Dr. Carlos
Joaquim Vamain, ministro da Função Pública, do Trabalho e da Reforma do Estado,
do Governo de Transição, concedeu uma entrevista exclusiva à Gazeta de Notícias
em que faz uma “radiografia” da função pública guineense, da legislação desta
área, dos projetos de decretos-lei e dos decretos em preparação, e, da situação
dos trabalhadores em geral. Também falou do papel que esta instituição podia
desempenhar no processo da reforma do sector da defesa e segurança tendo
salientado que “A reforma não é colocar as pessoas fora do quartel, mas sim
permitir que o exército cumpra o seu papel constitucional e que tenhamos uma
nova estratégia que promova o desenvolvimento.”
O ministro
esclareceu a famosa questão dos alegados “funcionários fantasmas” que no
passado recente fez correr muita tinta no país, passando pela propalada reforma
e modernização do Estado que foi objeto de um projeto de três anos financiado
pela União Europeia, mas cujos resultados, segundo diz, “estão aquém das
expectativas”.
Está
a frente da função pública, há cinco meses. Quer fazer uma análise crítica do
estado deste pelouro. Qual é a sua prioridade fixada?
Carlos
Vamain (CV) – Tenho estado a estudar os “dossiers”,
a tentar entender a mecânica do ministério. Mas, só que, está aquém das
expectativas porque é um ministério que beneficiou de um apoio substancial para
a sua reforma e a do Estado. A reforma da administração pública beneficiou de
6.5 milhões de euros para a reforma durante os três anos da duração do
projecto, que findou em Novembro do ano passado. Só em Julho deste ano é que os
seus gestores conseguiram fechar o relatório e encerrar efectivamente as
portas. Durante todo esse tempo houve vários projectos de diploma de
modernização e inovação da administração pública elaborados pela consultoria,
mas nenhum desses diplomas, infelizmente, foi aprovado durante a vigência do
projecto.
Ao assumirmos esse pelouro encontramos vários
projectos de diplomas que podem, certamente, contribuir para a modernização e
uma certa eficácia e eficiência na administração, nomeadamente, os projectos
relativos ao novo estatuto do pessoal da administração pública, ao regime de
incompatibilidade na administração pública, que vai regular e disciplinar o
conflito de interesse na administração pública, ao regime jurídico de emprego
público, aos princípios gerais do emprego público, à reestruturação de
carreiras na administração pública, à avaliação do desempenho dos funcionários
e dos serviços e unidades orgânicas dos diferentes departamentos
governamentais, passando pelo projecto do diploma relativo à formação
profissional dos funcionários e agentes da administração pública, entre outros.
Todos estes projectos já foram adoptados pelo
Conselho de Ministros e agora só estamos a espera da sua promulgação e
respectiva publicação para procedermos à sua implementação e formação dos
funcionários e agentes da Administração Pública em articulação com a Escola
Nacional da Administração, recentemente criada, relativamente ao conteúdo
desses diplomas para que essas decisões possam efectivamente ser implementadas
ao serviço do país e do seu desenvolvimento.
Uma
das grandes dificuldades dos governos que se sucederam foi a gestão dos
trabalhadores do Estado. Há tempos atrás foi desencadeada uma caça aos alegados
“funcionários fantasmas”. Ainda existe essa categoria de funcionários na função
pública? A caça continua?
CV
– Estando de fora como analista e observador atento, nunca pensei que numa
administração pública pudessem existir fantasmas. Agora, estando por dentro, é
claro, não me parece existir fantasmas, mas sim, situações de irregularidades
das pessoas que são contratadas a termo certo e que continuaram irregularmente
na Administração, assim como aqueles que beneficiaram de nomeações irregulares
e mesmo ilegais. Porque quando se tem contrato na administração pública deve
ser um contrato de provimento a termo certo e mediante prévio concurso público,
visto que o contrato é para algumas actividades não permanentes da
Administração Pública. Para actividades permanentes do Estado o recrutamento e
a base da selecção e recrutamento, que culmina em nomeação definitiva ou em
comissão de serviço segundo os casos previsto na lei.
