“Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e temerosos. A Igreja precisa do vosso entusiasmo, das vossas intuições, da vossa fé. Fazeis-nos falta. E, quando chegardes aonde nós ainda não chegámos, tende paciência para esperar por nós.”
Padre e professor de Filosofia, Anselmo
Borges, no DN
No Sínodo de Outubro passado, em Roma,
um jovem proveniente das ilhas Samoa, disse que a Igreja é “uma canoa, na qual
os velhos ajudam a manter a direcção, interpretando a posição das estrelas, e
os jovens remam com força, imaginando aquilo que os espera mais além.”
Na recente “Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Cristo Vive aos jovens e a todo o Povo de Deus”, inspirada nas
reflexões e diálogos do Sínodo, incluindo opiniões de jovens de todo o mundo,
crentes e não crentes, o Papa Francisco retoma a imagem da canoa, para
acrescentar: “Não nos deixemos levar nem pelos jovens que pensam que os adultos
são um passado que já não conta, que já caducou, nem pelos adultos que julgam
saber sempre como é que os jovens se devem comportar. É preferível que todos
subamos para a mesma canoa e que entre todos procuremos um mundo melhor, sob o
impulso sempre novo do Espírito Santo.”
A pastoral só pode ser sinodal, isto é,
caminhando juntos, dado que a Igreja somos todos e cada um deve contribuir com
os seus carismas e a sua situação. “Ao mundo nunca aproveitou nem aproveitará a
ruptura entre gerações.” Só com os contributos intergeracionais se poderá
construir um mundo novo e uma Igreja aberta. Lá diz o ditado: “Se o jovem
soubesse e o velho pudesse, não haveria coisa que não se fizesse”.
O Papa apela aos jovens para que não
esqueçam as raízes: “É fácil ‘sumir-se no ar’ quando não há onde agarrar-se,
onde apoiar-se.” Não devem seguir quem lhes peça que desprezem ou ignorem a
História. Quem faz isso “precisa que estejais vazios, desenraizados,
desconfiados de tudo, para que só confieis nas suas promessas e vos submetais
aos seus planos. Assim funcionam as ideologias de diversas cores.” E previne-os
contra outro perigo: a adoração da juventude e do corpo. “Os manipuladores
utilizam outro recurso: uma adoração da juventude, como se tudo o que não seja
jovem se convertesse numa coisa detestável e caduca. O corpo jovem torna-se o
símbolo deste novo culto, e, então, tudo o que tiver que ver com esse corpo é
idolatrado e desejado sem limites, e o que não for jovem é olhado com desprezo.
Queridos jovens, não aceiteis que usem a
vossa juventude para fomentar uma vida superficial, que confunde a beleza com a
aparência. Há formosura para lá da aparência ou da estética da moda, em cada
homem e em cada mulher que vivem com amor a sua vocação pessoal.”
Por outro lado, Francisco desafia a
hierarquia, bispos e padres, para que dêem protagonismo às novas gerações. A
pastoral juvenil precisa de adquirir outra flexibilidade e de convocar os
jovens para eventos, para acontecimentos que de vez em quando lhes ofereçam um
lugar onde não só recebam formação, mas que também lhes permitam partilhar a
vida, celebrar, cantar, escutar testemunhos e experimentar o encontro comunitário
com Deus.” Para se renovar, a Igreja precisa de estar atenta aos jovens, aos
seus anseios, aos seus traumas, aos seus problemas, às suas dúvidas, aos seus
erros, à sua história, à sua busca de identidade, às suas experiências de
pecado e todas as suas dificuldades.
Não se pode esquecer que, “para muitos
jovens, Deus, a religião e a Igreja são palavras vazias, no entanto, eles são
sensíveis à figura de Jesus, quando esta é apresentada de modo atraente e
eficaz.” O Sínodo reconheceu que “um número consistente de jovens não pede nada
à Igreja porque não a consideram significativa para a sua existência. Alguns,
inclusive, pedem expressamente que os deixem em paz, visto que sentem a
presença da Igreja incómoda e até irritante.” Isto implica que a Igreja tem de
reconhecer humildemente que muitas coisas têm de mudar e, para isso, “também
precisa de ter em conta a visão e também as críticas dos jovens.” Eles
“reclamam uma Igreja que escute mais, que não passe a vida a condenar o mundo.
Não querem ver uma Igreja calada e tímida nem tão-pouco que esteja sempre em
guerra por dois ou três temas que são para ela uma obsessão.”
A Igreja não pode pôr-se na defensiva,
porque “uma Igreja na defensiva, que perde a humildade, que deixa de escutar,
que não permite que a ponham em questão, perde a juventude e converte-se num
museu.” E Francisco dá o exemplo da relação da Igreja com as mulheres: ela
precisa de prestar atenção às “legítimas reivindicações das mulheres que pedem
mais justiça e igualdade. Pode recordar a História e reconhecer uma longa trama
de autoritarismo por parte dos homens, de sujeição, de diversas formas de
escravidão, de abuso e de violência machistas. Nesta linha, o Sínodo quis
renovar o compromisso da Igreja contra todo o tipo de discriminação e violência
sexual. É essa a reacção de uma Igreja que se mantém jovem e que se deixa
colocar em questão e impulsionar pela sensibilidade dos jovens.”
