quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Comparável ao resgate na Guiné-Bissau e outros: Armando Vara é o primeiro dos grandes poderosos a ir parar à cadeia.

A justiça portuguesa concluiu que Armando Vara cometeu vários crimes de tráfico de influências. Todas as instâncias judiciais foram unânimes, pelo que a decisão, além de inapelável, tem uma legitimidade irrecusável. Armando Vara continua a dizer-se inocente, alguns acham que a pena que lhe foi determinada pode ser algo desproporcionada, mas é óbvio que isso agora é irrelevante, atenta a unanimidade da justiça.

A nossa justiça não tinha sido, até agora, muito eficaz em matéria de crimes de "colarinho branco". Mais do que isso, o crime de tráfico de influências, que surge muito ligado à corrupção, tinha sempre passado "por entre os pingos da chuva", talvez por ter como "primo" distante a "cunha", esse arraigado hábito lusitano (e não só). Ver este tipo de crimes começar a ser punido significa um claro avanço social, um salto de modernidade e de transparência pública com que todos nos devemos congratular - todos aqueles que lutam por uma sociedade mais decente.

Se a corrupção e o tráfico de influência tivessem um cheiro, cheiravam a peixe. A robalos, provavelmente. Uma caixa de robalos, um pão de ló e 25 mil euros foi o quanto bastou para que um coletivo de juízes condenasse o socialista Armando Vara a uma pena de cinco anos de prisão efetiva. O crime? Tráfico de influência no processo Face Oculta que envolveu o sucateiro Manuel Godinho.

A entrada de Armando Vara esta quarta-feira para a cela 8 na cadeia de Évora tem um duplo simbolismo. O socialista é o único português preso por tráfico de influência. É verdade que o crime só existe no Código Penal desde 1995. Mas num país com elevados níveis de corrupção, de cunhas, de amiguismos e clientelismos, haver só um indivíduo preso por tráfico de influência é obra.

A chegada de Armando Vara à prisão tem um outro lado simbólico. É o primeiro dos grandes poderosos (da leva de Joana Marques Vidal) a ir parar efetivamente à cadeia. Investigações intermináveis, recursos infinitos, megaprocessos que se arrastam no tempo, manobras dilatórias fazem-nos perder o rasto dos notáveis e poderosos a braços com a justiça.
Volta e meia, alguém pergunta: que é feito de Oliveira e Costa do BPN? Já foi preso? Ainda não, responde alguém e encolhe os ombros. Foi condenado a 12 anos de prisão e, mais recentemente, a outros 15 anos, mas ainda está em liberdade. E José Sócrates? Quando é que Ivo Rosa acaba de ler as 4 mil páginas da Operação Marquês? E Zeinal Bava e Henrique Granadeiro? E José Penedos? E Manuel Pinho?

Onde pára o processo principal do Ministério Público sobre Ricardo Salgado? Ana Gomes diz que “não se percebe porque é que, até hoje, a justiça portuguesa não prendeu Ricardo Salgado e os seus capangas, deixando que o sentimento de impunidade se instale”.

A prisão efetiva de Armando Vara não pode ser uma exceção à regra deste sentimento de impunidade. A prisão tem de ser a regra para os que prevaricaram, roubaram, aldrabaram, manipularam, branquearam. A justiça perde-se quando o tempo da justiça ultrapassa a própria justiça.

O gosto pelos fatos e a filosofia de Bertrand Russell

Não é só a prisão de Armando Vara que tem um grande simbolismo. A própria carreira política e empresarial de Armando Vara é toda ela um símbolo de um tempo em que a política se misturava com os negócios e o resultado era um insuportável cheiro a peixe.
Vara entrou para a Juventude Socialista em 74. Nessa altura, estudava filosofia (curso que não acabou) e trabalhava numa loja de pronto-a-vestir chamada Teté Rodrigues, em Bragança.

Provavelmente foi nesta fase que ganhou o gosto pelos fatos e com o filósofo Bertrand Russell terá aprendido que “o truque da filosofia é começar por algo tão simples que ninguém ache digno de nota e terminar por algo tão complexo que ninguém entenda”. A carreira de Vara começa com algo tão simples e que ninguém achava digno de nota. Começa como funcionário de um balcão da Caixa Geral de Depósitos, em Mogadouro, e termina numa teia intrincada e complexa de fazer inveja à mais competente das aranhas.

