A viagem do Papa Francisco à Colômbia
que termina, hoje, tem como lema: “ Demos o primeiro passo”, lema em grande
consonância com a mensagem do Evangelho proclamado na liturgia. A sintonia
provém de ambas terem como “pano de fundo” tensões e conflitos que ferem a
relação básica na convivência dos cidadãos e no seio da comunidade eclesial. Na
Colômbia, uma guerra sem quartel dizimou milhares e milhares de pessoas, fez
vítimas sem conta, arruinou laços familiares, queimou bens de primeira
necessidade, ia destruindo a “alma” da nação que, a custo, se vem a erguer e a
afirmar. E finalmente pode ver assinados os acordos de paz.
Na comunida cristã, a guerrilha tem
outros matizes, mas regista sempre a negação da união comum em aspectos
fundamentais e, consequentemente, da comunhão que nos irmana, e reflecte, ainda
que de forma limitada, a verdade de Deus transmitida por Jesus Cristo. São
Paulo apresenta listas de atitudes que ferem a dignidade humana e desvirtuam a
beleza do Evangelho. Hoje, destaca o adultério, a morte por assassínio, o furto
e a cobiça. E recomenda que seja apenas o amor a única dívida de uns para com
os outros. Nós podíamos acrescrentar a corrupção, a ganância, a exploração de
migrantes e de trabalhdores, a violência física e mental e muitos mais e
afirmar que sem honestidade comprovada e confiança garantida nem a humanidade
brilha nem a comunidade cristã se afirma.
Na sociedade há turbulência e crispação
a mais: barulhenta e em surdina, no espaço familiar e nas antenas dos meios de
comunicação, em tempos de propaganda eleitoral e de gestão diária dos assuntos
públicos. Exemplos típicos surgem no desporto violento, nos comportamentos de
certos condutores na estrada, na publicidade agressiva, no controle dos centros
de influência e nas tentativas de imposição do pensamento único (gender), em
mensagens xenófobas e racistas que intimidam e lançam pânico. A sanidade ética
das consciências precisa de uma desintoxicação mental que permita refazer
relações “feridas”, reganhar a confiança e criar o respeito para com as
diferenças sempre enriquecedoras, desde que convirjam na harmonia do conjunto
social, no bem da comunidade eclesial.
A Igreja, qual sentinela vigilante como
Jeremias de que fala a primeira leitura, quer oferecer a sua ajuda e apresenta
a recomendação de Jesus narrada por Mateus (18, 15-20) em três afirmações de acção sanadora. Tendo
como seiva revigorante o amor, surge o perdão dado e recebido como meio de
refazer a relação quebrada. O ponto de partida para o processo do perdão é a
liberdade de quem deseja alcançar o bem maior.
Peregrino deste bem, o ofendido parte
para a missão a realizar. Pede a bênção de Deus, escolhe o melhor momento,
pensa no que será oportuno dizer e vai ter com quem lhe fez a ofensa. Acolhe a
reacção e entra em diálogo. Se chegarem a acordo, manifestam a presença de
Jesus Cristo, que, de modo discreto e estimulante, acompanha os esforços de
reconciliação. Este primeiro passo abre horizontes novos a tantas encruzilhadas
atadas por nós que parecem cegos. E pode visualizar-se em ver no outro um
irmão, persistir no diálogo, aguardar a resposta, cultivar a liberdade na
relação, amar sempre a pessoa, ainda que dominada pelo ciúme e ressentimento.
“O ambiente de crispação que, às vezes,
domina as relações sociais deve-se à nossa incapacidade de reconhecer a dignidade
do outro e a nossa relação fraterna com ele”, afirma Serna Cruz, na revista
Homilética2017/5, p. 553, que acrescenta: “ Queiramos ou não, somos irmãos e só
a partir desta identidade comum, podemos ajudar-nos”.
Em caso de recusa da oferta de perdão, o
ofendido não desarma, pois o amor é inventivo. Discerne o que lhe parece mais
acertado, escolhe pessoas experientes na mediação e retoma o caminho. Sabe o
alcance da intervenção das testemunhas, pois a praxe judaica prescreve a sua
presença para a questão ficar dirimida. Isto é, alcança dimensão pública. Ousa
e, se bem sucedido, o irmão ofensor é reintegrado na comunidade e a alegria de
todos torna-se exuberante. Quanta sabedoria, própria de quem aprecia os dons do
Espírito Santo, está presente no processo curativo de feridas e de recuperação
dos laços de comunhão.
Há um outro passo, o recurso à
assembleia eclesial e aos seus responsáveis, para que, juntos, possam pedir ao
Senhor a luz necessária para tomar a decisão correcta. Esgotados todos os
meios, a comunidade vê-se forçada a reconhecer a obstinação do “pecador” que
persistentemente se mantém afastado. Mas esta não desiste. Reconhece o facto e
continua a amar quem o provoca; por isso, o recomenda ao Senhor na sua oração,
“espreita” uma oportunidade para reatar o diálogo e aguarda a hora feliz do
reencontro.
Que vai fazer à Colômbia, santo Padre?”,
pergunta o jornalista na altura em que o Papa Francisco anunciou a viagem. “Vou
rezar com os meus irmãos para que a paz seja reforçada com a reconciliação vivida”.
A força da oração é âncora firme da fé da Igreja reafirmada com o seu
testemunho. Obrigado, santo Padre!
Que delicadeza reveste cada passo do
processo de reconciliação confiado a cada pessoa que ama o bem do outro. Faz
parte da nossa humanidade e visa recuperar a dignidade “beliscada”. Faz parte
dos membros da comunidade cristã fiéis aos ensinamentos de Jesus e reconhecidos
pela fé que reforça os laços comuns e ilumina o seu “papel” reconciliador. A
função da autoridade tem alicerces noutras passagens do Evangelho. Agora é a
nossa vez. Decide-te e demos o primeiro passo.
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