O analista político guineense, Timóteo
Saba M’Bunde, advertiu na terça-feira, 12 de fevereiro, que é necessário criar
confiança no seio dos atores políticos e guineenses em geral antes da
realização das eleições legislativas marcadas para 10 de março, “se não o
período pós-eleitoral será um deserto para o país e para os filhos da
Guiné-Bissau”.
Timóteo Saba M’Bunde falava numa
entrevista exclusiva ao Democrata para analisar a situação política do país e o
processo eleitoral em curso. Na ocasião, M’Bunde disse que o baixo nível de
confiança que reina na classe política guineense é um processo que vinha sendo
construído há muito tempo.
Adiantou que a nona legislatura foi
manchada pela destituição do primeiro governo legitimo do Partido Africano para
Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) seguida “por uma série de situações
atípicas nomeadamente”, o bloqueio da Assembleia Nacional Popular, a
intervenção sistemática dos tribunais na tentativa de resolver os problemas que
deveriam ser resolvidos dentro da arena política, as dissidências no PAIGC, as
entradas e saídas do Partido da Renovação Social do primeiro governo e a sua
entrada em governos subsequentes, tudo aquilo minou a esfera política guineense
e levou ao estado de baixo nível de confiança.
“A confiança é muito importante na
política. Não se pode ter uma situação política razoável ou boa onde exista um
clima de desconfiança ou baixo grau de confiança, ou então onde tenha subido o
nível de desconfiança entre os atores políticos. Com isso, qualquer decisão
política é passível de ser percebida de forma diferente, desconfiando-se os
atores uns dos outros. Com isso, o princípio de soma zero passou a vigorar no
cenário político guineense em que cada um busca proveito total e a consequente
derrota do seu adversário, minando assim toda a estrutura política guineense”,
lamentou.
O mestre em ciências políticas informou
que o país está a caminhar para as eleições legislativas com um governo
totalmente fragmentado, tomando em conta que é formado pelo PAIGC e o PRS que
são principais adversários no cenário político guineense, que estão divergentes
relativamente ao processo eleitoral e em relação ao recenseamento, não falam a
mesma língua, mas curiosamente estão no mesmo governo, cuja missão é organizar
eleições justas, livres e transparentes, algo que há muito tempo já vinha sendo questionado pelo
PRS por se tratar “de um processo marcado por anomalias e irregularidades
inaceitáveis”, mas sempre vem deixando claro que vai participar nas eleições,
porém apenas quendo que seja feita a correção dos erros cometidos. Do outro
lado está um PAIGC mais otimista que reconhece os erros, mas não lhes dá muito
relevo, ou seja, são insignificantes para comprometer o processo eleitoral que
se avizinha.
Aquele docente universitário alerta
neste sentido que, quando se tem um cenário deste tipo com atores que estão no
mesmo governo, mas muito antagônicos em relação à leitura do cenário político
do país, dá indícios que é difícil falar de um pacto de estabilidade político e
social, código de conduta e ética eleitoral credível. Adianta ainda que o pacto
deveria ser feito a partir de alguns pontos de convergências.
“Hoje não vejo convergências entre partidos
políticos, sobretudo o PRS e o PAIGC. Assim é difícil ter um pacto consistente
e sólido que inspire alguma confiança, tendo em conta as divergências”.
Para Timóteo Samba M’Bunde, as eleições
não vão resolver o problema da Guiné-Bissau, mas poderão ajudar a resolvê-los,
legitimando assim os órgãos no poder.
Acrescenta ainda mesma entrevista que o
sistema partidário instalado no país está muito fragilizado em consequência de
crises dentro e fora dos partidos, algo que deve ser olhado com maior cuidado
antes de se avançar para as eleições. Assim existe a necessidade de os atores
conversarem para rever algumas coisas que podem obstaculizar o processo
eleitoral.
“Por exemplo, fala-se de uma grande
quantidade dos recenseados cujos nomes não foram publicados. Assim é preciso
rever esta situação antes de avançarmos para as eleições ou a assinatura de um
pacto, porque avançar com o pacto sem rever questões importantes pode
comprometer o processo eleitoral”.
Timóteo M’Bunde mostrou-se reticente,
questionando-se se haverá resultado eleitoral que suscetível de conduzir um
partido político a maioria absoluta “e quando assim for, se haverá dificuldades
do ponto de vista da estabilidade política governativa pós-eleitoral, devido a
fragmentação e o clima de tensão derivada do embate e disputas entre os atores
políticos”.
