A resposta de Jesus abre novas dimensões
ao pedido que o seu discípulo lhe faz para ensinar o grupo a rezar. São
dimensões familiares que manifestam o ser de Deus, na sua relação connosco, que
o fazem presente nas entranhas filiais de cada humano, que o definem e tornam
reconhecido como a fonte de vida comum que gera “um nós” inconfundível e
original. Constituem, por isso, a verdade que nos identifica e consolida na
existência e a realidade performativa que nos impele a viver, cada vez mais, de
acordo com a matriz do nosso ser humano.
O pedido do discípulo surge após a
oração de Jesus. Lc 11, 1-13. Que haveria de especial, neste gesto de Jesus,
para ele se sentir tão desejoso e impressionado? É certo que os mestres
ensinavam os discípulos a rezar, transmitindo-lhes o resumo da mensagem que
pretendiam difundir. Jesus praticava a oração, com normalidade, no decorrer do
dia e das festas, sozinho e em família, com o grupo de acompanhantes, em
lugares silenciosos, nos espaços públicos, na sinagoga, no templo. O grupo
sabia-o e podia testemunhá-lo.
A novidade está, sem dúvida, na relação
filial que manifesta ao dirigir-se a Deus como Abba, Papá querido, e
consequentemente em “reconfigurar” o rosto de Deus no coração humano, em
condensar o seu projecto de salvação em preces e atitudes vividas por ele e
transmitidas aos discípulos, seus fiéis seguidores.
O desejo expresso pelo discípulo
desvenda o melhor do ser humano: ser chamado a conhecer as suas capacidades e
limitações, a ultrapassar-se a si mesmo – a sua vocação é Deus, a plenitude que
Jesus nos revela -, a crescer na relação solidária, fruto da irmandade comum, a
cuidar e apreciar tudo o que é humano como dom recebido a transmitir.
Que contraste tão interpelante com o
rosto social do homem de hoje, a cultura da satisfação, a sociedade cansada e
fechada sobre si mesma, com as confissões religiosas “descafeinadas”,
adormecidas, a Igreja inibida no seu conjunto perante minorias aguerridas que
dizimam as referências fundamentais da comum humanidade!
“Paizinho querido” mostra o teu rosto
claro na consciência de cada pessoa e enriquece-a, com os dons do teu Espírito,
para agir rectamente; faz brilhar, na relação humana, a ternura da tua atenção
a todos, de modo que surja a civilização do amor, a cultura da vida; dá a
conhecer, cada vez mais, o teu Nome, o projecto de felicidade, sem distinção de
raças nem de cores; manifesta o teu Reino em realização crescente, o triunfo do
amor e da paz, da justiça e da verdade em todo o mundo; dá-nos “o pão nosso”,
fruto do trabalho digno para todos e símbolo privilegiado de teu Filho Jesus, o
pão que desce do Céu para a vida do mundo; perdoa a desfiguração que fazemos de
Ti, a distância e a indiferença que perdura em nós em relação à proximidade
filial que nos ofereces e à fraternidade que somos chamados a construir; não
nos deixes ceder à tentação do consumismo e do espezinhamento dos direitos
humanos que negam a tua proposta sonhada de igual dignidade de todos; livra-nos
da tentação do comodismo egoísta, da injusta repartição dos bens, da
comercialização da vida humana, do desequilíbrio crescente no planeta que
cuidamos em vosso nome e gerimos em nome das gerações vindouras.
Ámen, Papá bom! Ajuda-nos a entrar e a
viver nesta relação de amor que Jesus cultivou e deixou como distintivo dos
seus discípulos. E o mundo será outro e a Igreja mais fiel na missão; e a
relação entre os seres humanos, Teus Filhos, mais honestas e caridosas; e a natureza
e tudo o que encerra, mais conformes ao Teu projecto em desenvolvimento para a
plenitude. “Sim Pai porque foi do Teu agrado”.
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