quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O fim da dominação colonial e Biografia do Comandante Arafam “N’djamba” Mané

“A palavra voa e a escrita fica.” 23 de Janeiro de 1963 - 23 de Janeiro de 2016, 53 anos passaram sobre o início da Luta Armada da Libertação Nacional, e o povo guineense se rememora ainda hoje do heroico ataque contra o campo fortificado de Tite, sul do país, Região de Quínara. O ataque que despertou ainda mais a consciência dos compatriotas e do mundo foi perpetrado por um grupo de homens (guerrilheiros) sob comando do camarada, Arafam “N’djamba” Mané que concedeu esta entrevista por ocasião da comemoração do 38º aniversário do heroico acontecimento, que temos o prazer de publicar nesta edição.

A acção relâmpago que se saldou com baixas de ambos os lados, marcou a primeira façanha histórica dos Combatentes da Liberdade da Pátria, militantes do grande partido PAIGC, que organizou e dirigiu a luta armada que culminou com a proclamação unilateral da independência, em Boé, leste do país, no dia 24 de Setembro de 1973.

O Defensor – O Coronel fez parte do comando que em Janeiro de 1963 orquestrou o ataque contra o aquartelamento fortificado de Tite, em Quínara, sul do país. O que é levou o vosso comando, mal armado e inexperiente, a atacar esse quartel colonial?

Coronel Arafam Mané - O ataque contra o aquartelamento de Tite foi realizado com poucas experiências militares, pois o efectivo que participou nele, era constituído por um grupo de camaradas do partido vindo de Conakry; populações locais munidas de algumas armas de fogo, catanas, paus e pedras. O ataque que surpreendeu as tropas do exército colonial muito temido pela sua barbaridade contra os autóctones, foi de facto executado sem um comando designado. Foi um acto de coragem e patriotismo que, desde a época dos nossos antepassados, sempre caracterizou a resistência dos guineenses contra qualquer tipo de dominação.

Em termos de armamentos, tínhamos apenas quatro (4) armas, uma pistola (1). Entreguei a os camaradas uma pistola e a arma que eu tinha, e fiquei com uma pistola automática com a qual disparei o primeiro tiro ao ar para assinalar os companheiros o início do ataque quando estávamos no interior do quartel fortificado de Tite. Com esse disparo, os camaradas entraram em acção utilizando todos os meios de combate que possuíam. O estrondo das armas misturado com as vozes de comando dos guerrilheiros que procuravam orientar melhor os companheiros para evitar perdas humanas, acordou as tropas coloniais e despertou a atenção dos sentinelas.

A operação foi realizada com raiva porque em 1962, fomos corridos pelos tugas. Este episódio aconteceu, depois de termos efectuado uma sabotagem cortando as linhas telefónicas e os cabos eléctricos daquela zona sul do país. Foi a partir das acções de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área.

Em 1963 repetimos a mesma operação de corte de linhas telefónicas e cabos eléctricos. Estas práticas que eram prejudiciais para a comunicação e o funcionamento das instituições públicas e militares, irritaram os colonialistas que começaram a pressionar as populações com ameaças e torturas para obterem informações sobre os que eles chamavam “terroristas”. No âmbito da repressão foram alargadas as redes da PIDE-DGS (Polícia colonial).

O D – Na altura, a guerrilha já tinha criado barracas a partir das quais coordenava as acções militares contra os interesses coloniais?

Coronel ADM - Na altura ainda não tinha constituído barracas. Às vezes alguns camaradas nossos saiam do sul iam até Bissau cumprir missões do partido e regressar sem serem descobertos pelas autoridades portuguesas, a PIDE e os seus agentes. Para além de Bissau, cidade capital, mais controlada, os guerrilheiros também se infiltravam nas tabancas partilhando refeições e outros alimentos com as populações sem que ninguém desse conta ou soubesse quem eram.

Mas não pense que tínhamos homens prontos para efectuar trabalhos de reconhecimento e outras missões arriscadas. Não. Às vezes era eu, o meu guarda-costa e meu Adjunto, camarada, Fernando Badinca, entre outros.

