quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Quem foi Pansau Na Isna, herói do Como (1)

- Pansau Na Isna… Sabe quem foi ? – pergunto eu a um médico, guineense, meu aluno, filho de um antigo comandante da guerrilha, que actuou no Morés, entre 1963 e 1974.

- Sim, sei que é um dos nossos heróis nacionalistas.
- Sabe quando e onde morreu? E em que circunstâncias?
- Infelizmente, não sei…

Para a população, fracamente escolarizada da Guiné-Bissau (que tem quase 50 % de analfabetos) e sobretudo para os mais jovens (mais de 40% da população tem menos de 15 anos e apenas 3% tem mais de 65), população essa que já não têm quaisquer memórias da luta de libertação, Pansau Na Isna é apenas o nome de uma das principais avenidas da capital, Bissau (onde, por exemplo, a OMS tem a sua representação e onde fica o Hospital Nacional Simão Mendes, e a sede de diversas organizações nacionais e estrangeiras).

Eu também não sabia responder à pergunta, para vergonha minha… (Nunca ouvi o nome dele, no meu tempo de Guiné, 1969/71; também nunca estive no sul, do outro lado do do Rio Corubal). Só soube, há dias, através do episódio da série A Guerra, que passou na RTP 1, no dia 18 de Dezembro de 2007, que o Pansau Na Isna era um dos três comandantes do PAIGG que combateram os portugueses, na Ilha do Como, durante a Op Tridente.

De origem camponesa e de etnia balanta, lá encontrou a morte. Ele e outro comandante. Percebi isso do depoimento do único sobrevivente dos três, cujo nome não retive (Agostinho?). Pansau Na Isna terá sido morto pelos fuzileiros navais. Os seus restos mortais repousam hoje, no Forte da Amura, ao lado de outros heróis da luta de libertação como Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Titinha Silá.

A seguir à independência, Pansau Na Isna foi efígie de uma nota de 50 pesos (de que reproduzimos uma parte), moeda que hoje já não circula, substituída pelo CFA, uma moeda regional…

Foi também título de canção, criada e interpretada pelo popular conjunto musical, dos anos 70/80, Super Mama Djombo, no seu álbum Super Mama Djombo (2003, etiqueta: Cobiana). Este grupo musical, sob a liderança de Adriano Atchutchi, estilizou a música tradicional e deu ao conhecer ao mundo (e às gerações mais novas da população guiense), ao ritmo do estilo Gumbé, o que foi o sonho de Amílcar Cabral, a luta de libertação e a esperança dos guineenses no futuro... A origem do grupo remonta a 1973...

Diga-se, de passagem, que é (ou foi) um grupo carismático, mítico, cuja música merece ser conhecida por nós, ex-combatentes, cotas... Aqui fica uma cheirinho desse fabuloso grupo e do seu mítico álbum de 2003 (gravado em Portugal em 1979), que é obrigatório comprar e ouvir muitas vezes... Na canção sobre sobre Pansau Na Isna diz-se que ele foi um um homem grande... Sobre a importância do grupo pode ler-se aqui:

One of the great West African electric roots bands of the 70's and early 80's. With five interlocking electric guitars and several-part vocal harmonies, this fifteen-person orchestra blazes through fresh interpretations of traditional rhythms (...).

Retomando o 9º e último episódio da 1ª Série do programa A Guerra (1):

Do lado português, bem gostaria de ter ouvido o testemunho do meu querido amigo e nosso camarada Mário Dias, que tem três notáveis textos, na 1ª série do nosso blogue, sobre a Op Tridente (e que merece ser reproduzido, novamente, nesta 2ª série: como eu já escrevi na altura, o Mário Dias é o único dos membros da nossa Tabanca Grande que pode dizer "Eu estava lá") (2). Mas não, não ouvi. Joaquim Furtado e a sua equipa privilegiou os depoimentos dos militares portugueses de alta patente, a começar pelo homem, que comandou as nossas forças terrestres, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro, hoje coronel de cavalaria na reforma. Na altura era também o comandante do BCAÇ 490.

A justificação para a mobilização de vastos meios terrestres, aéreos e marítimos, numa operação de dois meses e tal (14 de Janeiro de 1964 a 24 de Março de 1964) teria a ver com a necessidade de impedir, ao PAIGC, a autoproclamação da República Independente do Como…

A ilha, o melhor, o conjunto de ilhas (Caiar, Como, Cantungo), era um intrincado puzzle de rias, braços de mar, bolanhas, lalas, ilhotas, floresta-galeria, tarrafo, de cerca de 200 Km, onde o PAIGC não teria mais do que 400 homens armados (300, segundo o Mário DIAS), controlando no entanto uma vasta população e os seus recursos.

A ilha do Como era farta em gado e arroz, como muito bem frisou o Almirante Ribeiro Pacheco. Talvez ainda mais importante, o Como era um ponto vital para as linhas de reabastecimento do PAIGC, dada a sua proximidade com a Guiné-Conacri. E o seu controlo afectava seriamente o reabastecimento das posições portuguesas na região de Tombali.

Outro oficial da Marinha entrevistado foi o comandante (?) José Luís Gouveia, dos Fuzileiros, que também participou na batalha do Como. Um dos mitos que caiu por terra era existência de bunkers, de cimento armado, onde os guerrilheiros do PAIGC se entrincheiravam e resistiam aos bombardeamentos da aviação e da marinha portuguesea. Não havia bunkers nenhuns… Dos meios navais, retive que eram compostos por uma Fragata (Nuno Tristão), 4 Lancha de Fiscalização, 4 LDP e 2 LDM.