Sobre o papel do Chefe de Estado no
âmbito de um clima de entendimento, Timóteo Samba M’Bunde explicou que o
Presidente da República, José Mário Vaz, é uma figura política que hoje não
goza de um consenso que deveria ter por parte do povo e dos atores políticos.
Ou seja, ele é visto como um presidente que toma partido e que tem um círculo
político. Quando assim é, ainda que os esforços sejam bem-intencionados, tendem
a ser interpretados como comportamentos partidários com um direcionamento
específico que visa favorecer o seu círculo político. Isso realmente desgastou
muito o Chefe de Estado ao longo do seu mandato, sobretudo a sua relação com os
dissidentes do PAIGC.
“O Presidente da República é um ator político
que saiu um pouco do campo normativo e vem a arena política como um ator
político com pretensões de fazer o segundo mandato, sobreviver politicamente.
Tudo o que ele fizer a partir de agora será feito de um canto político que lhe
favorece, até porque ainda neste ano devemos ter eleições presidenciais.
Portanto eu acho que no máximo, José Mário Vaz poderia encorajar os partidos
políticos a conversarem para tentar desfazer esse clima de lógica e disputa de
soma zero no sentido de todos se verem como guineenses e irmãos que querem o
desenvolvimento da Guiné-Bissau”, sublinhou.
O mestre em ciências políticas é da
opinião que Chefe de Estado não terá muito êxito e sucesso porque é um
presidente já colado a uma das partes. A outra parte vê as suas ações como
forma de satisfazer a parte em que está colado, de maneira que terá grandes
dificuldades para congregar atores políticos, numa altura em que a comunidade
internacional está a fazer pressão para que 10 de março seja o dia de votação
para se eleger um novo governo. No plano interno houve disputas para que o país
fosse às eleições de qualquer das formas. Por isso, não dá para ser otimistas
em relação ao papel que JOMAV poderá ter neste processo. Mas tudo pode
acontecer.
Relativamente às manifestações dos
alunos realizadas nos dias 08 e 09 de fevereiro, M’Bunde revela que foi o transbordar
e a expulsão do que vinha acumulando, porque não se consegue desassociar o que
aconteceu na marcha dos estudantes da atmosfera política que tem caraterizado o
país. Adianta que o epicentro de tudo é o setor da educação com a onda de
greves que tem caraterizado o ensino guineense e devido à eminencia de se ter
um ano letivo interrompido ou anulado. Consequentemente os alunos identificaram
este processo com certa falta de vontade política dos governantes em resolver o
problema da educação.
“É importante perceber que os ataques
não foram direcionados apenas a altos funcionários do ministério da educação.
Foi uma manifestação geral de insatisfação com toda a classe política. Isso
ficou claro quando se vê a vandalização das sedes dos partidos políticos e
algumas residências de figuras públicas do país. Tudo isso revela que os jovens
estudantes estão a ganhar uma consciência sobre quem foi responsável para que o
país esteja nesta situação”, asseverou Timóteo.
O jovem docente universitário admitiu,
no entanto, que os protestos dos estudantes tiveram a participação de alguns
infiltrados que, por instrumentalização política, buscaram de alguma forma
fazer passar algumas mensagens de insatisfação, através da violência simbólica,
mostrando de maneira clara que realmente a classe política guineense deixa
muito a desejar e que há uma insatisfação generalizada, sobretudo o PAIGC e o
PRS.
Saba M’Bunde mostrou ainda que os
protestos dos alunos deixam uma indicação muito importante de que realmente as
manifestações na Guiné-Bissau são capazes de interromper qualquer processo,
incluindo um processo eleitoral.
“Se o ano letivo for anulado, então viveremos
um novo momento da política na Guiné-Bissau, um cenário mais difícil e crítico
para os atores políticos e que realmente não vai ser fácil ganhar votos,
convencer e persuadir os eleitores, sem que se faça algo importante e bom.
Assim, os protestos são encorajadores desta perspetiva, mas por outro lado
podem ser aproveitados por atores políticos para fragilizar rivais, sobretudo
aqueles que ocupam as principais pastas no atual governo”, alertou.
“É absurdo um país como a Guiné-Bissau
que tem uma presença do Estado muito limitada não ter um ministro para tutelar
o ministério de interior que é um departamento do governo responsável pela
segurança interna dos cidadãos, mas, sobretudo num contexto em que estamos a
caminhar para as eleições legislativas. Portanto isso não passa de uma
tentativa por parte dos responsáveis que deviam nomear novo ministro do
Interior principalmente o Chefe de Estado guineense, José Mário Vaz”, referiu.
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