Foi assim que em 1962, nos instalamos na tabanca de Cantongo a 3 km de Nova Sintra, a partir de onde movimentávamos até as aldeias de Flac-An, Flac Mindé, Flac-Mim, Flora, Bunaussa... Às vezes atravessávamos o rio íamos a Bolama e daí íamos para a tabanca de Uato para entabular contactos com a população, com o régulo Oliveira Sanca, contactar Jaime Sampa, Lai Canté e outros camaradas. São estes que nos enviavam jornais e outros objectos de que precisávamos.

Tínhamos também contactos com o camarada Rafael Barbosa, Aristides Pereira inclusive o senhor Eustáquio que ultimamente, depois da independência teve problemas mentais. Foi assim que se iniciou a luta armada de libertação nacional.

O D – Qual é a estratégia adoptada pela guerrilha quando se sentiu ameaçada pela movimentação da força militar colonial na zona?

Coronel ADM - Alguns tempos depois fomos obrigados a abandonar esses locais, devido as acções do inimigo que, em termos de material bélico, nos superava na altura. Este é o primeiro factor. O segundo factor, é que abandonamos a zona para salvaguardar as nossas populações alvos de torturas quando os tugas descobriam que a tabanca manteve contactos connosco ou albergava os nossos camaradas.

Entretanto, quando nos retiramos de lá, fomos instalar na tabanca de Calunca a partir da qual conseguimos ocupar todas as tabancas da fronteira com a Guiné Conakry. Logo depois da ocupação daquelas tabancas mandamos o camarada Malam Sanhá, para Conakry, para contactar os membros da Direcção Superior do Partido e dar-lhes informações sobre a nova situação.

A chegada de Malam Sanhá em Conakry coincidiu com a chegada das primeiras armas provenientes do Reino de Marrocos. Eram cerca de quatro a cinco armas de marca “Patchanga” que quando chegaram foram distribuídas entre nós antes de voltarmos para o mato.

O D –A chegada das primeiras armas do Reino de Marrocos às mãos da guerrilha, foi acompanhada de uma ordem superior para atacar o quartel colonial de Tite?

Coronel ADM – Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite. Amílcar Cabral não nos tinha dito nem ordenado atacar o fortificado quartel com três ou quatro armas. Amílcar Cabral recomendou apenas que voltássemos para o mato visto que estávamos armados. Mas, no entretanto, para assustar os colonialistas e também para libertar os nossos companheiros encarcerados na prisão, decidimos assaltar o quartel de Tite.

Eu me encontrava baseado em Nova Sintra enquanto Malam Sanha estava na área de Cantona (Fulacunda), onde já se sentia sufocado devido a falta de matas densas para se esconder melhor. Esta realidade que representava um potencial risco para ele e seus homens, lhe obrigou a abandonar o local e juntar-se a nós em Nova Sintra.

Recordo que Malam Sanhá chegou em Nova Sintra, precisamente na altura em que nós já estávamos em plena preparação da operação de assalto ao quartel de Tite. Aproveitamos logo a oportunidade para apresentar-lhe a nossa ideia de assaltar as instalações militares de Tite e ele concordou.

Portanto, uma vez a ideia acertada, procedeu-se a distribuição de tarefas claras e concretas a cumprir por cada um de nós. Assim, o camarada Malam Sanhá que já tinha sido militar no exército colonial português, foi designado para destruir a caserna dos soldados, enquanto o camarada Quémo Mané tinha como missão eliminar fisicamente o Major Fabião, Comandante da força colonial em Tite. Quémo Mané, que era grande caçador, tinha essa missão porque conhecia muito bem a residência do Major a quem ia sempre vender carne de caça.

O camarada Dauda Bangura tinha como missão rebentar as portas da prisão explodindo uma mina. Ele tinha feito um treino militar na República Popular da China por isso tinha alguns conhecimentos sobre as minas.

Eu fui encostar-me numa das esquinas da caserna que devia ser atacada pelo camarada Malam Sanhá. Foi a partir dali que disparei a pistola, o primeiro tiro que deu início ao histórico ataque da guerrilha contra o quartel fortificado de Tite. Neste ataque, levamos connosco um “djidiu” de cora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Mas este camarada com a intensidade do fogo e a tentativa de resposta do inimigo, não desempenhou o seu papel e acabou por desaparecer abandonando os instrumentos musicais.

