Os Magos, segundo o relato de Mateus (2,
1-12) desempenham uma função primordial na manifestação de Jesus a todos os
povos da terra. Os traços marcantes da sua procura, o anonimato da sua figura e
ocupação, as peripécias da sua viagem seduzem o imaginário popular que lhes dá
nome pessoal e os reveste de episódios rocambolescos encantadores. E surgem
encenações e cantares, poesias e orações, pinturas e outras obras de arte, doces
e manjares, visitas à vizinhança e trocas de prendas. E tantos outros sinais de
alegria esfusiante em “honra dos santos Reis”. Mantém uma presença pública
notável face a correntes ideológicas que pretendem remeter o religioso para o
privado e o subjectivo.
Seduzem e estimulam a reflexão cristã
que, ao longo dos tempos, elabora celebrações e “catequeses” ricas de
ensinamentos e de fortes interpelações. Celebrações de estilo litúrgico formal
e popular. Catequeses familiares e comunitárias. Umas e outras procuram
desvendar os segredos do coração humano que não descança enquanto não encontrar
o que anseia; coração que é capaz do melhor e do pior, peregrino da verdade de
si mesmo e da realidade envolvente, aberto ao absoluto de Deus e fechado nos
limites da sua fragilidade; coração sempre necessitado de uma “estrela” que
ilumine e respeite a liberdade da busca incessante, ainda que intermitente.
A Festa da Epifania do Senhor, hoje
celebrada, manifesta uma compreensão do ser humano que Jesus assume e vive
plenamente. É o que os Magos encontram na Gruta de Belém: o aconchego da
família, a simplicidade “sofrida” do Menino, a contemplação amorosa de Maria,
sua Mãe, o silêncio admirativo de José, a rusticidade do ambiente, o apelo a
ver o Invisível e a relacionar-se afectivamente com Ele. Cena admirável que a
todos encanta, eleva e seduz.
Leonard Boff, teólogo brasileiro, ao
reflectir sobre o Natal afirma que: «Todos querem crescer no mundo, cada
criança quer ser homem. Cada homem quer ser rei. Cada rei quer ser
"deus". Só Deus quer ser criança».
O itinerário destes peregrinos vindos do
Oriente é referência modelar para quem escuta a voz da consciência marcada
pelos efeitos da finitude e estimulada pelo desejo de superação cada vez
elevada. Da rotina diária, passam à curiosidade da observação do que acontece,
descobrem e identificam uma luz diferente portadora de uma mensagem que
interiormente os solícita, avançam na direcção indicada, pedem informações a
fontes autorizadas, prosseguem o caminho, sem desânimo, e chegam finalmente ao
local assinalado. Encontram Aquele que buscavam. E dão largas ao pulsar do seu
coração peregrino. Prostrados, adoram agradecidos e oferecem presentes
simbólicos do Menino e da própria humanidade: O ouro da missão, o incenso da
condição divina, a mirra da fragilidade humana.
Ermes Ronchi, carmelita descalço
italiano, descreve o Natal/Epifania dizendo: “Deus entra no mundo desde o mais
baixo, a par com todos os excluídos. Como escreve o padre David Turoldo, Deus
fez-se homem para aprender a chorar. Para navegar connosco neste rio de
lágrimas, até que a sua e a nossa vida sejam um só rio. Jesus é o choro de
Deus, feito carne. Por isso rezo: Meus Deus, meu Deus menino, pobre como o
amor, pequeno como um pequeno homem, humilde como a palha onde nasceste, meu
pequeno Deus que aprendes a viver esta nossa mesma vida. Meu Deus incapaz de
agredir e de fazer mal, ensina-me que não há outro sentido para nós, não há
outro destino senão tornar-me como Tu”.
A gruta de Belém contrasta radicalmente
com o palácio de Herodes. Aqui, o poder e a ambição, o medo e a insídia, o
fascínio da riqueza e a auto-satifação das honras, a vontade secreta de se
desfazer de qualquer hipotético concorrente. Instalado, manobra; excitado,
conspira; e maquiavélico, decide a matança dos inocentes. Ontem como hoje.
Talvez mais assanhados e meticulosos, actualmente!
A gruta acolhe os peregrinos em
trânsito, livres de todas as amarras, humildes e pobres, amantes da verdade e
do bem, firmes na esperança e alegres no amor. Aqui, a vida floresce em
abundância e a comunhão de sentimentos cresce em intensidade e doação. Aqui, a
confiança é fortalecida e a ousadia prudente faz-se criativa. E os Magos
“regressaram à sua terra por outro caminho”.
A escolha de outro caminho é fruto do
encontro com Jesus, o Senhor feito Menino para nossa bem. Só quem realiza esta
experiência pode tomar opções tão radicais: deixar o conhecido e aventurar-se
no desconhecido, aberto às surpresas, correndo riscos e assumindo desafios. E
os Magos manifestam a riqueza do encontro da Gruta e fazem-se arautos da nova
missão: ser testemunhas de Jesus, a estrela da nossa vida, luz do mundo.
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