Anselmo Borges
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Anselmo Borges |
1-Não tem faltado aqui, nestas crónicas, a denúncia das patologias da
religião. Como ser insensível ao sofrimento das vítimas da pedofilia do
clero? Vítimas de escrúpulos, vítimas da humilhação intelectual, vítimas
da intolerância religiosa, de um deus mesquinho e escravizador... O
historiador católico Jean Delumeau escreveu: "As minhas investigações
convenceram-me de que a imagem do Deus castigador e vingativo foi um
factor decisivo para uma descristianização cujas raízes são antigas e
poderosas".
Parece que, enquanto pôde, o clero controlou a vida sexual dos fiéis, a
ponto de outro historiador, Guy Bechtel, afirmar que a fractura entre a
Igreja católica e o mundo moderno se deu na teoria do sexo e do amor,
com uma confissão inquisitorial centrada na actividade sexual.
Será preciso lembrar os homens e mulheres que foram assados nas
fogueiras da Inquisição e não só, porque tinham ideias novas? E houve o
medo-pânico da mulher, que se chegou a acusar de manter relações sexuais
com o diabo. E os livros considerados heréticos também foram queimados.
E houve as cruzadas, as guerras de religião, a missionação forçada. Pio
VI condenou essa "detestável filosofia dos Direitos do Homem". Pio IX
condenou expressamente a evolução como uma aberração. No século XX, o
teólogo E. Drewermann escreveu: "Há 500 anos, a Igreja recusou a
Reforma; há 200, o Iluminismo; há 100, as ciências naturais; há 50, a
psicanálise. Como viver com tantas rejeições?"
Apesar de tudo, creio que é inegável que, no cômputo geral, o saldo é
superior a favor da religião, nomeadamente do cristianismo. E não estou
sozinho nesta apreciação.
2-Cada quarta-feira, a Cambridge Union Society, um clube de debate
ligado à Universidade de Cambridge, realiza um debate sobre temas
actuais. No passado dia 31 de Janeiro, com a presença de mais de 800
pessoas, sendo a maioria constituída por estudantes universitários, o
tema era debater a necessidade da religião neste século, a partir das
seguintes perguntas: "A religião é compatível com a vida do século XXI?
Como pode conseguir-se que encaixe com as leis e os valores modernos? E
se fosse compatível, a religião faz mais bem do que mal?"
Para o debate, partindo da premissa, "A religião não tem espaço no
século XXI", foram convidados vários intervenientes, entre os quais o
arcebispo Rowan Williams, que deixou há pouco a liderança da Igreja
Anglicana, e o biólogo Richard Dawkins, ateu convicto e apóstolo do
ateísmo a nível mundial.
Segundo R. Dawkins, a religião é "redundante e irrelevante", para lá de
"uma traição à inteligência, uma traição ao melhor de nós, ao que nos
torna humanos", continuando: "parece responder à pergunta enquanto a não
examinas e te dás conta de que o não faz. Espalha explicações falsas,
quando se poderia ter oferecido explicações reais, explicações falsas
que obstaculizam a iniciativa de descobrir explicações reais." No
contexto científico, funciona como um "charlatão pernicioso". Em suma: a
sociedade funcionaria melhor, se as religiões estabelecidas
desaparecessem.
Para R. Williams, a religião "foi sempre uma questão de construir
comunidades, uma questão de construir relações de compaixão e de
inclusão". A questão fundamental é ver qual deveria ser a atitude que se
tem para com ela. Os direitos das pessoas "têm profundas raízes" nas
comunidades de fé. "A Declaração dos Direitos Humanos não teria sido o
que é se não tivesse havido o debate filosófico e religioso." Assim, o
respeito pela vida humana e a igualdade são inerentes a todas as
religiões organizadas. Por isso, pretender que "o compromisso religioso
deve ser um assunto meramente privado vai contra a história da
religião".
No final, depois de todas as intervenções, parte do público votou. Aí,
os favoráveis à afirmação "a religião não tem espaço no século XXI"
saíram derrotados: 136 contra 324. A religião autêntica pratica o amor,
faz comunidades, oferece transcendência e sentido final. Mas é claro
que, também no domínio da religião, se não pode abandonar a presença da
razão crítica.
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