Eu, a partir da posição que ocupava gritava com força ao camarada Dauda Bangura dizendo-lhe “Dauda! Mina, mina, coloque a mina no sítio indicado e faça-a explodir”. Eu gritava tanto, porque não tínhamos experiência de guerra. Talvez foi por essa razão que não sentíamos o perigo que pairava sobre nós assim como as consequências que poderiam advir.

O D – A que hora aconteceu o heróico ataque?

Coronel ADM - O ataque foi realizado à meia-noite de 22 para 23 de Janeiro de 1963. Quando terminou a operação consideramo-la de positiva. Regressamos ao local de concentração. Durante o assalto, o meu guarda-costas, Wagna Na Bomba, foi atingido por uma bala inimiga e foi transferido para uma tabanca balanta onde recebeu tratamentos. Foi nessa tabanca que formos informados da notícia que dava conta que o Capitão Curto, mais conhecido no Sul pelo nome de “Chapa ou fogo”, prometeu queimar todas as tabancas circundantes de Tite até a tabanca de Bacar Conté, caso se confirmasse o ataque perpetrado pelo grupo de guerrilheiros contra o quartel de Tite.

Então, nessa circunstância, para evitar que se concretizassem as intenções do Capitão Curto, salvar a nossa pele e a vida das populações da área, resolvemos fazer uma emboscada na estrada que liga Serra Leoa e Candjabela. Felizmente, o inimigo que prometeu transformar várias aldeias de Quínara em chamas devido ao ataque perpetrado pelo comando de guerrilha contra o quartel de Tite, caiu na nossa emboscada e foi atingido pelas balas dos nossos camaradas e morreu pelas 14 horas do dia 23 de Janeiro de 1963. O seu corpo foi no mesmo dia recuperado e transportado de avião para Bissau. No dia 24 de Janeiro de 1963 dirigimo-nos para S. João com o intuito de ir buscar o camarada Buscardini mas, infelizmente, não o encontramos. Assim, resolvemos saquear o armazém da loja Gouveia levando connosco, entre outros, muitos produtos alimentares. Levamos igualmente o empregado do armazém.

Alguns tempos após a operação fui chamado em Conakry, onde funcionava a sede do Partido PAIGC, donde segui para a República Popular da China para receber formação militar.

Nós nunca dissemos que iniciamos a guerra contra os colonialistas portugueses com o ataque contra o quartel de Tite; foi o próprio Amílcar Cabral quem o disse. Aliás, foi ele quem tornou público o início da guerra entre os dias 27 e 28 de Janeiro de 1963. As armas obtidas foram distribuídas a Malam Sanhá, Casimiro, Rui, entre outros chefes.

A pistola com a qual dei o primeiro tiro, foi-me dada pelo camarada, Luís Cabral. Era uma pistola marca Walter que recebi durante o período de mobilização. Foi assim que a luta armada começou na Guiné e continuou sem parar até a proclamação da independência do país em Setembro de 1973.

Em 1962, começamos a concentrar-nos no mato. Mas a concentração era feita no maior dos segredos. Os nossos contactos com algumas zonas, assim como com os homem grande, chamado Aniceto, que Amílcar Cabral mesmo nos recomendou encontrar no sul realizavam-se sempre na clandestinidade. Quando encontramos Aniceto, este nos confirmou que ele conhecia pessoalmente o camarada Amílcar Cabral. A guerra começou assim de forma espontânea. Foi assim que aconteceu em Angola e Moçambique.

O D – Como é que se alimentava a guerrilha no principio da luta?

CADM - Éramos alimentados pela população das tabancas do sul, pois na altura não tínhamos criado bases fixas. Mas, eu pelo menos tinha uma base. Mas, apesar de não termos bases fixas, mantínhamos contactos secretos com as populações da zona, que conheciam muito bem e secretamente os pontos habituais de encontros com a guerrilha. De facto, quem sabia da existência desses pontos de encontros eram os chefes de tabancas e “donos de morança” (chefes de família). A noite, para dormir mudávamos de lugares, escolhendo locais mais seguros e que ninguém conhecia.