Quem folheasse o Voz do Nordeste na década de 80 encontrava um jovem colunista de seu nome Armando Vara a perorar precisamente sobre as ligações entre a política e os negócios: “O negocismo instalado, a noção de proveito pessoal que alguns têm da política tem a ver com a ausência de ideologia que em nome de uma prática de duvidosa moralidade parece começar a fazer escola.”

E foi nesta escola de “duvidosa moralidade” que se formou toda uma geração políticos, que andaram toda a vida em portas giratórias entre a política e as empresas, a fazer política nas empresas e negócios na política.

O mundo é pequeno. E o da corrupção ainda mais

Na década de 90, já deputado, ainda tenta lançar com o seu amigo José Sócrates uma empresa de distribuição de combustíveis na Reboleira. Segundo o Público, o escritório para a sede da empresa foi cedido por José Guilherme, o mesmo que terá dado uma prenda de 14 milhões a Ricardo Salgado. É caso para dizer que o mundo é pequeno. E o da corrupção ainda mais.

Entretanto, Guterres ganha a Sampaio e chama Vara e Sócrates para o Governo, como secretários de Estado, cabendo a Vara a pasta da Administração Interna. Foi nessa altura que teve a sua primeira, e até há pouco tempo única condenação, quando insultou o autarca Raul dos Santos com um “Eu quero que você se f…”.
Vara tinha nível para mais do que isso. Foi acusado pela oposição de, enquanto secretário de Estado da Administração Interna, desviar dinheiro da Fundação para a Prevenção e Segurança, de combate à sinistralidade rodoviária. O caso morreu na Justiça, mas ditou a queda do então ministro-adjunto de Guterres com a tutela do Desporto. Foi por causa da tutela do desporto que foi condecorado com a Ordem do Infante devido à sua participação, enquanto governante, na organização do Campeonato da Europa de 2004 em Portugal.

O “salto à Vara” para a administração da Caixa

Com o amigo José Sócrates já primeiro-ministro e com Carlos Santos Ferreira (desde a adolescência amigo de Guterres) na Caixa Geral de Depósitos, Armando Vara chega finalmente à administração do banco público. Literalmente um “salto à Vara”, num elevador social que só alguns privilegiados têm acesso.
Recorda a Visão que Armando Vara acaba a licenciatura em Relações Internacionais, na Universidade Independente (a mesma que deu as equivalências a José Sócrates), apenas três dias antes de assumir o prestigiado cargo na Caixa. Foi nesse período que a CGD deu os créditos ruinosos que levaram o Estado a ter de injetar cinco mil milhões de euros para equilibrar as contas.

Um desses créditos ruinosos foi ao empreendimento Vale do Lobo e por isso é que Armando Vara está acusado da prática de dois crimes de corrupção passiva, um de branqueamento de capitais e dois de fraude fiscal qualificada na Operação Marquês. Além de Vale do Lobo, a Caixa deu créditos aos acionistas do BCP que estavam numa luta fratricida pelo controlo do banco. Com isto, Vara e Santos Ferreira deram mais prejuízos à CGD, mas ganharam o passaporte que os levaria a ambos para a administração do BCP, de onde Vara acabaria por se demitir devido ao seu envolvimento em diversos processos judiciais.
Quem escavou a história de Armando Vara ainda encontrou ligações à maçonaria do Grande Oriente Lusitano, ao alegado envolvimento na tentativa de controlo da TVI e de outros órgãos de comunicação social pelo Governo de Sócrates e ainda negociatas com vista a promove-lo a presidente da SAD do Benfica.
A censura ao relatório da OCDE sobre corrupção
PS: Depois de o Expresso ter noticiado que o Governo socialista estaria a tentar censurar um relatório da OCDE sobre o fenómeno da corrupção em Portugal, a nova PGR disse o seguinte esta terça-feira na abertura do novo ano judicial:

Sob pena de inevitáveis e dramáticas consequências, designadamente de cariz socioeconómico, não podemos ignorar os resultados de múltiplos estudos de distintas entidades que invariavelmente apontam dados reveladores de estarmos longe de obtermos vencimento na luta contra a corrupção.”

Uma visão lúcida e realista de Lucília Gago. O Governo socialista e o ministro Augusto Santo Silva têm a obrigação de saber que não é por fecharmos os olhos a estudos e a relatórios sobre corrupção que deixaremos de sentir o intenso cheio a peixe.
Por, Dr. Pedro Sousa Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário


COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.