Penso
que aqueles que reúnem o número de horas suficientes possam realmente passar ao
ano seguinte. Em relação à saúde, toda a África Ocidental está assolada com o
surto do ébola. Felizmente, não chegou à Guiné-Bissau e queremos fazer tudo
para que de facto não chegue à Guiné, e aquele caso que eventualmente chegar,
tenhamos condições de controlar.
RO: PRIMEIRO-MINISTRO, O SEU GOVERNO JÁ COLOCOU ESTE
PROGRAMA EM AÇÃO. DO QUE CONSISTE ESTE PROGRAMA?
DSP: De várias medidas. Desde logo, perceber as
manifestações da doença e poder desenvolver um programa de informação e
sensibilização. A segunda medida passou por identificar mecanismos de triagem e
poder realmente adotar estas unidades dos medicamentos necessários para o
tratamento. A nossa cooperação com vários países, mas neste caso sobretudo com
Portugal resultou na oferta de um lote de medicamentos, repor o nosso estoque e
permitir que havendo o registo de alguns casos, possamos atacar a situação. Mas
como pode imaginar, a doença já estando nos países limítrofes da Guiné-Bissau,
nomeadamente a Guiné-Conacri, também temos alguma atenção com relação à entrada
de pessoas que vêm do exterior e por isso ainda hoje, acabamos de aprovar um programa
de emergência que vai ser implementado para o acompanhamento desta situação.
RO: PRIMEIRO-MINISTRO DOMINGOS SIMÕES PEREIRA, VAMOS
FALAR AGORA DE UM DOS DESAFIOS ANTES DO SEU GOVERNO E QUE CONTINUA SENDO NESSE
COMEÇO DE GOVERNO, QUE É A REFORMA DO SETOR DE SEGURANÇA DO SEU PAÍS. COMO É
QUE O SR. VÊ O PAPEL DA COMISSÃO DE CONSOLIDAÇÃO DA PAZ (DA ONU) PARA AJUDAR A
RESOLVER ESTE PROBLEMA?
DSP: Muito importante. Temos tido esta colaboração e
queremos reforçar este apoio. Nós colocamos o acento tônico na questão da
reconciliação nacional. Achamos que o povo guineense precisar se reencontrar e
precisa se reconciliar. Isso só será possível através do diálogo. Através de um
diálogo bastante abrangente e inclusivo. E neste aspecto, toda a sociedade
guineense é convidada e deve ser parte deste processo, mas com particular
evidência no domínio das Forças Armadas, as forças de defesa e segurança. E é
neste capítulo, de facto, o apoio da Comissão de Consolidação da Paz e das
várias configurações desta Comissão são muito importantes para a Guiné-Bissau.
Primeiro porque a questão da segurança e da reconciliação interna na
Guiné-Bissau também passa pelo diálogo com os nossos parceiros mesmo ao nível
da subregião. E uma entidade como as Nações Unidas acaba sendo a estrutura mais
neutral do processo que pode não só nos assistir como também fazer algumas
advocacia a favor do país criando condições para esta atividade da
reconciliação.
RO: O QUE O SR. ESPERA DA RETOMADA DA COOPERAÇÃO
AGORA COM OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA NESTA NOVA FASE POLÍTICA DA
GUINÉ-BISSAU? O SR. JÁ TEM UMA DATA MARCADA PAR VIAJAR A ALGUNS DESSES PAÍSES?
DSP: Esses países são muito importantes para nós.
Partilhamos culturas e outras afinidades bastante importantes. Eu penso que o
que falhou no passado recente foi talvez uma compreensão desnivelada ou
desenquadrada em como a nossa pertença ao espaço da Cedeao só podia acontecer
numa negação da nossa integração regional, por exemplo, no espaço da Cedeao.