Uma vez fui até a cidade de Bolama onde realizei reuniões com alguns camaradas no cemitério de Waque. Depois da reunião fui pernoitar junto das instalações dos Bombeiros. A única pessoa que sabia disso era o camarada Sabino Cabral. Quando amanheceu, fui sentar-me no jardim onde vi passar as tropas coloniais que, tendo informação da minha presença, procuravam capturar-me. Depois de passarem, abandonei o jardim e fui tranquilamente ter com Sabino Cabral a quem comuniquei que ia atravessar o rio no mesmo bote com os tugas; mas ele rejeitou a minha ideia dizendo que era perigoso. Mas assegurei-lhe que podia faze-lo sem qualquer problema, porque nem um tuga me conhecia. Na altura, eu tinha 17 anos de idade e não tinha medo de nada. Não obstante o perigo, consegui concretizar a minha ideia de atravessar com tugas no mesmo bote. Quando atravessamos o rio, as mesmas tropas coloniais me levaram de boleia até Nova Sintra.

O D – Quantos guerrilheiros participaram nesta arriscada e histórica operação?

CADM - Falando do efectivo que realizou a operação contra o quartel de Tite, era cerca de 150 pessoas, gente que não tinha nenhuma preparação militar nem tão pouco conhecimento nem noção da guerra. Quem tinha essa noção eram nós que viemos de Conakry, éramos poucos.

Recordo-me ainda de alguns camaradas que participaram na operação tais como o actual Major Québa Djam Djassi, Seco Turé, Seco Djassi, Bemba, Wagna Na Bomba, entre outros. Mas todos eram elementos da população, não havia militares entre nós. O ataque durou praticamente uma hora. Quanto a capacidade combativa do inimigo, ela foi de cem por cento, o que lhe faltava no momento da acção era a experiência. Eles eram homens bem treinados mas não tinham grandes experiencias porque talvez, nunca se tinham envolvido em situações desse género.

Em termos de equipamentos os tugas tinham armas, munições, transportes, meios de comunicação, fardamentos e recebiam treinos militares que na altura, nós não tínhamos. O que tínhamos era a convicção de conquistar a independência nacional.

O D – Mas porque decidiram atacar o quartel de Tite quando não tinham meios bélicos suficientes e adequados?

CADM – Para além deste quartel se encontrar na zona 8, que era uma área que eles controlavam, no local estava encarcerado um número importante de militantes do nosso grande partido, o PAIGC. Por outro lado resolvemos atacar o quartel para alertar os tugas sobre a nossa presença naquela aérea. Antes do ataque deste quartel as relações dos tugas com as populações eram uma relação de terror.

Não sei se uma vez ouviu falar do Capitão Curto mais conhecido no seio da população por “Chapa ou Fogo”. Mas o que é chapa ou fogo? Quando regressamos de Conakry viemos com emblemas e bandeirinhas como prova da nossa militância no PAIGC. A “chapa” e a bandeirinha demonstravam também que, quem tinha o emblema era da célula do partido, PAIGC. Recordo que em 1962 os emblemas (“chapas”) foram distribuídos em grande quantidade no sul.

A “chapa” era um emblema que se entregava secretamente aos militantes do partido na clandestinidade. Porque no seio da população daquela área, havia pessoas que estavam contra o PAIGC, algumas delas denunciavam junto dos tugas os compatriotas que tinham ligações com o partido e possuíam o emblema conhecido por “chapa”.

Então para descobrir os militantes do partido naquela zona sul do país, o Capitão Curto, em certos dias agrupava os habitantes de uma aldeia num local público, e a presença de todos era obrigatória. Quando os habitantes chegavam no local do encontro, eram imediatamente rodeados por militares coloniais armados que os ordenavam a ficarem de pé e com as mãos na cabeça. Depois o Capitão Curto dizia: “o que poderá salvar-vos aqui é a entrega de “chapa” (emblema). Caso contrário, serão mortos por fuzilamento.” Pois de forma irónica ele dizia assim: “Chapa ou Fogo.”