Aqueles que trabalham na Administração Pública com
base em contratos a termo certo, são agentes e não funcionários da
administração pública, pelo facto de serem contratados a termo certo. Assim,
quando termina, não tendo sido renovado o contrato devem deixar a
Administração. Ademais, por não serem funcionários públicos devem descontar
para a previdência social. Neste caso, o Estado tem o dever de contribuir com a
sua quota-parte (14%) para a reforma do trabalhador nos mesmos moldes que a
empresa privada contribui para os seus trabalhadores, que descontam 8% do seu
salário, perfazendo o total de 22% que o empregador deve remeter ao Instituto
da Previdência Social (INPS), para a pensão de reforma futura do trabalhador.
Isto porque, pode sair do Estado e continuar a trabalhar por conta de outrem e
a descontar. Esta situação prevaleceu e prevalece na administração pública por
culpa dos administradores e não desses agentes, que ainda continuam de forma
irregular na Administração Pública sem efectivação. Assim, na minha
perspectiva, não se pode falar de fantasma por não corresponder à realidade dos
factos. Pois, não obstante esta tentativa louvável de recenseamento biométrico
que se fez, mas carece profundamente de cruzamento dos dados para se ter uma
ideia exacta dos números e se poder-se-á falar de fantasmas. Repito, ainda não
há números exactos resultantes do recenseamento biométrico.
Porquê?
CV
-
Não se pode falar em números exactos na medida em que estivemos a ler o
relatório final do Projecto de Apoio a Reforma na Administração Pública (PARAP)
que conclui taxativamente que o projecto foi mal desenhado e mal concebido e
que os resultados estão aquém das expectativas.
Nessa
questão dos funcionários fantasmas de que se falou na altura, sobraram milhões
de Francos cfa na alegada caça. Como se explica esse facto?
CV
– O problema dessa questão carece de confirmação e consolidação, porque houve
pagamentos essenciais que foram feitos, mas que não abrangiam todo o mundo.
Havia funcionários ou agentes da Administração Pública que estavam fora do
país, evacuados para tratamento no estrangeiro e que portanto, saíram
legalmente do país, havia outros funcionários que estavam nos confins da
Guiné-Bissau, privados de transportes e que não foram objecto de recenseamento…
E, mesmo aqui, vimos que de entre os quadros do Ministério do Interior houve
funcionários que foram consideradas fantasmas e, depois das remodelações
governamentais, quem estava aqui e foi para lá achou que houve injustiça em
relação a uma série de pessoas consideradas “fantasmas”. Vê-se claramente que
não existem números consolidados ainda para se falar de fantasmas.
Neste momento mandamos imprimir todas as folhas
resultantes de recenseamento de cada ministério para proceder a cruzamento dos
dados para se ter a realidade dos números. Mesmo ao nível do Data Center (o
banco de dados deste Ministério), também vamos retomar o cruzamento das folhas
de pagamento das finanças com as bases de dados do Ministério da Função
Pública, para que se possa avaliar obter os números concretos e consolidados
dos funcionários públicos, expurgando os irregulares que possam estar nas
nossas folhas.
-
Concretamente, em que pé está o projecto de modernização do Estado. As metas
traçadas foram minimamente alcançadas?
CV
-
O processo está em curso. Começou mas está ainda longe de dar passos decisivos
no sentido da sua própria modernização, porque isso passa pela aprovação de
diplomas, pela formação das pessoas e sua qualificação e, eventualmente, a sua
reclassificação e reconversão. Tudo isso é um processo, como eu disse. No
momento em o projecto estava em vigor, pois terminou em 2011, durou mais ou
menos três anos efectivamente. No período da duração desse projecto é que se
devia implementar as reformas e tentar corrigir as eventuais deficiências que
pudessem ser constatadas, mas isso, infelizmente, não aconteceu, e, só agora é
que nós estamos a aprovar esses projectos de decretos-lei e de decretos para
depois, numa segunda fase, na sequência da sua promulgação e publicação,
começar a respetiva implementação e formação dos funcionários e agentes da
Administração Pública em articulação com a Escola Nacional da Administração.
