O amor de Deus é um amor de entrega, de
doação, de misericórdia, de perdão, de libertação, de ternura para com o mundo,
para com todos
Deus, no seu filho Jesus, convida-nos a
viver a revolução da ternura – afirma o Papa Francisco. Este convite constitui
uma das constantes mais assertivas do Evangelho. Jo 3, 14-21. Nicodemos, velho
mestre da Lei judaica, anda inquieto no seu coração e vai ter com Jesus, o
jovem mestre que começa a ser conhecido, a ter nome público. Ele, trazia a
letra da Lei consigo. Jesus vai desvendar-lhe o espírito da Lei. E João, o
autor da narrativa, constrói uma rica conversa para dizer quem é Jesus Cristo,
o filho unigénito de Deus.
“Deus amou de tal modo o mundo que
entregou o seu Filho Unigénito” – afiança o novo mestre. Que ousadia por parte
de Jesus! Que surpresa não provocaria no espírito perturbado de Nicodemos. O
diálogo prossegue com novidades cada vez mais interpelantes.
O amor de Deus é um amor de entrega, de
doação, de misericórdia, de perdão, de libertação, de ternura para com o mundo,
para com todos. Embora o ser humano tenda a projectar os seus sentimentos em
Deus – a ira, o castigo, a indiferença, a violência … e, a partir daí,
configurar o modo de ser e de proceder divino –, Jesus “vai por outro caminho”
e apresenta o Deus do amor como fonte e modelo do ser e do agir humano. Somos
espelhos e agentes do amor divino, da sua ternura e misericórdia, da sua
verdade e sabedoria. Vivendo em coerência e fidelidade, somos salvos. É certeza
de Paulo escrita na carta aos cristãos de Éfeso.
O Filho entregue – Jesus – mostra-nos em
atitudes concretas a ternura de Deus: assume a nossa humanidade frágil na
encarnação, vive na família humilde de Nazaré, convive amigavelmente com os
vizinhos, frequenta a sinagoga e peregrina ao templo, aprende a trabalhar, reza
a Deus, seu Pai, acolhe quem o procura, vai ao encontro de quem está em
necessidade, prefere os empobrecidos e marginalizados, anuncia a novidade do
Reino que está em curso, perdoa com gestos de misericórdia, deixa-se tocar
pelos “malditos” da lei, estende a mão em atitude de bênção e cura, abraça,
chora, admoesta, consola, realiza uma ceia de despedida com os amigos e
manda-lhes que a façam em sua memória, levanta-se, carrega a cruz, sobe ao
calvário, agoniza e morre, visita as “zonas sombrias do nada”, ressuscita e
mostra a vida nova aos discípulos, envia-os a anunciar o modo original de Deus
em que nos quer envolver.
Este amor de doação e ternura que se
parte e reparte e faz migalhas – como sacramentalmente acontece na celebração
da eucaristia – gera o homem novo, é garantia de eternidade já presente na
fragilidade humana, constitui caminho e abre horizontes a quem pratica a
verdade e se aproxima da luz.
A revolução da ternura está em curso. É
de todos e para todos. Ninguém fica de fora, a não ser que se autoexclua. “Todo
o ser humano é objecto da ternura infinita do Senhor” – lembra Francisco mais
uma vez. Fazer este percurso quer dizer: deixar a indiferença paralisante,
passar do medo à confiança e da aparência à realidade, ver “na aragem quem vai
na carruagem”, isto é, ir além dos rótulos e considerar sempre a pessoa na sua
dignidade inviolável, vencer distâncias e fazer-se próximo, assumir o amor de
doação benevolente como principal critério de vida e acompanhar quem quer
caminhar para situações mais humanas. “Se consigo ajudar uma só pessoa a viver
melhor, isto já justifica a entrega da minha vida” – garante o Papa.
A serpente do deserto – sinal erguido
por Moisés para servir de cura aos caminhantes fugitivos do Egipto – é agora a
cruz do Calvário abraçada por Jesus Cristo para todos os peregrinos da vida que
se deixam iluminar pela verdade e atrair pelo bem. Aceitemos este sinal.
Vivamos na confiança radical da ternura sem limites do nosso Deus.
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