Essa era a estratégia que sempre usava para descobrir os militantes do partido. Então, quem tivesse medo das ameaças e entregasse o emblema era imediatamente preso e torturado. E quem ousava resistir contra as ameaças era fuzilado publicamente no local.

Portanto, o retrato de todas estas práticas revela que as relações entre os tugas e as populações locais do sul eram relações de terror, marcadas por torturas, menosprezo, matança e humilhações. Com esse tipo de comportamento as populações viviam sempre amedrontadas.

Então, do meu ponto de vista, para tranquilizar os espíritos e manter a nossa confiança no seio das populações que sofriam por causa do partido, pensei que era de facto imperativo desencadear a operação contra o quartel de Tite. Com a realização da primeira acção as populações ganharam a confiança no partido e juntaram-se a nós.

O D – Qual foi a impressão dos tugas sob esde ataque?

CADM - Foi uma grande surpresa para os tugas. Eles não sabiam, nem podiam imaginar que nós tínhamos armas e que um dia os atacaríamos. Por outro, esse acontecimento foi uma coincidência histórica, com o que aconteceu em Angola e em Moçambique.

No que diz respeito as dificuldades encontradas antes da operação, elas eram de ordem logística, porque não tínhamos munições nem enfermeiro e nem transportes. Não tínhamos nada. Realizamos a operação graças a nossa coragem e patriotismo. Por outro lado, devido a falta de experiência, a operação foi feita sem que tivesse havido reconhecimento prévio do terreno. Somente uma mulher grande de Quínara que foi até o interior do quartel observar os movimentos dos militares coloniais.

O D - Mas como é que conseguiram penetrar facilmente no interior do quartel?

CADM - Foi num passeio normal mas durante o qual evitamos fazer barulhos. Uma vez no interior das instalações coloniais, eu fui encostar-me no ângulo de uma das casernas, enquanto o camarada Quémo Mané foi emboscar-se em frente da porta da residência do Major, Comandante da unidade.

A nossa missão podia ter maior sucesso se um dos nossos companheiros não tivesse falhado no cumprimento da ordem. Não obstante tudo, a operação planeada para esse dia não podia ser adiada custe o que custasse. Considero que o acto foi uma aventura que serviu de alerta para os tugas; porque queríamos que soubessem que voltamos com força para a zona. Foi uma guerra psicológica porque, na realidade, nós não tínhamos uma força palpável. Mas essa acção desorientou as tropas coloniais que a partir daquele momento receavam sair do quartel para fazer patrulhas.

No entretanto, após esta corajosa operação, mais de 300 jovens voluntários aderiram ao movimento de guerrilheiros para, do nosso lado, lutar contra os colonialistas portugueses. Não havia armas nem tão pouco baionetas mas esta realidade não desanimou os jovens cujo número de aderentes crescia constantemente na minha barraca.

O D – Coronel, o que pensa que poderia acontecer durante a operação se o vosso comando inexperiente tivesse armas de fogo suficientes?

CADM - Penso que a falta de armas ou a sua insuficiência na altura da operação de Tite foi uma coisa positiva, porque se houvesse muitas armas, isso teria talvez constituído um golpe fatal para o nosso próprio comando que, certamente, devido a falta de experiencia sobre o uso de armas poderia provocar vítimas nas nossas fileiras mesmo, como referiu o célebre cantor guineense José Carlos Shwart,“caçador desconhecido falhou e virou a sua arma contra a aldeia”.

Se não fosse a falta de experiência, teríamos ocupado Tite naquele dia, porque as tropas coloniais surpreendidas pela operação tinham já fugido. Do nosso lado, a única baixa do assalto foi o meu guarda costa Wagna Bomba, natural de Gambala, que sucumbiu atingido por balas do inimigo. Do lado do inimigo, não posso avançar um número preciso de vítimas mas deve ter sido considerável, porque o camarada Malam Sanhá conseguiu lançar uma granada dentro da caserna onde dormiam soldados. Foi um sucesso, camarada jornalista.

Portanto, depois da operação em Tite, os ataques da guerrilha se multiplicaram, alastrando-se para os diferentes pontos do sul.