Nos últimos anos, desde que saí da CPLP, eu tenho me esforçado por lançar esta
maior clareza. A nossa integração no espaço regional é algo natural. Nós
pertencemos a essa região. A vocação da CPLP para mim começa a ter no apoio em
que a CPLP nos aporta em tornar efetiva a nossa integração regional. Mas da
mesma forma, também estamos muito interessados em desenvolver ações de
cooperação com esses países com quem partilhamos tanto começando com a parte
cultural. Vou mencionar que tenho tido contactos com o Ministério dos Negócios
Estrangerios, obviamente, mas particularmente com o Ministério da Defesa, onde
temos o nosso ministro Celso Amorim que foi ministro dos Negócios Estrangeiros.
E conhece bem esta parte da África e particularmente a Guiné-Bissau. Assim que
os calendários permitirem, eu tenho muito interesse em ir ao Brasil e poder ver
em quais domínios nós podemos melhorar e reforçar as nosas relações.
Cabo Verde é um país irmão. Tivemos uma luta comum.
Essas vicissitudes da situação política acabam criando situações de algumas
dificuldade, mas eu penso que estarão ultrapassadas. O nosso governo irá
promover mecanismos de aproximação a Cabo Verde. Estou seguro de que muito
proximamente teremos um quadro normalizado com este país irmão até porque
qualquer mudança, qualquer perturbação na nossa relação com Cabo Verde, os
povos sofrem dos dois lados da fronteira. Eu creio que isso não ajuda ninguém,
não assiste ninguém, e eu acredito que vamos ser capazes de ultrapassar. Com
relação a Angola e Moçambique, estou muito entusiasmado com as reivindicações
que trago de Díli. No encontro que acabou de ter lugar na Cimeira da CPLP,
todos esses países demonstraram uma grande satisfação em ter à Guiné-Bissau de
volta a este espaço, e esperam o momento certo para podermos relançar o
programa de cooperação existente entre as partes.
RO: E ISSO DEVE ACONTECER EM BREVE,
PRIMEIRO-MINISTRO, AINDA NESTE SEGUNDO SEMESTRE?
DSP: Sim com certeza. Isso tem que acontecer, isso
vai acontecer nos próximos tempos. Eu acho que a próxima Cimeira dos Estados
das Nações Unidas será um ótimo ponto de partida. Estará presente o Presidente
da República da Guiné-Bissau, terá a ocasião de se encontrar com seus pares. E
a partir daí, eu acredito que o próprio Sistema das Nações Unidas irá
assistir-nos na criação das pontes necessárias para começar este percurso.
Mônica, permita-me que eu ainda diga mais uma coisa. Tem-se abordado alguns
aspectos desta questão de forma errônea. Entre a Cedeao e a CPLP, não houve, no
passado qualquer tipo de problemas. Eu penso que houve decisões mal tomadas.
Agora, não quero estar aqui a qualificar quem é que tomou estas decisões. O
facto é que desde 2010, eu sou testemunha do esforço que foi desenvolvido sob
coordenação do Grupo de Contacto Internacional para a Guiné-Bissau no sentido
de harmonizar as medidas que seriam adotadas tanto pela Cedeao como pela CPLP
para assistir um Estado-membro neste caso, a CPLP. Algo terá ocorrido
terrivelmente mal neste percurso e isso que nós temos que corrigir para que os
próximos tempos sejam de acalmia e tempos em que a coooperação fale mais alto
do que qualquer outra deriva neste processo.
RO: PRIMEIRO-MINISTRO, O SR. MENCIONOU O BRASIL E O
MINISTRO CELSO AMORIM DA DEFESA, O SR. TEM UMA IDEIA, DIGAMOS GERAL DO QUE PODE
SER FEITO NESTA NOVA FASE DE COOPERAÇÃO PRINCIPALMENTE NO SETOR DA DEFESA?