Portanto, é nesta perspectiva que se pretende modernizar a administração. A
partir da formação, de aquisição de conhecimentos, é que se pode alcançar a
eficiência na Administração Pública.
Critica-se
a falta de reprodução e produtividade dos funcionários públicos. Diz-se até que
o Estado finge que paga salários e os trabalhadores fingem que trabalham. O que
acha?
CV
-
Tem sido verdade até aqui, mas eu penso que com o processo da reforma em curso,
com o novo sistema de avaliação de desempenho, não só dos funcionários mas
também do desempenho das unidades orgânicas e dos serviços, vamos ter elementos
para a apreciação dessas deficiências e tentar diagnosticá-las bem, corrigir os
erros e tentar formar as pessoas no sentido da imprimir eficiência à nossa
Administração.
Sabemos que a administração pública que nós temos
está desmantelada há várias décadas. A reforma deve ser um processo, que
poderá, a médio e longo prazo reverter essa tendência, isto é, se tentarmos
instituir a neutralidade na administração, tornando-a estável,
independentemente das mudanças de governos.
Através da legislação que já estava feita, decidimos
dar uma certa estabilidade ao nível do novo estatuto do pessoal dirigente da
administração pública. Doravante, a escolha dos directores gerais, não obstante
ser livre, deve recair de entre quadros superiores com certa experiencia. Em
caso de ausência desse perfil na administração pública pode-se recorrer aos
quadros experientes não funcionários, por concurso. Já é um passo para certa
profissionalização e tentativa de estabilização de quadros na administração
pública. E, isso deve ser acompanhado também com uma reforma ao nível salarial
para poder atrair e estimular os quadros para e na administração pública.
Tempos
atrás, foi suspensa a admissão do pessoal no quadro da função pública. Essa
decisão ainda vigora? Em que situação é que se pode abrir excepção?
CV
– Sim, continua a vigorar essa decisão da não admissão de pessoal na
administração pública, mas com a excepção relativa aos quadros técnicos, médios
e superiores, que não são afectados por essa medida. Mas desde que haja vaga
deve-se proceder ao recrutamento e selecção através de concursos públicos.
Há
garantias que esse concurso será um concurso isento, transparente sem pendor
político?
CV
- Haverá comissão que será criada previamente. Está na lei. O júri é formado
por representantes do ministério que dispor da vaga e de representante da
administração pública. Uma vez que os nomes dos júris serão publicados
previamente, os candidatos terão todo o direito de os recusarem caso haja
suspeita relativamente a parcialidade dos membros da comissão do júri, tal como
se passa ao nível do sistema judicial. Qualquer cidadão pode recusar um juiz
sob fundamento da sua parcialidade ou pelo simples facto de ser um familiar ou
parente da outra parte em litígio. Caso em que pode haver reclamações.
Não se pode dizer que será uma coisa perfeita,
porque o homem não é perfeito, as suas leis e atitudes também não as são. Por
isso há mecanismos de salvaguarda, que são a reclamação e recursos hierárquicos
relativamente a quem se sinta prejudicado.
Até
aqui o Estado tem sido o maior empregador em todos os níveis. Absorve a maior
parte dos quadros recém-formados. O que acha dessa situação, poder-se-á um dia
inverter essa situação?
