24 de setembro se revela uma contradição proporcionada pelo próprio PAIGC, ao traduzir inversamente os objetivos da independência que nortearam a luta em gestação de dependências e insuficiências sociais e econômicas internas que atravessam praticamente todo o tecido social guineense, excetuando uma pequeníssima parcela da população que constitui, desde a emergência da República da Guiné-Bissau, o restrito e privilegiado grupo dirigente e beneficiário do êxodo imposto aos invasores que tinham chegaram neste solo há muitos anos.
Por: Dr.
Timóteo Saba M’bunde, doutorando em Ciência Política no Instituto de
Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Em 1973, a Guiné-Bissau proclamava a sua
independência e no ano seguinte a comunidade global dos Estados o fazia
igualmente, reconhecendo a existência soberana deste país africano conforme os
marcos legais e costumeiros do direito internacional. Lograda no contexto de
uma ferrenha e triunfante luta armada contra o colonialismo português,
circunstanciada pela Revolução dos Cravos em Portugal e apoiada pelo espírito
de autodeterminação dos povos que ganhou força nos pós-Segunda Guerra Mundial,
a roupagem da independência da Guiné-Bissau a inseria nos padrões do conjunto
de Estados soberanos que se constituiu como tal a partir dos anos 1960, sendo a
maioria esmagadora pertencente à África.
A exemplo de praticamente todos os países
da região, a imediata inserção internacional do país no pós-independência foi
marcada, no plano externo, por uma relação de profunda dependência econômica e
consequentemente política. É claro que os países que perfilam o sistema
internacional estão permanentemente mantidos em uma relação de
interdependência. Aqui me refiro à excessiva dependência estrutural da
Guiné-Bissau, consolidada pelo sistema da economia política imposto pelas
agências financeiras de Bretton Woods, consubstanciado no Programa de
Reajustamento Estrutural.
Todavia, a dependência do nosso país não
jorra apenas das fontes da parte exterior dos seus limites fronteiriços. O
recurso fulcral da sua exacerbada dependência ou daquilo que alguns estudiosos
chamariam “falência de Estado” – termo problemático e limitado – procede da
esfera interna. Esta é a unidade analítica que preside a presente análise.
A Guiné-Bissau não logrou a segunda etapa
da independência e isto, no meu ponto de vista, em alguma medida compromete a
independência (nos seus objetivos traçados) proclamada há 45 anos nas matas da
nossa terra. Deste modo, este país não só enfrenta no domínio internacional a
dependência internacional, baseada na relação de dependência e exploração
conforme a lógica da economia política capitalista, veiculada e intensificada
pelas vigentes ondas da globalização.
No plano doméstico, a população guineense
permanece mantida em um estado estrutural de dependência socioeconômica
plantada e regada durante os longos anos do regime do PAIGC. A injustiça social
e o pauperismo que permearam e acompanharam o processo de afirmação do Estado
pós-colonial guineense, marginalizando a maioria da população guineense do
processo distributivo das benesses materiais de 24 de setembro, em prol de uma
ínfima minoria, representam principais legados do PAIGC.
A principal contradição da independência
conquistada pelo PAIGC se manifesta do fato de a partir de 1973 (se quiser, a
partir de 1974) a oligarquia política deste partido ter inaugurado o processo
de produção e reprodução das dependências econômica, social e política dos
cidadãos da Guiné-Bissau. A instrumentalização do aparelho de Estado para fins
de enriquecimento grupal e pessoal, consubstanciada em uma relação de corrupção
endêmica e privação (pela violência e por seleções de conveniência) de acesso
às esferas de decisão e aos recursos públicos e coletivos matizou todo esse
processo.
A tentativa de dividir com outras
formações políticas e outros atores sociais e políticos da Guiné-Bissau a
responsabilidade pelo fracasso no desenvolvimento e na tradução real das razões
da luta é, a rigor da palavra, uma flagrante desonestidade intelectual e
política. Em certos momentos e situações, estes últimos podem ter cometido (e
acredito que o tenham feito) equívocos e erros na compreensão e implementação
de determinadas medidas políticas, mas de forma nenhuma proporcionais aos
fracassos acumulados historicamente pelo partido sediado nas intermediações da
Praça do Império.
Passados 45 anos da desocupação colonial
da nossa terra, marcados pela instalação efetiva da penúria social e econômica,
contrariando flagrantemente os motivos para o 23 de janeiro 1963, a comemoração
de 24 de setembro deveria ser inserida nos marcos de reflexão e autocrítica
sobre os fracassos nos objetivos do desenvolvimento. Deve-se comemorar e
enaltecer o glorioso heroísmo dos nossos combatentes pelas façanhas da
guerrilha logradas mediante à inequívoca assimetria armamentista que os
distinguiam em relação aos homens armados de Salazar; entretanto, esse não deve
constituir o principal aspecto da celebração desta data ou, ao menos, que isto
seja relegado aos cidadãos e não àqueles que tinham como a responsabilidade
completar com sucesso os desígnios da realização e consecução de 24 de
setembro.
24 de setembro se revela uma contradição
proporcionada pelo próprio PAIGC, ao traduzir inversamente os objetivos da
independência que nortearam a luta em gestação de dependências e insuficiências
sociais e econômicas internas que atravessam praticamente todo o tecido social
guineense, excetuando uma pequeníssima parcela da população que constitui,
desde a emergência da República da Guiné-Bissau, o restrito e privilegiado
grupo dirigente e beneficiário do êxodo imposto aos invasores que tinham
chegaram neste solo há muitos anos.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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