sábado, 20 de julho de 2019

Receber Jesus em sua casa


A fé ensina-nos a ver que, em cada homem, há uma bênção para mim, que a luz do rosto de Deus me ilumina através do rosto do irmão.
 Saber acolher como Abraão que interrompe o seu descanso e se põe ao serviço de desconhecidos, prestando-lhes generosamente os cuidados usuais. Como Marta, a incansável dona de casa, que se esmera na prática das regras da boa hospitalidade. Como Maria, a ouvinte dócil e atenta, que se senta aos pés de Jesus, qual discípula fiel. O acolhimento é fonte de enriquecimento mútuo.
 Jesus continua a sua caminhada para Jerusalém e aproveita para fazer os seus ensinamentos, ora por gestos e palavras, ora por atitudes e parábolas. Acompanha-o o grupo dos discípulos. Avança por cidades e aldeias. Escolhe o ritmo da viagem. Atende a quem o procura e lhe manifesta um desejo. Toma, também, a iniciativa de ir ao encontro de quem quer. Para visitar amigos e fazer confidências. Para descansar e revigorar forças. Seja qual for a razão, Jesus faz, de cada passo, uma ocasião para dar a conhecer algum detalhe da sua mensagem.

Lucas – o evangelista médico que narra a visita de Jesus a Marta e a Maria – coloca este episódio após a parábola do bom samaritano e antes da oração do “Pai Nosso”. Lc 10, 38-42. Parece atribuir-lhe uma força emblemática: a situação marginalizada da mulher entre os judeus e a igualdade radical de todos os humanos, a urgência de caminhar para uma sociedade inclusiva que seja espelho do “nosso Pai”, da comum humanidade de todos. E define a correspondente regra de ouro: abrir a porta e saber acolher; escutar e entrar em sintonia, facilitar. Esta regra mantém um valor acrescido na cultura hegemónica de exclusão e abandono, de preconceitos e muros erguidos, que nos envolve. O Papa Francisco, por gestos e palavras não cessa de chamar a atenção para este drama da humanidade, que tem o rosto dos refugiados abandonados, dos migrantes rejeitados, de multidões esfomeadas, de cadáveres a boiar com o ritmo das onda, enquanto não são recolhidos por algum “salva-vidas” de solidariedade.

“Acolher o estrangeiro significa abrir-se à revelação de que ele é portador, afirma Manicardi. Hospedar é criar um espaço para o outro e dar do seu tempo ao outro. É compartilhar a sua casa e o seu alimento. Em mais profundidade hospedar significa fazer de si um espaço para o outro através da escuta. Maria, que escuta a palavra de Jesus, é imagem de uma hospitalidade que não se limita a acolher sob o teto da casa, mas faz da própria pessoa uma morada para o outro”.

Abrir a porta da casa, construção material e lar familiar, espaço da consciência pessoal e da dignidade comum, âmbito do diálogo na verdade que liberta e faz crescer. A abertura desta porta pode estar condicionada por factores externos, mas é feita, sempre, a partir de dentro. A chave, por excelência, é a fé de adesão cordial e inteligente a Jesus Cristo, fruto da Palavra de Deus. Diz o Senhor: “Já estou à porta e bato. Quem ouvir a minha voz e abrir a porta, entro em sua casa e janto com ele e ele comigo” (Ap 3, 20). Não força. Aguarda uma decisão livre.

Saber acolher como Abraão que interrompe o seu descanso e se põe ao serviço de desconhecidos, prestando-lhes generosamente os cuidados usuais. Como Marta, a incansável dona de casa, que se esmera na prática das regras da boa hospitalidade. Como Maria, a ouvinte dócil e atenta, que se senta aos pés de Jesus, qual discípula fiel. O acolhimento é fonte de enriquecimento mútuo. Como recorda o Papa Francisco na encíclica: “A fé ensina-nos a ver que, em cada homem, há uma bênção para mim, que a luz do rosto de Deus me ilumina através do rosto do irmão (LF 42).

Escutar e entrar em sintonia constitui a terceira fase daquela regra de ouro. Assim o mostram os modelos referidos. Escutar e decifrar as mensagens que são transmitidas por palavras e silêncios, por gestos e atitudes. E descobrir neles a pessoa e seu estado anímico e espiritual, o seu drama, a sua aspiração silenciada, o seu sonho adormecido. Entrar em sintonia para reagir positivamente e dar o passo possível. Caminhando juntos, nascemos para novas realidades, abrimo-nos ao horizonte de Deus. “A fé nasce no encontro com o Deus vivo, que nos chama e revela o seu amor: um amor que nos precede e sobre o qual podemos apoiar-nos para construir solidamente a vida” (LF 4).

Marta acolhe e serve. Afadiga-se com os afazeres necessários para o Amigo que as visita. Talvez a hora da refeição esteja a chegar. E a irmã não reagia; continua a ouvi-Lo atentamente; faz-Lhe companhia; sintonia afectivamente, admira, contempla. O que Marta faz pela acção, faz Maria pela contemplação. Estão ambas ao serviço do mesmo Amigo e Mestre. Como veio a fixar a regra de São Bento: “Ora e trabalha”, regra que veio a influenciar e a humanizar a Europa.

Marta e Maria, duas faces do mesmo rosto. Ambas indispensáveis. Em todos os âmbitos: no casal humano que dialoga, na família que partilha, na comunidade cristã que reparte dons e serviços, na sociedade que edifica o bem comum, na Igreja que vive da riqueza dos dos do Espírito e os expressa em gestos de missão.

Jesus é recebido numa aldeia por Marta e Maria, símbolos da nossa humanidade. Durante a conversa e refeição, a atitude interior muda. É Ele que acolhe as duas irmãs na sua singularidade, sinal antecipado da realidade futura de todos os convidados para a ceia do Senhor.

Construir solidamente a vida, eis a mensagem que nos é proposta ao recebermos Jesus na nossa própria casa, de portas abertas para acolher quem chega e para sair à procura dos náufragos de todas as esperanças.

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