Santo Agostinho, adianta por sua vez: “Que pode a alma desejar mais ardentemente que a verdade? De que outra coisa pode o homem sentir-se mais faminto? Para que deseja ele o paladar interior, senão para discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a eternidade?"
Jesus vive um dia normal da sua missão.
Acompanhado da multidão, atravessa Jericó, a cidade onde Zaqueu se empoleirou
para o ver e onde já havia curado um cego. Cidade cheia de vida, próspera na
agricultura e no comércio, onde sobressaem palmeiras e árvores aromáticas.
Estava situada junto ao rio Jordão, a uns escassos 27 quilómetros de Jerusalém.
Jesus, calado, dá sinais de fazer um exercício de memória da viagem percorrida
e de antevisão do que lhe pode acontecer na cidade capital. Avança com que
embalado pelo ritmo da multidão. À saída, depara-se com a surpresa do dia que
fica para a história. Alguém, de modo pouco cortês, grita de longe: “Jesus,
Filho de David, tem piedade de mim”. E Jesus, de agora em diante, assume o
comanda da acção, narrada por Marcos sem floreados (Mc 10, 46-52). Em cena
ficam apenas duas pessoas: Jesus e Bartimeu. E o que se segue vai ser a nossa
reflexão dominical.
O narrador fornece dados precisos do
ocorrido: Jesus está na periferia da cidade, símbolo de tantos lugares onde
vivem os menos endinheirados, os mais empobrecidos. (Não são os provocantes
bairros de luxo, com cerco e segurança privada). Aqui, está sentado Bartimeu,
cego e mendigo. Outro símbolo de grande alcance, onde se podem rever milhões e
milhões de seres humanos, nossos contemporâneos. Símbolo dos portadores de
cegueira a todos os níveis, também religiosa. De quem quer começar a ver com os
olhos de Jesus Cristo. A nós, portanto.
Bartimeu é um resistente atento e
interventivo. Pressentindo algo de anormal pelo barulho da multidão, escuta com
mais atenção e ouve falar de Jesus de Nazaré. Intui tratar-se de alguém que lhe
pode valer e iluminado pelo instinto religioso dá-lhe nome: “Filho de David,
tem piedade de mim”. Mandado calar, persiste, tal a força do seu desejo. A
confiança inunda-lhe o coração que está pronto a tudo de bom. A ousadia vai ser
premiada e o seu pedido, satisfeito.
Jesus assume uma atitude estranha: Pára a
marcha, detém-se, manda que lhe tragam a pessoa que gritou e inicia o diálogo
sanador. Alguém da multidão – há sempre pessoas anónimas amigas de bem-fazer! –
vem dizer-lhe: “Coragem! Levanta-te que Ele está a chamar-te”. E os gestos do
cego mendigo expressam bem o rebuliço dos seus sentimentos: Atira fora a capa
de agasalho e de recolha das esmolas, dá um salto de prontidão, e aproxima-se
de Jesus, guiado pela luz do espírito. Apesar de não ver, soltou as amarras da
sua liberdade. E deixa que Jesus lhe faça a terapia do seu desejo. Grande exemplo
para nós que queremos ser discípulos fiéis ao nosso batismo e a tantos outros
benefícios recebidos.
“O texto evangélico apresenta-nos um
caminho exemplar de fé”, afirma Manicardi, Comentário, p. 147… que nasce da
escuta, torna-se invocação e oração, discernimento e aceitação, encontro
pessoal com o Senhor, seguimento de Jesus Cristo. “Este caminho implica um
dinamismo espiritual pelo qual o homem passa da estagnação à mobilidade, da
marginalização à comunhão, da cegueira à fé. Portanto, a salvação que consiste
na relação com Jesus, é experienciada pelo crente não tanto como estado que
atinge e em que se instala, mas como caminho em que persevera”.
Jesus, como bom pedagogo, sabe que
formular um desejo ajuda muito quem necessita. Dar nome às coisas envolve a
pessoa toda. E marca a diferença com as generalidades distantes. “Que queres
que Eu te faça?”, adianta em jeito de abertura e proximidade. E o cego mendigo
configura o seu desejo dizendo: “Mestre, que eu veja”. O dom da vista é para
ele a questão decisiva. Já havia dado um passo, pois trata Jesus de modo
diferente: de descendente de David, figura histórica, passa a mestre em quem
confio, com quem quero manter uma relação pessoal. E os horizontes vão-se
abrindo a um novo olhar. Com Jesus é possível ver a vida com olhos novos: a
pessoa com a sua inviolável dignidade, a sociedade com espaços para todos, as
comunidades eclesiais com a prática da relação fraterna entre os seus membros e
com espírito solidário para com todos e para com tudo, o percurso existencial
como oportunidade única de realização pessoal vivida em constante cidadania de
justiça e amor.
“A Igreja Católica, portanto, não tem
partido, mas tem projeto que é o projeto de Jesus de Nazaré: a Boa Notícia do
Reino de Deus, ou, em outras palavras, a Sociedade do Bem Viver e do Bem
Conviver, que é um Mundo Novo”, escreve em artigo recente Marcos Sassatelli,
frade dominicano, a propósito das eleições ...
Santo Agostinho, adianta por sua vez: “Que
pode a alma desejar mais ardentemente que a verdade? De que outra coisa pode o
homem sentir-se mais faminto? Para que deseja ele o paladar interior, senão
para discernir a verdade, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade,
a eternidade?" (Sobre o Evangelho de S João, 5ª feira da semana 28 do
tempo comum, ano b).
“Vai: a tua fé te salvou”, diz-lhe Jesus.
No mesmo instante, o cego mendigo recupera a vista e vai com Jesus, o caminho e
a verdade da sua vida. Que maravilha! O desejo inicial dá origem à fé sanadora,
à vocação de discípulo fiel, ao seguimento incondicional. O desejo de ver é
premiado, a solidão transforma-se em comunhão, a margem faz-se caminho e a paciência
resistente é compensada, A fé amadurece e vem robustecer a têmpera do cego
mendigo. A celebração do batismo realiza em nós algo muito semelhante. Avivemos
a nossa consciência cristã. E façamos, também nós, a oração enviada pela
Pastoral das Cadeias de Espanha para este domingo: Senhor, dá-nos a luz dos
teus olhos transparentes, que limpam os nossos de impureza e de mentira; dá-nos
a serenidade do teu olhar que acalma e pacifica; dá-nos a força dos teus olhos
que sustentam, trespassam e renovam; dá-nos a fundura do teu olhar que nos
aproxima o mistério de Deus; dá-nos a paciência dos teus olhos que compreendem
e perdoam; dá-nos a dor dos teus olhos que compartem o nosso sofrimento; dá-nos
o amor dos teus olhos que só sabem amar; dá-nos os teus olhos, Senhor, para que
possamos prolongar o teu olhar. Ámen!
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