Por: Padre e professor de Filosofia Anselmo
Borges, no Diário de Notícias
Como ficou dito, o livro Progresso, de
Johan Norberg, apresenta dez razões para ter esperança no futuro. Continuo o
seu elenco, para lá das apresentadas quanto à comida e ao saneamento.
3. Esperança de vida. Para não irmos a
épocas anteriores piores, devemos referir que na década de 1830 a esperança de
vida na Europa Ocidental ia até aos 33 anos e melhorou apenas de forma muito
lenta. Antes de 1800, nenhum país do mundo tinha uma esperança de vida superior
a 40 anos. O espantoso é que não existe um único país que não tenha visto
melhorias na mortalidade infantil desde 1950.
4. Pobreza. Não precisamos de uma
explicação para a pobreza porque é desse ponto que todos partimos. A pobreza é
o que temos até criarmos riqueza. No início do século XIX, as taxas de pobreza
eram superiores às dos países pobres hoje, até nos países mais ricos. Quando
nos anos 50 do século XX a pobreza extrema foi erradicada em quase todos os
países da Europa Ocidental, começou a segunda grande evasão da pobreza, na Ásia
Oriental, com países como o Japão, a Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e
Singapura, que acelerou quando os dois gigantes mundiais, a China e a Índia,
decidiram começar a abrir as suas economias em 1979 e 1991, respectivamente. O
segredo do desenvolvimento da Ásia foi a sua integração na economia global.
Entre 1981 e 2015, a proporção de países de rendimento baixo a médio que
sofriam de pobreza extrema foi reduzida de 54% para 12%. Em 1820, o mundo tinha
apenas cerca de 60 milhões de pessoas que não viviam em pobreza extrema.
Actualmente, mais de 6,5 mil milhões de pessoas não vivem em pobreza extrema.
5. Violência. Nos inícios da Idade
Moderna, aconteceu uma coisa incrível: A taxa europeia de homicídios caiu de
30-40 para 19 por cada 100 mil vítimas no século XVI e para 11 no século XVII.
No século XVIII, desceu para 3,2 e hoje é de apenas 1. Entre o século XVII e o
século XVIII, o número anual de execuções por cada 100 mil pessoas baixou de
mais de 3 para menos de 0,5. Hoje ronda os 0,1. Claro que os riscos de guerra,
incluindo nuclear, estão aí à vista. Pense-se nisto: A qualquer momento um
grupo terrorista pode deitar a mão a uma bomba nuclear. Mas as tendências
gerais a favor do valor da vida e da paz são fortes.
6. Ambiente. Disse Indira Gandhi: Não
são a pobreza e a necessidade os maiores poluidores? O ambiente não pode ser
melhorado em condições de pobreza. Os danos maiores dão-se nos países pobres.
Agora, há o acesso global à soma dos conhecimentos da humanidade, e isso pode
significar que o dilema no centro do aquecimento global - a nossa necessidade
de energia - na verdade é também a sua solução.
7. Literacia. A taxa global de literacia
cresceu cerca de 21% em 1900 para quase 40% em 1950 e em 2015 era de 86%. Isso
significa que actualmente apenas 14% da população adulta não sabe ler e
escrever, ao passo que em 1820 apenas 12% sabiam.
8. Liberdade. No ano de 1900,
exactamente 0% da população mundial vivia numa democracia verdadeira, na qual
cada homem ou mulher vale um voto. Em 1950, 31% vivia em democracia e no ano
2000 ia nos 58%. Hoje, até os ditadores têm de fingir gabar a democracia e
forjar eleições.
9. Igualdade. É um facto: continua a
haver discriminação e intolerância contra as mulheres, os homossexuais,
minorias étnicas e religiosas e há pessoas que são vítimas de preconceito,
hostilidade e crimes de ódio. Mas hoje, com raras excepções, pela primeira vez,
os governos defendem a igualdade e o direito de amarmos quem quisermos e os
fanáticos já não têm o auxílio, nem sequer o silêncio, das maiorias. Quando se
pensa na escravatura, no racismo, na opressão das mulheres, é difícil não
constatar um progresso espantoso.
10. A próxima geração. Apesar do que se
diz nos noticiários, as condições da infância nunca foram tão benévolas como
agora. O autor pede para se imaginar uma menina de 10 anos há duzentos anos.
Fosse onde fosse, não esperaria viver mais de 30 anos. Fora criada em condições
que hoje consideramos insuportáveis. Vivia num mundo implacável, onde o risco
de morte violenta era quase três vezes superior ao actual. Desde então, a
humanidade assistiu a uma revolução nos níveis de vida material e à consciência
dos direitos humanos. E quando se pensa nos avanços em conhecimento de todo o
género em que essa menina vai hoje poder participar, deve reconhecer-se que
está a dar os primeiros passos num mundo novo. O nosso futuro está nas mãos
dela.
11. Epílogo. As coisas terem melhorado -
esmagadoramente - não garante o progresso no futuro. É evidente. Pense-se
inclusivamente na possibilidade do Apocalipse: armamento nuclear nas mãos de
grupos terroristas. A nova situação do mundo não faz correr o risco da morte
global?
No meu entender, neste livro tão
animador há um vazio: a falta da invocação da transcendência. Para,
concretamente num tempo de desorientação, de inesperança, de consumação do
niilismo, niilismo sedado, responder às perguntas metafísico-religiosas,
inelimináveis: viver para quê?, qual o sentido último do progresso e da
existência?
Pensando precisamente no futuro da
humanidade, que na sua grande maioria ainda se afirma religiosa, poderíamos
esperar que, como líder global, Francisco dê impulso à reunião do Parlamento
Mundial das Religiões para tratar de problemas cuja urgência para a humanidade
ninguém pode negar, como a salvaguarda da mãe Terra, questões de bioética e
relacionadas com as NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência
artificial, ciências cognitivas e do cérebro), diálogo intercultural e
inter-religioso, governança global, a justiça e a paz mundial, trans-humanismo
e pós-humanismo, a esperança e o sentido.
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