quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Uma África na Medida Certa

Por, Dr. Carlos Lopes

As histórias que se contam por si próprias não existem. Cada um é autor e narrador da sua própria história, por vezes fiel aos factos, por vezes ficcionada, aumentada, diminuída ou até, e literalmente, mal contada. Uma das minhas maiores ambições como historiador e pensador de modelos de desenvolvimento é interpelar autores de diferentes narrativas, analisar e compreender os factos por detrás de cada história. Se possível, fazer parte dessas narrativas, de tessituras tão complexas e intrincadas, por vezes. Foi essa ambição que refinou o mantra "Africa First", lema que cunhou o meu mandato ao longo de quatro anos como secretário executivo da Comissão Económica para África, órgão das Nações Unidas, lugar de onde decidi partir rumo aos caminhos que eu, como autor da minha própria história, decidi trilhar.

Ao longo de um percurso de quatro anos, o balanço que faço é institucional, fruto de um laborioso trabalho de reestruturação estratégica do pensamento africano, lapidado diariamente por mil colaboradores que trabalham no avanço do estado da arte do pensamento económico sobre África. Da orientação e aconselhamento técnico aos Estados membros africanos, à preparação e publicação de relatórios nas mais diversas áreas do pensamento socioeconómico de África, ao acolhimento e preparação técnica de grandes conferências de forte impacto sobre as políticas mundiais de desenvolvimento económico, a CEA afirmou-se internacionalmente como um laboratório de estratégias da transformação estrutural africana. Se África quer escrever a sua própria narrativa, precisa de a pensar e de a ancorar em dados credíveis e coerentes, para se colocar na posição de autor e não na de leitor de narrativas defensoras de interesses que lhe sejam alheios.

Os líderes africanos utilizam agora a transformação estrutural como o mantra económico de um continente dono das suas prioridades de desenvolvimento. Este é um balanço positivo, na medida em que as megatendências que hoje caracterizam África são, por si, um ingrediente da transformação estrutural: o aumento demográfico, a gradual migração para os grandes polos urbanos e o fomento de economias orientadas para os setores secundário e terciário exigem políticas económicas estruturadas holisticamente, acopladas a uma capacidade estratégica orientada para as necessidades que o continente afere como prioritárias. Ao mesmo tempo, para que isto aconteça, é necessário sair da letargia intelectual gerada pelas ondas otimistas de um PIB em franco crescimento, ao longo dos últimos 15 anos. Se é dado adquirido que África cresceu, num cenário de crise global, também é verdade que esse crescimento não foi nem é, ainda, qualitativo: não se geraram empregos suficientes, os níveis de pobreza continuam elevados e a dependência das matérias-primas continuou em alta, contribuindo para uma perceção de risco particularmente negativa. A CEA procurou trabalhar, a nível intelectual e técnico, no sentido de auxiliar os Estados africanos a inverterem os dados do jogo a seu favor. Aferir a lacuna de um crescimento económico socialmente letárgico foi o primeiro passo para se pensar nos desafios de um processo contínuo - o da transformação estrutural - que países e regiões como a China ou o Sudoeste da Ásia ultrapassaram com sucesso, através da aposta numa industrialização baseada no aumento da produtividade agrícola ou na diversificação económica.

Em quatro anos a CEA conseguiu o feito de passar de uma consulta mensal, no seu site, de sete mil para 2,4 milhões, de ser citada anualmente em mais de 400 meios de comunicação social do continente, de aumentar o seu impacto em políticas medidas por inquéritos de opinião de forma exponencial e de ter contribuído para a realização de todos os grandes projetos continentais, tais como a Agenda 2063, a zona de livre comércio, o Consenso sobre Estatística ou ainda o combate ao tráfico ilícito de capitais. O seu estatuto de think tank do continente é agora indiscutível!

Secretário executivo cessante da Comissão Económica para África (CEA) da ONU
Biografia oficial do Dr. Carlos Lopes

Meu lugar de nascimento é o mesmo que o dos meus pais e é o primeiro elemento que me define. Canchungo é uma vila de aproximadamente 10.000 habitantes no noroeste da Guiné-Bissau, mas eu chamei cidade com orgulho. A paisagem circundante é encantadora: onde se olha, rios e um tapete verde que poderia ser levado para o Congo ou a Amazônia para que haja água.

Meu pai foi jogado na prisão próxima de Canchungo por causa de seu apoio à luta pela independência. Naquele tempo, eu era um garotinho que estava tentando entender o que estava acontecendo. Eu tinha 13 anos na Independência da Guiné-Bissau. Logo depois que fui pego no tumulto da política, aderindo completamente aos ideais do panafricanismo. Meu mentor foi Mario de Andrade, então intelectual angolano que vive na Guiné-Bissau. Andrade, fundador e presidente do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), envolveu-se em todos os movimentos políticos e intelectuais pan-africanos da época. Ele também foi o cérebro da prestigiosa editora African Presence em Paris nos anos 50.

Eu obtive meu diploma na escola secundária Kwame Nkrumah em 1977. Quando eu estava pronto para entrar na universidade, não havia nenhum em meu país. Eu tive que passar pela poderosa rede Andrade para uma bolsa de estudos. Assim, encontrei-me em Genebra e depois em Paris, onde completei um doutorado. Tive a oportunidade de concentrar a minha investigação em questões africanas e questões de desenvolvimento.

Quando os problemas começaram a atacar o meu golpe país após o golpe, fiquei desapontado com o povo no poder. Minha contribuição para o serviço público foi levá-la a outro nível. Assim, juntei-me às Nações Unidas, enquanto me esforçava por nunca perder o contacto com as redes intelectuais do continente. Eu fiz o meu melhor para aplicar alguns princípios importantes na minha vida profissional. Nunca sobrevalorize nada; Toda a realidade deve ser analisada em toda a sua complexidade. "Não simplifique a África e seus problemas" é um exemplo. "Nunca subestime a importância que as ações de hoje têm para construir o futuro." Nesta perspectiva, cada etapa conta, e especialmente deve tomar a lição de xadrez. Gostaria de dizer que os africanos cometeram muitos erros, mas sofreram mais.

Chegou a hora da África e devemos aproveitar as boas notícias que começaram a reverter a imagem da "inferioridade africana" construída a partir do século XV. O desafio é emocionante, mas também exigirá uma inversão do destino. Africano não pode simplesmente correr. Eles devem correr mais rápido do que qualquer um já correu curto. Se o mundo ainda se maravilhar com os tigres asiáticos, agora está se preparando para a ascensão do animal mais rápido na terra: a chita, metáfora delgada e inteligente para a África pronta para bater todos os registros! - Dr. Carlos Lopes

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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