Estranha afirmação de Jesus que faz parte
da resposta dada aos enviados de João preocupados em saber se Ele era o
Messias. Escandalizar-se com as suas atitudes e palavras, os seus gestos de
cura e ensinamentos de libertação, atingia não apenas os dirigentes religiosos,
mas o próprio João Baptista, o precursor. O escândalo seria fruto de algo
surpreendente que contrastaria com tradições fundadas e expectativas criadas,
com a mentalidade predominante alimentada em rituais de sinagoga e comentários
de rua. De facto, segundo Mateus, o evangelista narrador, a surpresa é tão
grande que provoca um diálogo clarificador e assertivo entre os enviados de
João e o próprio Jesus. Mt 11, 2-11.
“És tu Aquele que há-de vir ou devemos
esperar outro? é pergunta síntese do que se ouvia falar a respeito do comportamento
de Jesus e de que os discípulos de João se fazem porta-vozes, pergunta
suscitada pelas dúvidas e incertezas, pergunta que admite a correcção de
desvios e comporta o desejo de alcançar a verdade. O contraste é interpelante:
A misericórdia compassiva para com os infelizes da vida substitui a justiça
“férrea” de João, o anúncio da boa nova da salvação ocupa o lugar do discurso
“musculado” e ameaçador do precursor, a proximidade e o envolvimento na missão
são como que o contraponto do refúgio no deserto e do isolamento na prisão. À
imagem do Deus justiceiro sobrevém o rosto do Deus misericordioso. Contudo,
Jesus reconhece a grandeza de João e faz um rasgado elogio.
O Papa Francisco, no início do Ano
Jubilar recentemente celebrado, adverte que a descoberta de um Deus
misericordioso traz uma mudança de atitude em relação aos outros. "Hoje, a
revolução é a da ternura, porque daqui vem a justiça e todo o resto" e
prossegue. "A revolução da ternura é aquela que hoje temos que cultivar
como fruto deste ano da misericórdia: a ternura de Deus com cada um de nós.
Cada um de nós deve dizer: «Sou um desgraçado, mas Deus me ama assim; então,
também eu tenho que amar os outros da mesma forma». E conclui: “Descobrir isso
nos levará a ter uma atitude mais tolerante, mais paciente, mas terna”.
A resposta de Jesus envolve os
discípulos de João como testemunhas: Ide contar o que vedes e ouvis; e descarta
qualquer outra atitude. Testemunhas presenciais. Só a verdade abre caminhos à
liberdade, define a identidade, credencia a autenticidade da missão. Mateus, o
autor da narração, recorre a Isaías e vai desfilando grupos de pessoas e
situações que constituem “sinais” privilegiados da missão do Messias. Ainda que
brevemente, actualizamos com Xavier Picasa alguns dos sinais indicados.
Os cegos que vêem, os coxos que andam,
os surdos que ouvem são pessoas libertas da “prisão” que as limita ou impede de
comunicar, de ver, ouvir, movimentar-se livremente, relacionar-se e avançar na
vida. Fazer surgir um “tipo” novo de pessoa, constitui uma das apostas mais
claras da missão de Jesus confiada à sua Igreja, aos seus discípulos, a nós.
Que alegria confiante!
Os atingidos por todas as lepras ficam
limpos e curados, recuperam a saúde integral, integram-se na sociedade nova que
é de todos, estão aptos a conviver e a cooperar, dando e recebendo,
desenvolvendo energias e compensando fragilidades. Que atenção/desafio nos é
feito!
Os pobres são evangelizados com boas
notícias e empenhativos projectos que os ajudam a alcançar uma vida mais digna,
a libertar-se de dependências impostas, a despertar o potencial de vida
“congelado” pelas situações de miséria, a descobrir horizontes de Infinito e de
encontro com Deus. A maior pobreza, diz Madre Teresa de Calcutá, é esta
privação da relação com Deus. Não há que ter medo do Evangelho da liberdade que
é para todos. É urgente abandonar preconceitos e abrir-se a uma sã laicidade em
favor da nossa comum humanidade.
Os mortos são ressuscitados, não apenas
à maneira de Lázaro, mas como o que acontece ao próprio Jesus que, após a
morte, ressuscita na manhã de páscoa e agora vive para sempre. Acontecimento
central que alicerça a esperança cristã, cimenta a alegria e alimenta de seiva
nova as experiências de vida em todos os que escutam a boa notícia do Evangelho
e semeiam a esperança nas “noites” mais duras e sem sentido.
O contraste com a mensagem de João deixa
em aberto a razão do possível escândalo. Jesus centra a resposta em si mesmo. E
torna-a decisiva. Escandalizar-se com as suas atitudes é iniciar o percurso da
infelicidade, da desventura, da acomodação e indiferença. “Feliz de quem não se
escandaliza comigo”. É garantia e promessa de Jesus. Acredita. Experimenta.
Vale a pena.
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