“Anuncio a vocês gambianos, a minha
rejeição total aos resultados eleitorais e, portanto, anulando as eleições na
sua totalidade. Vamos voltar às urnas porque eu quero ter certeza de que cada
gambiano votou sob uma comissão eleitoral independente, neutra e livre de
influência estrangeira”. Foram com estas declarações que Yahya Jammeh,
Presidente de Gâmbia há 22 anos, contestou e rejeitou os resultados eleitorais
que elegeram o seu oponente político, Adama Barrow, com uma diferença de 9% dos
votos. As alegações de supostas fraudes eleitorais foram tornadas públicas
depois que o mesmo havia declarado que aceitaria os resultados antes
divulgados.
Em um momento em que se discute sobre as
supostas fraudes desferidas pela Rússia, que influenciaram (ainda que
indiretamente) na eleição do republicado Donald Trump, Jammeh defende que teria
havido uma ingerência externa que decidiu as eleições gambianas. Se as
alegações de fraude proferidas por Yahya são contestáveis e, em alguma medida,
ridicularizadas, sob o argumento de que o medo da justiça em relação à
improbidade administrativa e principalmente aos desmandos consubstanciados em
perseguições políticas, prisões, torturas e assassinatos dos quais ele é
acusado, inclusive por agora eleito Adama Barrow, é incontestável o projeto
político radical e antiocidental que o líder gambiano tem edificado.
O mais recente comportamento político de
Jammeh contra as instituições ocidentais, que inclusive provocou muitas
críticas e consideráveis desconfortos, foi a declaração da saída de Gâmbia do
TPI (Tribunal Penal Internacional), sob a justificativa de que este foi criado
apenas para julgar e condenar líderes africanos e não europeus e ocidentais.
Antes, porém, Jammeh, por muitos, e principalmente por seus opositores,
considerado um ditador, retirou o seu país, em 2013, da Commonwealth, dizendo
abertamente de que a Gâmbia não faria mais parte de uma organização
neocolonial, patrocinada pelo Reino Unido, o seu colonizador. Em 2015, Jammeh
declarou o seu país como uma nova república islâmica. Lembrando que desde que
chegou ao poder através de um golpe de Estado, em 1994, na altura ainda um
jovem oficial militar de 29 anos, restringiu-se o nível da sua relação com os
EUA.
Não obstante ser Presidente de um pobre
e pequeno país de aproximadamente 2 milhões de habitantes, no mundo ocidental
Yahya Jammeh é visto como um inimigo da modernidade e sistemático transgressor
dos direitos humanos universais, portanto, uma ameaça ao processo de expansão
dos valores democráticos e ocidentais. Embora tenha perdido gradualmente a
popularidade construída ao longo das duas décadas enquanto Presidente, devido
sobretudo ao nível de pobreza no seu país, este líder consegue ainda nutrir e
inflamar o seu carisma através de um discurso populista e radical, lançando mão
do conservadorismo islâmico e antiocidental.
No plano regional, particularmente
sub-regional da África Oeste, contexto em que Yahya Jammeh está cada vez mais
politicamente isolado, em função de ascensão de líderes mais simpáticos com o
ocidentalismo e a modernidade, além de sua tensionada relação com o vizinho
Senegal, o Presidente praticamente não consegue alianças políticas sólidas no
entorno político Oeste africano. Aliás, o candidato eleito, empresário Adama
Barrow, vem reafirmando de que retomará plenamente as relações com o Ocidente,
principalmente com o Reino Unido, onde ele fez carreira acadêmica e desperta
simpatias. É importante não olvidar que uma boa parte do exército da Gâmbia é
composta por djolas pertencentes ao Movimento das Forças Democráticas de
Casamança (MFDC), rebeldes separatistas que combatem contra o exército
senegalês no Sul do Senegal.
O Senegal, que vai inclusive liderar o
provável desembarque das forças militares da Comunidade Econômica dos Estados
da África Ocidental (CEDEAO) no território gambiano, vê com a saída de Jammeh
uma oportunidade para aumentar a sua influência naquele país e enfraquecer
ainda mais os rebeldes do MFDC.
Por seu turno, a Nigéria, líder regional
e da CEDEAO, vê nessa eventual empreitada militar um meio de alargar seu
prestígio internacional, poder e influência regional. Mas também, uma forma de
reafirmar a capacidade política e militar da CEDEAO em solucionar problemas que
afetam membros da organização, sem a necessidade de ingerência objetiva de
outros organismos intergovernamentais que não fazem parte da região.
Diante desse cenário não menos matizado
de ambiguidades e complexidades políticas, pode-se perguntar se a eventual
intervenção militar da CEDEAO em Gâmbia, significaria um novo protagonismo
desta organização intergovernamental na resolução dos problemas regionais
relacionados à violação dos preceitos democráticos e dos direitos humanos, sem
a ingerência direta das potências do Norte. Penso que não. Em casos de
manifestação de interesses objetivos dos principais players internacionais e
dificuldade em construção de alianças e consensos regionais
pro-intervencionistas, estes últimos tendem a assumir o protagonismo, a exemplo
do que se viu em Costa do Marfim e Mali nos últimos anos.
Portanto, penso que a possível
intervenção do braço armado da CEDEAO em Gâmbia para depor Yahya Jammeh, mesmo
obtendo o êxito, não deve ser interpretada como a afirmação de novos atores e
novo paradigma procedimental, protagonizado por lideranças políticas regionais
da CEDEAO, na abordagem de crises políticas da região.
No que se refere estritamente a esta
iniciativa intervencionista da CEDEAO, vale a pena sublinhar que a mesma é
muito mais facilitada pelo isolamento político do Presidente Jammeh, que não
conta com aliados declarados, do que da própria capacidade de coordenação
política da CEDEAO. Caso contrário, dificilmente estaria a se falar neste
momento em invasão militar em Gâmbia.
Fala-se na possibilidade de concessão de
asilo a Jammeh em Marrocos ou Nigéria em troca do reconhecimento do revés
eleitoral. Abdicará o Yahya Jammeh?
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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