[…] O PAIGC, enquanto a fonte de todas as instabilidades e todos os conflitos que têm castigado este povo, deveria ser o primeiro a descartar a data de 18 de novembro e defender uma nova data, tendo em conta todas as anomalias verificadas até aqui
Por: Dr. Timóteo Saba M’bunde, doutorando em Ciência Política no
Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Em contextos com poucas décadas de
experiência democrática, cuja maioria é pertencente ao continente africano, não
é muito incomum a eclosão de conflitos políticos e militares de proporções
significativas nos períodos pós-eleitorais. A ausência de transparência e
justiça eleitorais conduziu, especialmente nas décadas de 1990 e 2000,
diferentes países a guerras civis e/ou paralisias político-institucionais,
sendo que, em grande medida, as denúncias de fraudes e falcatruas estão
associadas ao processo de votação ou escrutínio. Se a votação, o escrutínio e a
divulgação dos resultados são passíveis de fraudes e suscitação de conflitos,
mesmo quando o processo de recenseamento é objeto de transparência e demarcado
de divergências, imagina quando este último é amplamente contestado.
A Guiné-Bissau precisa, como nunca
antes, preparar e realizar eleições transparentes, justas e pacíficas, como
forma de produzir um governo legítimo e que tenha confiança do povo e da
comunidade internacional. Para o efeito, a remarcação da data de 18 de novembro
é indispensável. Isso cumpriria três objetivos que penso serem fundamentais
neste momento: 1) a legitimação do processo eleitoral por todos os atores
participantes, 2) a inclusão de todos os potenciais votantes no processo, a
partir de ampliação do prazo-limite de recenseamento e 3) a criação de
confiança do futuro governo em relação aos cidadãos nacionais e aos seus
parceiros domésticos e internacionais.
O atraso de 1 mês (em relação à data
prevista de 23 de agosto) para dar início ao processo de inscrição dos
eleitores, e o recenseamento parcial destes por insuficiência dos kits
eleitorais (apenas 150, quando se esperava um total de 350 kits), somando as
irregularidades constatadas no processo, são mais do que elementos suficientes
para a remarcação da data de eleições a ser precedida por adoção de um novo
calendário de recenseamento. Por isso, advogo que todos os atores
político-partidários e sociais tenham o bom senso para alterar a data de
votação, tendo em conta as irregularidades verificadas no processo em curso e
pela falta do tempo hábil para um normal e cabal inscrição de todos os
potenciais eleitores guineenses.
A argumentação de que a data de 18 de
novembro foi proposta e acordada com os parceiros internacionais, especialmente
com a CEDEAO e que, por isso, deve ser categoricamente observada, perde
consistência e normatividade face aos atrasos e anomalias que têm caracterizado
até aqui o processo. Aliás, a postergação desta data a um período
correspondente a pelo menos 30 dias, como forma de recuperar o tempo perdido,
deveria constituir um mecanismo político e normativo consensual a aplicar de
forma imediata.
Não é razoável que o recenseamento
termine dia 20 deste mês, deixando fora do processo uma quantidade
significativa de cidadãos com capacidade eleitoral, por culpa que não é deles.
Como ter deputados e governo legítimos nessas condições? O governo tem o dever
de criar condições para que todos, digo todos, os cidadãos se habilitem para
exercer o direito de voto, ao menos que alguns cidadãos resolvam
voluntariamente não o fazer.
É uma flagrante irresponsabilidade
política pretender levar às urnas só uma parte da população para escolher os
futuros governantes da nossa terra. Todas as eleições são importantes,
entretanto estas viram crescida sua importância devido às profundas crises de
governabilidade – oriundas do PAIGC – que ainda assolam o país. Se há eleições
que devem merecer credibilidade, legitimidade e transparência são estas cujo
processo está em andamento, sob pena de o país conhecer um profundo conflito
pós-eleitoral.
A data de 18 de novembro, reitero, é
inviável. Se se quer, e deve-se querer, um clima pós-eleitoral relativamente
contornável do ponto de vista da possibilidade de criação de condições com
vistas a um cenário de governabilidade e normal relacionamento interinstitucional,
deve-se fazer arranjos no calendário eleitoral, incluindo todos ao processo.
Como se legitimará e reconhecerá o
resultado duma eleição em que uma parte de potenciais eleitores não votaram por
falta de kits ou de tempo hábil para se recensearem? Como legitimar um parlamento e um governo
escolhidos só por uma parcela de cidadãos? Como falar em criação de condições
de estabilidade e governabilidade pós-eleitoral no país quando há
irregularidades e atrasos – inclusive reconhecidos por todos os atores
políticos e partidários? O PAIGC, enquanto a fonte de todas as instabilidades e
todos os conflitos que têm castigado este povo, deveria ser o primeiro a
descartar a data de 18 de novembro e defender uma nova data, tendo em conta
todas as anomalias verificadas até aqui.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
Sem comentários:
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.