A caminhada para Jerusalém está prestes a
chegar à cidade. Tem sido uma “caixa de surpresas” que Jesus provoca ou
aproveita para mostrar aos acompanhantes, sobretudo aos discípulos, a novidade
do Reino de Deus, de que é portador e iniciador. No domingo, vimos o homem
desejoso de viver de tal modo na terra que possa garantir a plenitude da vida
eterna. E o apelo que Jesus lhe faz a cortar todas as amarras que o retinham no
mero cumprimento de mandamentos e a apreciar o tesouro da liberdade. Quer
dizer, Jesus quer curar-lhe o desejo, essa energia que nos impulsiona nos
sonhos e nas realizações.
Hoje, Marcos (Mc 10, 35-45), em episódio
familiar mostra-nos outra face deste desejo de ser alguém, de ocupar um posto
notável na futura organização do reino anunciado, de ser conselheiro
privilegiado ou mandatado especial, de ver recompensado o abandono de tantos
bens apreciados. “Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e
disseram-lhe: «Mestre, queremos que nos faças o que Te vamos pedir». E Jesus escuta
a sua ousadia confiante: Faz-nos sentar à Tua direita e à Tua esquerda. A
intensidade do desejo é manifesta. E a medida para ser satisfeito, igualmente.
A mãe vem apoiar a pretensão. Os outros indignam-se, pois, também se julgam com
direitos. Pedro já se havia feito porta-voz desta situação e da fatura que
estava em aberto. (Mc 10, 28).
É o humano a desvendar-se no seu melhor.
Sem desejo, a vida definha em todas as suas dimensões. Não há desenvolvimento
pessoal nem relações de bem-fazer. O futuro foge. Esvazia-se a solidariedade, a
acomodação instala-se, as capacidades adormecem, o vazio espreita e a morte
vai-se aproximando lentamente como o cair do dia em tardes de outono
ensolarado.
O padre Tolentino de Mendonça, agora
Arcebispo, chama a atenção para a importância do desejo em várias intervenções
nos exercícios espirituais com o Papa Francisco e colaboradores da Cúria
Romana, em fevereiro passado, (2018). Diz ele: “Há nas nossas culturas e, ao
mesmo tempo, nas nossas Igrejas, um défice de desejo. Quando se percebe, no
momento atual, o emergir, e em escala cada vez maior, de sujeitos sem desejo,
isso deve levar-nos a uma autocrítica eclesial”. E adianta reflexões
pertinentes sobre a terapia do desejo.
“Não é a sede que nos faz morrer para a
vida: a sede ensina-nos a arte de buscar, de aprender, de colaborar, a paixão
de servir” …Começamos a morrer, “quando desistimos de desejar, de achar sabor
nos encontros, nas conversas partilhadas, nas trocas, na saída de nós mesmos,
nos projectos, no trabalho, na própria oração”. Elogio da sede, pag. 62.
Mas há “muitos desejos insensatos e
perversos que fazem mergulhar os homens na ruína e na perdição”, adverte S.
Paulo o seu discípulo Timóteo, encarregado da comunidade cristã, em Éfeso. E
acrescenta que “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. (ITim 6, 9-10).
Somos convidados a dar nome a males, fruto do amor desordenado e libidinoso,
dos impulsos descontrolados, das manias de grandeza à custa dos outros, da
ostentação e da fraude, da soberba e da arrogância que o bispo de Hiroxima, em
Fátima, considera o maior inimigo do mundo de hoje. Somos convidados a dizer um
não rotundo aos desejos mundanos. “Não seja assim entre vós”, ordena Jesus
depois de lembrar o proceder das nações e dos grandes do mundo.
Jesus prolonga o desejo expresso por Tiago
e João, fazendo-lhe a pergunta que visa reencaminha o seu pedido: “Podeis beber
o cálice que Eu vou beber e receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?” E
eles respondem sem hesitar:” podemos!” Antes, o Mestre havia feito esta
advertência: “Não sabeis o que pedis”. De facto, o horizonte próximo
polariza-se na paixão dolorosa, na via assumida para a feliz ressurreição, para
a chegada definitiva do Reino anunciado. É o que vai acontecer. “Desejei
ardentemente comer esta ceia pascal convosco, antes de sofrer” (Lc 22, 15). A
eucaristia é o sacramento deste desejo do Senhor Jesus que a Igreja celebra na
sua caminhada de salvação. E a que quer corresponder em alegre e generosa
cooperação missionária.
"Jesus não Se contenta com uma
«percentagem de amor»: não podemos amá-Lo a vinte, cinquenta ou sessenta por
cento. Ou tudo ou nada", disse o Papa na sua homilia do domingo último, 14
de outubro de 2018, recordando que Paulo VI continua hoje a exortar-nos,
"juntamente com o Concílio de que foi sábio timoneiro, a que vivamos a
nossa vocação comum: a vocação universal à santidade; não às meias medidas, mas
à santidade".
Com Paulo VI e Óscar Romero, outras
pessoas foram proclamadas santas. Pelo testemunho exemplar de suas vidas entregues
por amor. Em serviço alegre e generoso. Como bispos e padres. Como religiosas e
leigos. Uns mais idosos. Outros mais jovens. Todos viveram o desejo ardente de
ser testemunhas da fé nos diversos espaços da missão. Também nós somos
exortados, sobretudo hoje, domingo mundial das Missões, a levar o Evangelho a
todos, juntamente com os jovens. Como aponta a mensagem para a celebração deste
Dia.
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