DSP: Eu vou lhe mencionar três elementos que a meu
ver são extremamente importantes. O Brasil criou na Guiné-Bissau um Centro de
Formação para a Segurança. Penso que é muito importante reativar e dar mais
dinamismo a essa estrutura. O Brasil criou na Guiné-Bissau o Centro de Formação
Técnico-Profissional. Os jovens guineenses precisam de emprego. Muitos dos que
serão desmobilizados na área de segurança terão que ser reinseridos na
sociedade. E nada melhor que dar-lhes um emprego. O Brasil tem capacidades para
melhorar a transformação dos produtos agrícolas da Guiné-Bissau. Só para se ter
uma ideia, a Guiné-Bissau é um país fundamentalmente agrícola. Nós conseguimos
transformar e aproveitar cerca de 20% da nossa produção em frutas e noutros
produtos. Ainda há um potencial muito grande a explorar. O Brasil tem a
tecnologia certa, o Brasil fala a nossa língua, por isso pode nos ajudar nesta
formação. O Brasil tem algum dinheiro que pode ajudar a Guiné-Bissau a
transformar o que tem sido identificado como potencialidade, as riquezas reais
para melhorar as condições de vida. Temos muito a aprender do Brasil. Esperamos
que nessa interação também possamos apresentar algumas oportunidades para quem
do Brasil também queira investir na Guiné-Bissau, ganhar dinheiro e fazer
negócios.
RO: ESTE É ANO INTERNACIONAL DA AGRICULTURA
FAMILIAR. E A FAO JÁ FECHOU VÁRIOS ACORDOS COM A CPLP COM RELAÇÃO AO FOME ZERO.
COMO ESTÁ ESTE PROCESSO AÍ NA GUINÉ-BISSAU?
DSP: Olha, eu acabo de ter uma reunião uma reunião
em Díli com o diretor-geral da FAO, o dr. José Graziano da Silva, a quem eu
aproveitei para convidar a vir a Guiné-Bissau e poder partilhar conosco várias
questões que nos parecem importantes. O Graziano da Silva é um ativo muito
grande falando com relação do português que nós não podemos desperdiçar. Mas em
relação à agricultura familiar isto é fundamental para um país como a
Guiné-Bissau. Nós não temos grandes indústrias, e não de um dia para o outro que
vamos acordar e descobrir que afinal já construímos indústrias. Por isso, não
podemos ter ilusões. Vamos ter que construir a sustentabilidade da nossa
economia através das famílias.E é nisso que eu penso que a agricultura familiar
é muito importante.
Eu acompanhava com muito sofrimento o facto de
algumas famílias que se dedicavam à horticultura, aquelas culturas de curto
ciclo, permanentemente serem rechaçadas dos espaços que eles ocupavam nos
centros urbanos. Isso é uma coisa que tenho como algo muito importante. Eu vou
trabalhar com o ministro da Agricultura no sentido de essas famílias poderem
ter campos onde produzir, e certamente aproveitar todo o ensinamento que o
Brasil tem nesse domínio, e com o José Graziano sendo diretor-geral da FAO, e
que nós vamos apoiar para ver se continuaria esse mandato por mais algum tempo,
poderá também nos aportar aqui ajudas importantes.
RO: O SR. PODERIA FALAR DA SUA EXPECTATIVA DE
COOPERAÇÃO COMA GUINÉ EQUATORIAL, ESSE NOVO MEMBRO DA CPLP?
DSP: A Guiné Equatorial é um país que… como pode
imaginar não pode ser nossa intenção julgar um Estado soberano. O que nós
achamos é que a CPLP pode ser realmente uma referência muito importante junto
de um país como a Guiné Equatorial no sentido de o trazer aos padrões
universais de respeito dos direitos humanos e outros tipos de indicadores. E a
Guiné-Bissau sendo parte da CPLP não foge a esta regra. Nós vemos a Guiné
Equatorial um potencial parceiro, um parceiro importante. Tem recursos que lher
permitem poder jogar neste concerto de forma ativa. E esperamos também na nossa
interação também contribuir àquilo que também poderá ser ensinamentos que lhe
venha acolher junto dos outros países. Mas globalmente o que eu tenho
registado, tem havido uma melhoria substancial nas infraestruturas e na
qualidade de vida global, pelo menos é aquilo que eu tenho constatado. Agora,
se ainda há importantes déficits sob o ponto de vista dos direitos humanos, ou
de outra natureza, de democracia, penso que todos nós podemos ter oportunidades
de interagir e de contribuir para que esta situação seja superada.
Ouvir entrevista aqui»»
Sem comentários:
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.