CV
– Penso que sim, pode-se fazer isso a partir da criação de condições para a
atracção de investimentos nacionais e estrangeiros, desde que o Estado
desempenhe cabal e eficientemente o seu papel de facilitador. O Estado não pode
empregar todo o mundo. Apesar de ter sido o caso até aqui, mas não tem
conseguido dar respostas satisfatórias. A única resposta à essa situação é
criarmos condições de tornar a nossa economia mais dinâmica e, sobretudo
produtiva e diversificada. Para que a economia seja dinâmica é necessário que
haja um ambiente favorável para os negócios no país. O que significa a
simplificação burocrática, a facilitação da criação de empresas, que já esta a
dar alguns passos com a criação do Centro de Formalização de Empresas (CFE),
mas isso só não basta, é preciso irmos mais ao fundo da questão, nomeadamente,
a da lei da terra que assusta os potenciais investidores e não é nada atractiva
ao investimento. O Estado tem que ter um domínio público da terra, livre e
desimpedido. Quando houver investidores, o papel do Estado deve ser o de
conceder a sua propriedade e não permitir que os potenciais investidores
negoceiem com os ocupantes tradicionais. Isto porque, negociar com ocupantes
tradicionais significa que o Estado não tem terras e nem é proprietário delas.
Pois, a Constituição da República dispõe que a terra pertence ao Estado e não
aos ocupantes tradicionais. Há uma contradição aqui, que deve urgentemente ser
sanada. O Estado tem que remover este tipo de obstáculos e criar condições
favoráveis mais atraentes do que todos os outros países da zona para que
possamos ter investimentos que criem empregos e gerem riqueza. Só assim é que o
Estado da Guiné-Bissau poderá ter condições de resolver os seus problemas
sociais, nomeadamente, a saúde, a educação e as infra-estruturas para a
promoção do desenvolvimento.
O
seu pelouro é gestor dos recursos humanos do governo. Nos últimos tempos tem se
falado da reforma na defesa e segurança, qual tem sido a intervenção do seu
pelouro nessa actividade?
CV
- O Ministério é da Função Pública, do Trabalho e da Reforma no sector do
Estado, devia ser transversal e essa transversalidade passa por um maior
protagonismo e proximidade ao chefe do governo, mas não é isso que está a
acontecer na medida em que a orgânica do governo esqueceu-se do papel
preponderante e primordial da reforma do Estado. Por isso, se formos ver, desde
a orgânica do governo anterior, o ministério da reforma é o último ministério.
Isso porquê? Explica-se por uma razão bastante simples, é que, ainda na prática
estamos no Partido-Estado.
Não é em função do papel preponderante e essencial
do ministério que as pessoas eram nomeadas no anterior governo, e a precedência
não correspondia a isso. Era a precedência correspondente à posição
desempenhada no partido-Estado, isto é, a posição que você ocupa no partido é o
mesmo que vai ter no Estado. E isso desvirtuou um pouco essa situação.
Penso que este é o momento propício para se fazer
uma boa reforma transversal na defesa e segurança e também no Estado, como um
todo, com vista a diminuir o peso no Estado na vida das pessoas. A questão da
pressão sobre a receita fiscal devia ser uma matéria de reflexão de todos os
guineenses. E há toda uma necessidade do sacrifício de todos, para que o país
encontre o caminho do seu desenvolvimento. Os militares, ao devolverem o poder
aos civis, assinaram um Acordo reafirmando a sua adesão a reforma. Mas para que
isso tenha sucesso, deve ser apropriada pelos próprios militares e pela toda a
sociedade e tem que ser aprovada pelos guineenses. Se os guineenses não a apropriarem
nunca vamos ter uma reforma eficiente e duradoura. A reforma não é colocar as
pessoas fora do quartel, mas sim permitir que o exército cumpra o seu papel
constitucional e que tenhamos uma nova estratégia que promova o
desenvolvimento. Eu sempre me pergunto se a estratégia colonial que implementou
esses aquartelamentos ainda existentes corresponde ao nosso conceito
estratégico militar. Se sim, talvez não precisemos da reforma.
E será que os quartéis que estão semeados no país e
que correspondiam à estratégia colonial, ainda correspondem à nossa visão
estratégia? Julgo que é preciso, nesta matéria, começarmos a pensar com as
nossas cabeças e a andar com os nossos próprios pés, bem assentes no chão,
contando, em primeiro lugar, com os nossos próprios meios para resolver os
problemas que nos criamos.
