“A Páscoa de Jesus não é um acontecimento
do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos
contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem”,
afirma o Papa Francisco na mensagem para a Quaresma que estamos a viver.
Ao longo dos próximos domingos iremos
meditando diversos passos do percurso feito por Jesus até Jerusalém onde é
condenado como malfeitor pela autoridade romana e, na manhã de Páscoa,
ressuscitado por Deus Pai como o vencedor da morte por amor.
Hoje, a liturgia apresenta-nos o
Evangelhos das tentações. Mt 4, 1-11. Após o baptismo, ainda antes de iniciar a
missão pública, Jesus vê confirmada a sua dignidade de Filho de Deus que o
Tentador questiona e pretende comprovar.
Mateus – o narrador do episódio – elabora
um diálogo atraente, que é uma verdadeira catequese, sobre como proceder
perante as tentações. O Papa Francisco diz que com o diabo não se dialoga, mas
responde-se com a Palavra de Deus. Assim faz Jesus.
O tentador centra a sua provocação na fome
e, consequentemente na necessidade de pão. Jesus havia jejuado 40 dias e 40
noites. O diabo conhecia a situação e tenta explorá-la.
Ontem como hoje, a fome cresce
exponencialmente. Em todas as dimensões da realização integral de cada pessoa.
Eliminá-la? Mas como?! Como consegui-lo? O desafio é pertinente. A proposta
parece aliciante: que as pedras se transformem em pão. E Jesus podia fazê-lo.
Porém a recusa surge espontânea e esclarecedora. O pão é preciso, mas a maneira
de o arranjar está confiada ao homem, ao seu trabalho honesto, à sua
organização laboral, à gestão de recursos, ao preço justo dos valores, à
sobriedade de vida, à economia social em que todos participam. Como ensina a
Palavra/Lei de Deus. Esta resposta liberta o homem das amarras da inércia irresponsável
e da dependência doentia. Reforça e restitui a nossa capacidade de gerir a vida
e de nos organizarmos em sociedade. Reencaminha o homem para si mesmo,
libertando-o da alienação e do facilitismo.
Vencido, mas não convencido, o tentador
desloca a provocação para o religioso, o brilho do espectáculo, o esplendor do
cerimonial, o prestígio de quem pode ser acompanhado por forças especiais. O
pináculo do Templo era o local indicado. O êxito estava garantido. Que mais
poderia desejar o provocador? Jesus, em resposta curta e incisiva, não lhe dá
tréguas e recentra o sentido da sua vida, insinua o caminho da sua missão. Dá
um não rotundo à religião espectáculo, ao culto das aparências ilusórias, à
ostentação de insígnias reluzentes e credenciadas. Quer ser obediente ao
projecto de Deus que se realiza na sinceridade do coração, na simplicidade do
amor fraterno, na humildade do serviço. Que contraste de perspectivas e que
“abanão” para as consciências instaladas no que apetece e parece bem.
As provações recusadas levam o tentador a
fazer um desafio original e, para ele, decisivo. Explora o instinto da posse de
bens, o gosto de ter dinheiro, a apetência por ser poderoso e dominar, o desejo
irreprimível de viver seguro, ainda que sacrificando a liberdade dos outros. E
promete “mundos e fundos”. Exige apenas um preço a pagar: que Jesus se vergue
perante ele, se prostre e o adore como um deus. A reacção de Jesus deixa
perceber que a provocação atingira o auge, era intolerável. “Vai-te, Satanás”.
Sai da minha presença. A minha atitude está definida: De joelhos perante Deus;
de pé firme perante os homens. É esta a minha missão: erguer os caídos, animar
os abatidos, levantar os prostrados pelas tiranias e doenças.
Ter, amar, poder, constituem três núcleos
da identidade humana onde ocorrem as derrotas/vitórias mais decisivas da
história. A vida de Jesus mostra, com abundância de factos, que o serviço por
amor é o caminho do êxito pleno. Por isso, continua a segredar-nos: liberta-te
e vem comigo. “Portanto, exorta o Papa Francisco: Não deixemos passar em vão
este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e
modos da nossa conversão a Ele”.
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