Nino Vieira, que também é entrevistado, era o comandante militar da Região da Sul, mas não participou directamente na batalha do Como, por se encontrar hospitalizado, na Guiné-Conacri, segundo percebi. Ora, ele é muitas vezes apresentado como o herói do Como, o que não corresponde à verdade histórica... A haver um herói - e os movimentos nacionalistas e os povos que lutam pela sua identidade, emancipação e liberdade precisam, historicamente, de heróis e de mitos - foi o Pansau Na Isna e os seus guerrilheiros-camponeses... Nino Vieira, de qualquer modo, terá sido, à distância, o principal responsável pela estratégia de defesa da Ilha do Como. Enfim, os louros da vitória (a havê-la, para um lado ou para o outro) terão que ser analisados e discutidos, com objectividade e rigor, pelos historiadores.

Ao que parece, em balanta, Pansau Na Isna (ou N'Isna) quererá dizer a tabanca que está a morrer. Pansau era muito próximo de Amílcar Cabral, mas analfabeto. Também li algures que ele não morreu no Como, mas mais tarde, em Nhacra, num bombardeamento da aviação portuguesa. A ter morrido em Nhacra, morreu como ele teria gostado de morrer: vestido de maneira excêntrica, cheio de roncos, de cores garridas, muito ao gosto dos balantas... Enfim, provavelmente mais um lenda... De qualquer modo, a versão da morte do Pansau Na Isna em Nhacra, posteriormente à batalha do Como, não bate certo com o depoimento que ouvi no 9º episódio do programa da RTP...

Na batalha do Como, o grande inimigo dos portugueses foi a falta de água potável, as dificuldades de reabastecimento, as rações de combate, os mosquitos, o terreno… Muitos militares portugueses já não podiam com a intragável carne de vaca à jardineira, que faziam parte da invariável ementa das NT... Valeu-lhes, de alguma maneira, o suplemento de carne de vaca, porco e cabrito que abundava pela ilha, deixada para trás pelas populações em fuga estratégica...

A G3, que fez a sua estreia em combate, também não se portou muito bem: era muito sensível, às poeiras, à areia, etc. ... A densa floresta-galeria com árvores de grande porte, seculares, frondosas, tornou praticamente inofensivos os bombardeamentos da aviação portuguesa, à parte o terror que as nossas bombas inspiravam, sobretudo nas mulheres, crianças e velhos…

Por outro lado, os guerrilheiros cedo aprenderam a defender-se dos bombardementos, escondendo-se atrás de bagas-bagas. Alguém confirmou que foram utilizados aviões da NATO (F86 e PV2 e 2-5), operando a partir de Cabo Verde. Não ficou claro o uso de napalm. A FAP fez cerca de 850 missões, largou mais de mil bombas.

O PAIGC terá perdido 150 homens e 6 armas. O Mário Dias fala apenas em 7 dezenas de mortos confirmados. Os mais de 1200 militares regressaram a Bissau, depois da mais cara e mais longa operação, levada a cabo na Guiné-Bissau. Os oficiais portugueses entrevistados consideram a uma operação um sucesso absoluto.

O PAIGC, por sua vez, transformou em mito a batalha do Como. Luís Cabral considerou a Ilha do Komo, como a primeira região libertada (4). Usando as clássicas tácticas da guerrilha, o PAIGC evitou o confronto directo com as NT, pondo a sua população a recato.

Pelo lado do PAIGC também foi entrevistado o Comandante Gazela, recentemente falecido em Portugal. Também foi dado o testemunho do médico da CCAÇ 557, Rogério Leitão.

2. Comentário de Pezarat Correia a este último episódio, o nono, da 1ª série do programa RTP sobre a guerra colonial:

Creio que chegou ao fim a 1.ª série do programa “A Guerra”, de Joaquim Furtado, na RTP 1. Estamos já em condições de fazer um primeiro balanço e penso que a “expectativa positiva” que registei no meu “Giro do Horizonte 6” de 17 Out, se justificou. O programa, no conjunto dos 9 episódios, merece-me um julgamento favorável.

Encerrou bem com a “Operação Tridente” na ilha do Como, T.O. da Guiné, em que o confronto entre opiniões dos responsáveis portugueses e do PAIGC pusera em destaque um paradigma da guerra colonial. Tinham razão os primeiros quando, na sua perspectiva, diziam que a operação tinha sido um sucesso, pois cumpriram as missões atribuídas, apesar dos insignificantes resultados em baixas ao IN e material capturado. Mas foram ao objectivo e, naquelas operações, os objectivos não eram para se conquistarem, eram para se ir lá. Tinham também razão os segundos quando se congratulavam por, afinal, depois da operação as tropas portuguesas terem retirado e os guerrilheiros reinstalado no terreno, tornando insustentável a vida da reduzida guarnição portuguesa que lá ficou num extremo da ilha, sem poder sair do seu buraco.

Esta controversa foi paradigmática da guerra, disse eu, porque, de facto, esta foi, para nós, militares portugueses, um somatório de sucessos de operação em operação, até ao inevitável insucesso final.

Os sucessos que os responsáveis pelas três maiores operações nos três T.O. reclamaram, “Tridente” na Guiné, “Quissonde” em Angola e “Nó Górdio” em Moçambique, às quais poderemos acrescentar a “Mar Verde” na Guiné com a particularidade de esta ter ocorrido em território da Guiné-Conakri, foram, afinal, rotundos fracassos estratégicos.

Aqui reside o fulcro da questão guerra ganha/guerra perdida, que me parece que este programa ajuda a esclarecer. Este será um dos seus méritos.



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