O Papa não se cansa de clamar: Jovens,
“vós sois o agora de Deus. Não podemos dizer apenas que os jovens são o futuro
do mundo. São o presente, estão a enriquecê-lo com o seu contributo.” Deus é “o
autor da juventude e actua em cada jovem. A juventude é um tempo abençoado para
o jovem e uma bênção para a Igreja e para o mundo. E uma alegria, um cântico de
esperança e uma bem-aventurança.” Apreciar a juventude implica vê-la como um
tempo valioso em si mesmo e não como mera etapa de passagem para a idade
adulta. De qualquer modo, “neste período da vida, os jovens são chamados a
projectar-se para a frente sem cortarem as suas raízes, a construir autonomia,
mas não na solidão.” Neste sentido, o Papa adverte-os contra as ofertas
desumanizantes: “São muitos os jovens ideologizados, utilizados e aproveitados
como carne para canhão ou como força de choque para destruir, amedrontar ou
ridicularizar outros. E o pior é que muitos se convertem em seres
individualistas, inimigos e desconfiados de todos, que assim se tornam presa
fácil de ofertas desumanas e planos destrutivos elaborados por grupos políticos
e por poderes económicos.” Daí, o apelo: “Não deixes que te roubem a esperança
e a alegria, que te narcotizem para utilizar-te como escravo dos seus
interesses. Atreve-te a ser mais, porque o teu ser é mais importante do que
qualquer outra coisa. Não te serve ter ou aparecer. Podes chegar a ser aquilo
que Deus, teu Criador, sabe que tu és. Assim não serás fotocópia. Serás
plenamente tu próprio.”
Francisco reconhece as dificuldades dos
jovens no mundo actual: “Ainda mais numerosos são os jovens que padecem formas
de marginalização e exclusão social por razões religiosas, étnicas ou
económicas. Recordamos a difícil situação de adolescentes e jovens que
engravidam e a praga do aborto, bem como a difusão do HIV, as várias formas de
dependência (drogas, jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação das
crianças e jovens da rua, que não têm casa, nem família, nem recursos
económicos.” Perante estas situações, convida cada um a interrogar-se: “Eu
tenho aprendido a chorar?” Porque não podemos ser “uma Igreja que não chora
frente a estes dramas dos seus filhos.”
Consciente de que “a moral sexual
costuma ser, muitas vezes, causa de incompreensão e afastamento da Igreja,
visto que é percebida como um espaço de julgamento e de condenação”, o Papa não
podia deixar de reflectir sobre a problemática do corpo e da sexualidade, que
têm “uma importância fundamental para a vida dos jovens e no caminho de
crescimento da sua identidade.” Chama a atenção para que, “num mundo que
enfatiza em excesso a sexualidade, é difícil manter uma boa relação com o
próprio corpo e viver serenamente as relações afectivas.” “Ao mesmo tempo, os
jovens exprimem um desejo explícito de se confrontarem sobre as questões
relativas à diferença entre identidade masculina e feminina, à reciprocidade
entre homens e mulheres e à homossexualidade.” O Papa convida a superar “tabus”
sobre o sexo e a sexualidade, que apresenta como “um dom de Deus”, com o
propósito de “amar-se e gerar vida.” E, neste contexto, reflectindo sobre os
avanços das ciências e das NBIC (nanotecnologias, biotecnologias, inteligência
artificial, ciências cognitivas), lembra as novas interrogações antropológicas
e éticas que se levantam e como facilmente se pode ser instrumentalizado por
quem detém o poder tecnológico.
Outro desafio é o da digitalização. “A
Web e as redes sociais criaram um modo novo de comunicação e de vinculação, e
são uma praça na qual os jovens passam muito tempo e facilmente se encontram,
embora o acesso não seja igual para todos, de modo particular em certas regiões
do mundo.” O Papa não pode deixar de reconhecer as vantagens da digitalização,
mas não deixa de advertir que se trata de uma realidade atravessada por
ingentes interesses económicos e por limitações e carências, como, por exemplo,
o perigo da perda de sentido crítico. “Não é saudável confundir a comunicação
com o mero contacto virtual. Com efeito, o ambiente digital também é um
território de solidão, manipulação, exploração e violência, até ao extremo da
dark Web.” A imersão no mundo virtual pode tornar-se “uma espécie de migração
digital, isto é, um afastamento da família, dos valores culturais e religiosos,
que leva muita gente a um mundo de solidão e de autoinvenção, até ao ponto de
experimentarem uma falta de raízes, mesmo permanecendo fisicamente no mesmo
lugar.” Trata-se de um novo desafio: “interagir com um mundo real e virtual, em
que os jovens penetram sozinhos, como num continente global desconhecido. Os
jovens de hoje são os primeiros a fazer esta síntese entre a pessoa, o próprio
de cada cultura e o global. Isso requer que consigam passar do contacto virtual
a uma boa e sã comunicação.”
No capítulo quarto, o Papa expõe “três
grandes verdades”, que todos permanentemente precisamos de escutar. A primeira:
“Deus ama-te. Independentemente do que te aconteça na vida, não duvides disso,
és sempre infinitamente amado.” A segunda: “Cristo entregou-se, por amor, até
ao fim para salvar-te.” A terceira: “Mataram-no, mas Ele venceu. Ele está vivo.
O mal não tem a última palavra.” “Cristo vive” é o título da Exortação.
Os dois últimos capítulos, oitavo e
nono, são dedicados à vocação e ao discernimento. “Somos chamados pelo Senhor a
participar na sua obra criadora, prestando o nosso contributo para o bem comum
a partir das capacidades que recebemos.” Na procura da sua vocação, os jovens
não deverão pensar apenas no dinheiro. E lembra o livro bíblico de Ben Sira:
“Não há pior do que aquele que é avaro para si mesmo.”
Conclui, com um desejo: “Queridos
jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e
temerosos. A Igreja precisa do vosso entusiasmo, das vossas intuições, da vossa
fé. Fazeis-nos falta. E, quando chegardes aonde nós ainda não chegámos, tende
paciência para esperar por nós.”
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