A notícia sobre o início da luta armada contra os colonialistas portugueses, como já disse anteriormente foi tornada pública por Amílcar Cabral em Londres (Inglaterra), numa Conferencia de Imprensa. Em África, a notícia foi imediatamente publicitada pelas Rádios de Conakry, Rádio Nacional do Senegal e mais tarde pela “Rádio Libertação” do PAIGC.

A divulgação dessa notícia nos órgãos de comunicação social levantou o moral no seio dos camaradas e a vontade de lutar fortemente para libertar o nosso povo. Enquanto para os tugas, a divulgação da notícia constituiu uma dor de cabeça.

O D - Mas no fundo qual foi a reacção de Amílcar Cabral logo que foi informado do ataque contra o quartel de Tite?

CADM - Foi positiva. Fui logo promovido ao posto de Comandante Regional. E, antes da minha ida para a República Popular da China, que ocorreu em Abril de 1963, consegui mobilizar um número considerável de camaradas para a luta. Tive inclusive contactos com Bissau na pessoa de Rafael Barbosa que na altura era grande membro do Comité Central do PAIGC.

FACTOS HISTÓRICOS INESQUECÍVEIS

São recordações de encorajamento, isso porque depois da operação as nossas populações chegaram a conclusão de que, afinal, nós naquela altura não podíamos fazer nada porque não tínhamos armas. Reconheceram por outro lado, que nós podíamos ser bons soldados se tivéssemos armamento. Depois dessa acção, passamos a receber géneros da população e recebemos também medicamentos.

Houve igualmente o congresso de Cassacá que deu o acento tónico que a população esperava do grande partido. O congresso permitiu acabar com as barbaridades praticadas por alguns camaradas, reorganizar a nossa luta armada, entre outros. O povo voltou a ganhar a confiança no partido, nos seus dirigentes e no destino da Luta de Libertação Nacional.

Mas a maior satisfação que tenho é, precisamente, o facto de ver hoje os camaradas que ontem eram camponeses analfabetos que tinham como vestuários, “lopé” (tanga), panos rodeados no corpo com os pés descalços, tornarem-se agora grandes oficiais das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), outros são Engenheiros, Aviadores (Pilotos), Médicos, Deputados, Condutores, pilotos de barcos...

Isso para mim, é um grande orgulho. Vejo que, de facto fiz algo de importante para este país a Guiné-Bissau. Mesmo, se morrer hoje não ficarei arrependido. Cada um de nós conhece bem o que é a vida de um camponês. O f ilho do camponês é sempre condenado na sociedade dos intelectuais mesmo nos países mais desenvolvidos do mundo. Somente nos países socialistas é que vimos que o filho do camponês tem valor. Eis as recordações palpáveis que tenho sobre o ataque de Tite.
Biografia do Comandante Arafam N’djamba Mané

O Comandante Arafam “N’djamba” Mané nasceu no dia 29 de Setembro de 1945, em Bissau, filho de Lassana Mané e de Nhalin Cassama, faleceu no dia 4 de Setembro 2004, em Madrid, Espanha num hospital onde recebia tratamentos médicos.

Coronel N´djamba Mané que militou muito cedo no partido PAIGC, chegou em Conakry, República de Guiné em 1961, onde já se encontravam o camarada Amilcar Cabral e outros militantes que também deixaram Bissau para se instalar ali e dirigir a Luta Armada de Libertação Nacional.


Após a proclamação da independência do país em Setembro de 1973, Coronel Arafam N´djamba Mané ocupou varias funções entre as quais de Chefe de Casa Civil da Presidência da Republica, de Director Geral da farmácia Farmedie, de Governador (sucessivamente) das regiões de Gabú e Bafata, de Ministro da Defesa Nacional, de Ministro dos Combatentes da Liberdade da Pátria. Foi Deputado da Nação durante vários mandatos legislativos, Membro do Comité Central, Membro do Bureau Politico do PAIGC e também Membro do Conselho de Estado durante o mandato presidencial de Koumba Yala. 
Esta entrevista foi concedida em 2001 ao Jornal “O Defensor” no quadro da recolha de depoimentos dos Combatentes da Liberdade da Pátria sobre os acontecimentos históricos que marcaram a luta armada de libertação nacional para a independência total da Guiné-Bissau do jugo colonial.com as FARP’s

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