O que entra pelos sentidos não altera a bondade do coração, mas o que sai. […] Só a coerência em harmonia garante a integridade honesta e transparente de quem se sente livre e quer servir por amor. “A felicidade só se alcança quando o que cada um pensa, o que cada um diz e o que cada um faz estão em harmonia”.De facto, é normal que as pessoas se mostrem nas suas diferenças quando são fruto da unidade de convicções alicerçadas nos valores humanos, culturais… Só a diferença torna a humanidade mais rica e gera vida, quando se relaciona de modo equilibrado com a unidade.De facto, as normas de conduta fazem parte da convivência em sociedade […]
Jesus está rodeado de pessoas com claras
e diversas intenções: a multidão que, encantada com os seus ensinamentos e
confiante, o segue por onde quer que vá; os discípulos que entusiasmados pelo
sucesso da sua missão, o acompanham e escutam com desvelo e atenção; o grupo de
fariseus e escribas que, fiéis funcionários do Templo, são enviados de
Jerusalém a informar-se do que estava a acontecer.
Intenções diversas que oferecem uma
grande oportunidade para Jesus afirmar o papel do coração na ética dos
comportamentos, a relação profunda entre a verdade e a liberdade, entre a
atitude e as convicções profundas que gerem a vida interior do ser humano. Só a
coerência em harmonia garante a integridade honesta e transparente de quem se
sente livre e quer servir por amor. “A felicidade só se alcança quando o que
cada um pensa, o que cada um diz e o que cada um faz estão em harmonia”,
garante Gandhi, o maior dos grandes pacificadores e libertadores da Índia do
poderio da Inglaterra.
Marcos, o evangelista que a Liturgia faz
proclamar nas assembleias dominicais deste ano, organiza a conversa em três
momentos de acordo com aquelas categorias de pessoas. O tom é de grande
franqueza e valentia. Por amor à verdade, Jesus quer provocar os enviados da
cidade e, sem discordar das observações que fazem, abrir horizontes novos às
práticas rituais e comportamentos de aparência. (Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23).
De facto, é normal que as pessoas se
mostrem nas suas diferenças quando são fruto da unidade de convicções
alicerçadas nos valores humanos, culturais e religosos. Só a diferença torna a
humanidade mais rica e gera vida, quando se relaciona de modo equilibrado com a
unidade. Haja em vista a bela narrativa da criação que culmina com o par
humano, imagem e semelhança de Deus. E surge a interrogação crucial: É assim
que vemos, assumimos e valorizamos as diferenças?
De facto, as normas de conduta fazem
parte da convivência em sociedade. Sem elas, vem o caos. Ter normas razoáveis e
adequadas facilita a relação das pessoas, das famílias, das associações, dos
cidadãos empreendedores, da Igreja, do Estado e das suas organizações. As
normas legais constituem como que o rosto onde se espelha a seiva do coração, a
paixão pelo bem comum, de todos e de cada um. E também aqui surge a
interrogação: As leis estão ao serviço de quem e de quê?: da vida, da promoção
integral das pessoas e do bem da sociedade e da Igreja? Que pedagogia,
descobrimos no recurso às leis?
De facto, a questão que Jesus assume e
critica com veemência tem a ver com o desajuste entre as aparências e as
crenças, as práticas e as convicções, os ritos e as devoções, a religião da
vida e a tradição veneranda das leis, do é assim porque está prescrito. Por
isso, invectiva os inquiridores, adverte a multidão e dá instruções aos
discípulos. Chama hipócritas aos fariseus e escribas e denuncia a duplicidade
do seu agir: honrar a Deus com os lábios e manter longe o coração, entregue às
conveniências, indiferente às necessidades de quem precisa de pão e saúde. Esta
atitude é tanto mais grave quanto se envolve no manto religioso, de quem tem a
missão de interpretar oficialmente a palavra de Deus. Jesus retrata, em esboço,
as incoerências de quem possa vir a ser seu discípulo. De nós, também. Por
isso, podemos interrogar-nos sobre o impacto que tem a fé cristã e a prática
religiosa na escala de valores da nossa vida e nas prioridades consequentes?
À multidão Jesus faz uma breve catequese
sobre o que é puro e impuro aos olhos de Deus e se reflecte no agir do coração
humano. “Escutai-me e tratai de compreender”, começa por lhe dizer e adianta,
em imagem de visualização: O que entra pelos sentidos não altera a bondade do
coração, mas o que sai. A entrada é fruto do meio envolvente: conversas,
imagens, canções, ritmos variados. A saída mostra o que a pessoa faz aos
estímulos recebidos, aos impulsos que lhe chegam. “Do interior do homem é que
saem as más intenções” E Marcos exemplifica com uma lista muito expressiva do
que pode acontecer. Dá nome ao desvio da relação de cada pessoa consigo mesmo e
nomeia alguns exemplos como o orgulho, a insensatez, o egoismo; em relação com
os outros e menciona imoralidades, adultérios, fraudes e roubos e mais
atentados à vida e à dignidade; em relação com as coisas e os bens e aduz a
cobiça e a inveja. E conclui: “Todos estes vícios saem do interior do homem e
são eles que o tornam impuro”. Outros desvios existem e tem grande cotação no
mercado onde campeia o mundo dos interesses individualistas. Aos discípulos,
Jesus aprofunda noutras ocasiões o valor da integridade e da coerência, da
felicidade de ter um coração puro porque verá a Deus.
“Através da sua moralidade casuística,
afirma o comentário da Bíblia Pastoral em S. Mateus (15, 1-11), os doutores da
Lei e os fariseus são condutores cegos do povo. Com as suas interpretações
desobedecem aos próprios mandamentos de Deus sob a pretensão de os observar.
Também Pedro e os discípulos não serão verdadeiros guias enquanto não
entenderam que só é impuro aquilo que estraga o relacionamento fraterno entre
os homens”.
Marcos faz-nos assim um retrato humano
da realidade. Particularmente significativo para o mundo interior de cada um;
exemplarmente expressivo para a sociedade de imagem e do comentário ligeiro,
que é a nossa; criticamente desenhado para a Igreja e muitos dos membros,
designadamente alguns dos seus responsáveis.
O Apostolado da Oração, em França, faz
circular semanalmente a folha “Vers Dimanche” com diversas sugestões para se
rezar a vida em coerência com o Evangelho. A partir da folha de hoje podemos
revisitar “a nossa meteorologia interior” e registar as variações ocorrentes de
paz, fadiga, perturbação, amizade, confiança, inquietude. Também podemos pedir
ao Senhor a renovação dos sentimentos do coração, o repouso da fadiga, o
aumento da paz e calma interiores, sobretudo quando a turbulência é maior, o
alívio na dor, a coerência nas atitudes. Pedir ao Senhor a coragem de articular
bem os lábios e o coração, o parecer e o ser, o sentir e o agir. Ámen!
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