A Comunidade Internacional falhou também nesse
processo. Este era o momento propício para ajudar o país no processo da reforma
do sector de defesa e segurança. Não foi o caso. Preocupam-se tão-só com eleições
que, por si só, não resolvem o problema neste país. O que resolve o problema
deste país é quando estivermos todos conscientes de que quem ganha as eleições
não ganha tudo e quem perde, não perde tudo. Tem que haver dosagem. Enquanto
não houver inclusão no processo de desenvolvimento deste país, e enquanto não
utilizarmos os quadros formados pelo país, independentemente da sua filiação
partidária, o país continuara a registar os sobressaltos para não falar em
instabilidade crónica.
É preciso que reflictamos o país para que saíamos
dessa situação de crónica instabilidade. Uma situação que depende duma reforma
urgente e profunda, bem construída e bem debatida por todos, sem exclusão.
Os
funcionários públicos reclamam que não beneficiam de mudança de letras há mais
de 20 anos. Há alguma possibilidade de alterar essa situação?
CV
- Efectivamente isso corresponde à uma realidade. Essa realidade decorre da
ausência de políticas públicas coerentes e consistentes, à falta de
conhecimento de normas. Um ministro quando gere um departamento governamental
tem que gerí-lo com base na lei. O
estatuto do pessoal em vigor, se não me engano data de 1994. E, de lá para cá,
nunca houve avaliação do desempenho dos funcionários públicos. Para mudar de
letra o funcionário, por lei, tem que ser avaliado o seu desempenho; mas, que
eu saiba, nunca foram avaliados relativamente ao seu desempenho durante todo
esse período. Quando entrei aqui criei uma comissão de avaliação de todo o
pessoal da função pública. Mas a promoção neste momento está cancelada enquanto
decorre a reforma.
Com a nova legislação vamos ter a possibilidade de
corrigir essas distorções e malefícios que existem na administração pública.
Falemos
do processo de recenseamento biométrico. Na altura quando foi iniciado era
considerado a pedra basilar para o saneamento da função pública. Continuará?
Acabou? Quantos funcionários existem na função pública?
CV-
Em relação a essa questão não tenho bem presente os números exactos. Mas
fala-se de cerca de 18 mil funcionários, incluindo os excedentários
(funcionários cujas carreiras foram extintas desde o ano de 1994, quando da
adopção do estatuto do pessoal da administração pública, que mandou para a
reforma os que recebiam da letra O à Z, mas que continuaram. Houve
desvinculação e indemnização, mas muitos regressaram, engrossando de novo o
numero de funcionários. Os funcionários que venciam da letra O a Z são
considerados os “excedentários”, cuja solução requer a adopção de um diploma
próprio e que deve ser para breve.
Há dois
números, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM) diz que nós
temos no total 27.000 (vinte e sete mil) funcionários: 6.000 (seis mil)
pensionistas e 21.100 (vinte e um mil e cem) funcionários. É preciso
proceder-se ao cruzamento de dados par se conhecer o número exacto dos
funcionários. Porque houve recenseamento biométrico que não contemplou muitas
pessoas que estavam em tratamento fora do país que, a medida que forem
regressando, vão pedidos o recenseamento e consequente reintegração na
Administração Pública. Há outros funcionários que não foram recenseados mas que
eram secretários de Estado ou ministros, voltaram à precedência e pediram
recenseamento e reintegração.
Em dois meses podemos tentar cruzar os dados no
sentido de obter um número exacto. Já vai ser constituída uma comissão
interministerial para a verificação e confirmação dos dados do recenseamento
biométrico em diferentes ministérios. Isto é, fazendo este trabalho, conjugado
com o cruzamento de dados de folhas de pagamento das finanças e das folhas que
nós temos aqui no ministério. O cruzamento desses dados pode levar-nos a um
número real e consolidado. Fez-se o recenseamento biométrico mas ninguém tem
cartão biométrico, excepto o primeiro-ministro, que por sinal não é
funcionário. E, dinheiro foi pago a uma empresa para fazer o software, não se
fez o software para que a outra empresa pudesse proceder à impressão dos
cartões.
Quer
dizer que vão começar de novo?
