Jesus encontra-se, em Jerusalém, na
esplanada do Templo. Vive dias de enorme tensão. Os adversários apertam o cerco
para o eliminar. Só o medo da reacção popular serve de contenção. A vinha,
figura bem conhecida pelos ouvintes, constitui ponto de partida para nova
mensagem, directa e provocante, aos sumos-sacerdotes e aos anciãos. A narração
de Mateus é sóbria, sem floreados, para evidenciar o que está em causa. E Jesus
quer deixar claro o contraste entre o proceder de Deus e a atitude dos
dirigentes de Israel, ali representados pelos funcionários do culto.
O rosto de Deus surge bem traçado nos
gestos do dono da vinha. Ele faz tudo por ela: prepara a terra e planta-a com
cuidado, ergue uma sebe de protecção, constrói um lagar para a recolha das
uvas, levanta uma torre de vigia e confia-a a uns trabalhadores vinhateiros.
Com esta descrição, Jesus realça a solicitude de Deus para com Israel, o povo
eleito. Faz uma leitura dos factos acontecidos ao longo da história. Retoma a
perspectiva de Isaías, hoje lembrada na primeira leitura: “A vinha do Senhor do
Universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida”.
Retoma e redimensiona o seu alcance. A atitude final do dono da vinha não é de
retaliação aos trabalhadores nem de destruição da vinha. Mas da sua opção
definitiva: chamar outros para a cuidarem com diligência a fim de darem frutos
de qualidade.
O amor à sua vinha surge na paciente espera,
na diligente procura, no risco assumido, na clemência usada, na persistência
confiante, na vontade positiva de levar por diante o seu projecto de salvação
com a colaboração de todos. De facto, Jesus apresenta um Deus que é
desconcertante. Como não haveriam de reagir aqueles fiéis judeus habituados a
um outro rosto de Deus, a uma outra linguagem religiosa? E nós, sentimo-nos
envolvidos na parábola dos trabalhadores da vinha?!
Isaías prossegue, dizendo: “Ele esperava
rectidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror”.
É uma leitura que, infelizmente, ainda hoje se pode fazer. Em muitas situações,
nem sequer são nomeadas estas duas características maiores do agir humano, da
ética familiar e social, da moral cristã. E parece campear a mentira, ainda que
disfarçada, a corrupção provocada, a desigualdade assumida. “Sede juízes entre
mim e a minha vinha”, clama Isaías, dando voz ao dono que se interroga: “Que
mais podia ter feito?”.
A carta aos cristãos de Filipos, na
Grécia, traça o retrato de quem deixa que Deus seja o dono do seu coração: ama
o que é verdadeiro e nobre; justo e puro; amável e de boa reputação; e, em
jeito de conclusão, adianta: tudo o que é virtude e digno de louvor é o que
deveis ter no pensamento. E para os persuadir ainda mais, Paulo acrescenta: “O
que aprendestes, recebestes, ouvistes e vistes em mim é o que deveis praticar”.
O apóstolo que havia evangelizado a cidade e gerado para a fé aqueles cristãos,
ousa dizer-lhes: segui o meu exemplo, lembrai-vos de como me comportei no meio
de vós. Belo testemunho para nós hoje. Oxalá sintamos a provocação que faz ao
nosso estilo de vida que devia suscitar desejos de imitação por parte de quem
procura a verdade do Evangelho.
A Rede Mundial de Oração, ligada aos Jesuítas,
divulga a intenção do Papa Francisco para este mês de Outubro que se pode
resumir a “recordar sempre a dignidade e os direitos dos trabalhadores, a
denunciar as situações nas quais se violam esses direitos, e a ajudar no que
contribua para um autêntico progresso do homem e da sociedade”. E insiste que é
um dever de todos. Na vinha do Senhor há lugar para cada um. A importância do
trabalho está sobretudo em ser o meio privilegiado de realização humana e fonte
de provisão pessoal e familiar, de contribuição para o bem de todos,
designadamente a empresa empregadora. O Diretor Internacional da Rede Mundial
de Oração do Papa e do Movimento Eucarístico Juvenil (MEJ), padre Fréderic
Fornos, jesuíta, lembra que o tema do emprego é “um dos principais desafios
para os próximos anos. É algo sobre o qual o mundo da política e a sociedade
devem trabalhar em conjunto para encontrar soluções sustentáveis e de longo
prazo”. E reforça o pedido do Papa Francisco.
A 7 de Outubro, ontem, ocorreu a Jornada
Mundial pelo Trabalho Digno em vários locais de Portugal com um objectivo bem
definido: incentivar e consciencializar as comunidades cristãs, autarquias,
governo, sindicatos, comissões de trabalhadores e organizações empresariais “a
colaborar para colocar no centro a pessoa e a sua humanização”. E como
justificação aduz que “o trabalho é um dom e um projeto de humanização
imprescindível para a construção da sociedade e para a realização humana e não
apenas uma fonte de remuneração”. Objectivo semelhante surge na abertura do Ano
Apostólico. Todos têm capacidades a desenvolver para bem das pessoas e das suas
associações, dos movimentos, da paróquia e da diocese. A parábola de Jesus
afirma que o dono da vinha faz o arrendamento aos trabalhadores durante um
certo tempo. Depois quer receber os frutos. Agora é a nossa vez. Este é o nosso
tempo. João Almiro, casado e pai de 7 filhos, o fundador da “Casa das
Andorinhas” para acolher e recuperar pessoas com toxicodependência, mulheres
prostitutas, alcoolizados e outros excluídos sociais, farmacêutico de profissão
em Campo de Besteiros, Tondela, deixa um bilhete no bolso das calças como
testamento espiritual: “Vivo feliz e tranquilo, aguardando ser chamado ao
encontro com Deus, com o coração cheio de amor e serviço que dei e que também
recebi, sem me preocupar em demasia com a conta bancária». Escreveu-o aos 89
anos e morre aos 91, no passado dia 28 de Setembro. É a vinha do Senhor no seu
melhor.
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