Jesus sabe que a sua vida corre perigo e
pressente que os últimos dias estão a chegar. A paixão por dar a conhecer a
novidade do Reino de Deus, de que é portador/realizador, leva-o a ser criativo,
a inventar maneiras, ainda que apoiando-se em citações e reminiscências dos
profetas. A paixão por despertar a consciência ensonada dos responsáveis
políticos e religiosos impele-o a empreender novas ousadias, a enfrentar
armadilhas fatais. A paixão por desvendar ao povo humilde a verdade do que está
a acontecer leva-o a apresentar-se montado num jumento na cidade de Jerusalém.
Esta realidade constitui o pórtico da Semana Santa que, hoje, se entreabre com
a bênção e procissão dos Ramos e a proclamação da narração da Paixão segundo
Lucas (Lc 22, 14 - 21, 56).
Jesus está nas imediações do monte das
Oliveiras, na aldeia de Betfagé, vindo de Betânia, terra do amigo Lázaro e sua
família. Sonha com uma nova oportunidade e quer criar um facto histórico de
grande alcance simbólico. Chama dois discípulos e diz-lhes: “Ide à povoação que
está em frente e, logo à entrada, vereis um jumentinho preso…Soltai-o e
trazei-o” (Lc 19, 30). Eles assim fizeram.
E o sonho converte-se em realidade.
Entregam o animal a Jesus, preparam a montada, estendendo pelo dorso capas de
protecção. Jesus sobe e começa a procissão rumo a Jerusalém, cidade do Templo
que está ao alcance da vista. Os acompanhantes e outros peregrinos vão-se
incorporando e o barulho aumenta. Capas estendidas, ramos de verdura agitados,
gritos de hossana e outras aclamações são sinais da sua alegria e do seu
entusiasmo. Cena, agora, evocada nas famílias e comunidades cristãs, a
testemunhar a robustez da convicção religiosa e da fé católica numa sociedade
que se afirma laicizada e, em que grupos aguerridos, teimam em impor a sua
ideologia intolerante.
Jesus, na sua pedagogia de mestre, gosta
de recorrer a ditos e sentenças, a parábolas e metáforas, e a outras formas de
comunicação familiares à cultura semita e acessíveis à mentalidade dos
ouvintes. O grão de trigo, a serpente erguida e o templo surgiram nas leituras
dos últimos domingos Hoje, é o jumento e o cortejo para a cidade. E Ele a ser
protagonista. Mais tarde vêm os escritos oficiais que são memória fiel da
substância da mensagem de Jesus, com algumas modulações das comunidades e dos
autores dos Evangelhos. Modulações que não alteram, mas configuram em algumas
situações.
“De maneira simples e espontânea, Jesus
é aclamado como Rei-Messias. Despojado dos tradicionais aparatos dos reis, Ele
apresenta-se de modo humilde e pacífico. Traz consigo a inversão de um sistema
que se apoia na violência e na força das armas, e que defende os privilegiados.
Por isso, as autoridades tentam calar aqueles que aclamam Jesus como o Rei que
traz a verdadeira justiça (Comentário da Bíblia Pastoral a esta passagem de
Lucas).
A aclamação dos acompanhantes a Jesus
ecoava pela encosta do monte e vale do Cédron. “Bendito o que vem em nome do
Senhor”, a citação do salmo 118, ressoava às portas da cidade e anunciava a
libertação esperada. O jugo estrangeiro será quebrado. O tom triunfalista brota
do coração de cada um e irmana a todos na aclamação comum. “Ninguém pensava que
para recuperar a paz da humanidade com Deus, em Deus e no interior de cada um,
seria necessário buscá-la na cruz em que o Filho desse mesmo Deus haveria de
assumir, com o seu amor, o maior conflito da humanidade: a própria morte. (A.
D. Ruiz, Homilética, 2018/2, p. 176).
E ainda hoje custa muito, mas dá enorme
alegria, aceitar a cruz como caminho da luz, a firmeza da convicção e a mansidão
do coração como afirmações da fé confiante, a disponibilidade serviçal como
atitude constante que mergulha as suas raízes no legado que Jesus nos deixou.
Jesus, em Betânia, prevê o seu futuro
imediato. Com realismo razoável. Sem fantasias doloristas, nem ingenuidades
“simplórias”. Com amor apaixonado pela nossa salvação. Seria bom poder
acompanhá-lo no seu processo de morte que faz brilhar a esperança da
ressurreição. Quem puder participar nas celebrações litúrgicas, aproveite e
abra o coração agradecido e reze em assembleia. Quem tiver de ficar por casa,
pare uns instantes perante a televisão e veja alguma transmissão referente à
paixão do Senhor Jesus. Quem estiver no seu trabalho profissional, procure
sentir-se em comunhão com todos/as os que, com o seu esforço abnegado, colabora
na construção da sociedade humanizada querida por Deus. Que cada um/a possa
dispor de um tempo de interiorização, de silêncio contemplativo, de adoração
afectiva. Aproveitemos a oportunidade para criar um espaço libertador do
frenesim da vida corrente.
A Paixão do Senhor convida-nos a
saborear outras dimensões do amor de doação. O domingo de Ramos constitui o
pórtico principal da Semana Santa em que vão desfilando intervenientes com
atitudes humanas muito interpelantes e envolventes. E a morte dará lugar à Vida
para sempre. Mensagem envolvente que, de Jerusalém, irradia para todo o mundo
em cada dia.
Boas Festas Pascais. Aleluia!
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