CV
- Para ter cartão tem que ser assim, eu penso que podemos tentar dar volta a
isso porque o normal é, os funcionários, ingressarem na administração pública
através de recrutamento e selecção, seguida de nomeação, que tem que ser
publicada no boletim oficial. Só os nomes que constam do boletim oficial é que
deviam ser pagos pelo Ministério das Finanças. Assim acontecia na época
colonial, até aos meados de 80, tendo funcionado bem; depois disso, foi o
desmantelar do Estado e agora temos é que reconstrui-lo. E essa reconstrução
não é fácil porque passa pela mudança de mentalidades.
Tendo
em conta a situação que encontrou neste pelouro, quais as metas que fixou para
cumprir até ao final da transição?
CV
–
Até ao fim da transição, penso que já é bom o facto de se ter uma dezena de
legislações que após a promulgação vai ser implementada, e o pessoal dirigente
vai ser formado a nível dessa legislação. O pessoal menor vai ter formação
contínua e, assim, com a formação posso deixar um legado para o futuro. O próximo
governo poderá trabalhar em melhores condições. Haverá uma necessidade de
conjugarmos esforços para antes do fim do mandato deste governo tentar mudar o
panorama salarial no país incentivando e motivando os funcionários e agentes
públicos, que são importantes no processo da eficiência da nossa Administração
Pública. Estou a falar, sobretudo, de quadros técnicos, médios e superiores.
Há que haver mudança e há que haver sacrifício para
que tenhamos menos pressões sobre as receitas e que os colegas das finanças
transponham para ordem interna o novo regime fiscal que incide sobre o consumo.
Estou a falar da taxa de valor acrescentado (TVA), que pode permitir ao Estado
arrecadar mais receitas e com uma política racional a nível do salário pode
perfeitamente ajustar o país ao seu nível. O país tem que começar a viver de
acordo com as suas reais possibilidades e reduzir drasticamente a sua
dependência económica estrangeira.
A
dignificação do funcionário público passa por que etapas?
CV
- Passa por muitas etapas, valorização do conhecimento e passa pelo salário
estimulante. Nós vimos que o Estado foi desarticulado, os vários projectos que
nós tivemos no país desarticularam a administração pública levando os melhores
quadros nacionais para os projectos, sem que o Estado apropriasse devidamente
esses projectos. E se formos analisar no conjunto, quais foram os resultados
desses projectos todos, o balanço é altamente negativo, embora tenha permitido
a esses quadros adquirirem outros conhecimentos, mas esses quadros dificilmente
conseguem enquadrar-se na função pública porque estão habituados a receber mais
do que aquilo que a função pública paga.
Tem que haver um trabalho árduo nesse sentido para
invertermos essa situação para que o país possa dar passos qualitativos.
Como
explica o grande desnível que existe em termos salariais entre algumas
instituições estatais: umas pagam mais e outras pagam menos. Há instituições
que pagam subsídios… A que se deve isso?
CV
–
Deve-se a distorções. Mas neste momento há um esforço no sentido de se eliminar
essas distorções na administração pública. Só passarão à receber subsídios,
aqueles que trabalham tal como no passado existiu. Quem faz esforços no sentido
de arrecadar mais receitas deve ser recompensado, mas com uma compensação
razoável, que não seja dobro do seu salário. O seu salário tem que ser
melhorado mas não pode ser mais de 20% de subsídio. Isto está na lei e deve ser
aplicado. As distorções têm já os dias contados.
Há
funcionários que tiveram baixa na função pública mas continuam a receber no
quadro do chamado “contrato de provimento”. Saíram mas não saíram?
CV-
Se isso está a ocorrer poderá haver alguma distorção nesse sentido; significa
que se você saiu da função pública está reformado; significa que tem uma
pensão… Se o Estado ainda precisa de si, então vai escolher entre a pensão e o
contrato. O Estado não pode pagar uma pessoa duas vezes. Está na lei do
Orçamento Geral do Estado e eu penso que deve ser aplicado e vai se aplicar
porque é uma distorção e não pode continuar assim.
//Gaznot
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