Cinquenta anos depois de os bastões e o
gás lacrimogéneo de polícias e civis brancos da pequena cidade de Selma terem
travado a marcha pela igualdade de direitos para os negros no tabuleiro da
Ponte Edmund Pettus, sobre o rio Alabama, dezenas de milhares de pessoas
juntaram-se no sábado para ouvir e aplaudir um discurso com que poucos se
atreveriam a sonhar naquela tarde sangrenta de domingo, 7 de Março de 1965.
Tal como há meio século, na primeira
linha da homenagem do último fim-de-semana estava John Robert Lewis, agora de
mãos dadas com o Presidente e a primeira-dama dos Estados Unidos. Foram dele as
primeiras palavras, que resumiram os argumentos de quem salienta os avanços
alcançados desde então: “Quando estávamos a atravessar esta ponte, se me tivessem
dito que um dia voltaria cá para vos apresentar o primeiro Presidente
afro-americano, teria dito que estavam doidos, que não estavam bem da cabeça e
que não sabiam o que estavam a dizer.”
Mas John Lewis nem precisaria de virar
os holofotes para Barack Obama, o homem cuja eleição, há pouco mais de sete
anos, levou muitos a decretarem o fim de uma era e o início da “América
pós-racial”. Agredido na Ponte Edmund Pettus por reclamar o direito a ser igual
a todos os que são iguais a ele, Lewis regressou a Selma no sábado como membro
da Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano, um cargo que ocupa
desde 1988 e para o qual já foi reeleito 14 vezes (em quase três décadas,
apenas por uma vez venceu as eleições no estado da Georgia com menos de 70% dos
votos – foi em 1994, quando derrotou o republicano Dale Dixon por 69% contra
31%).
Em meados da década de 1960, no auge da
luta pela igualdade de direitos entre brancos e negros nos Estados Unidos, os
líderes dos movimentos cívicos souberam usar a força das imagens para
conquistar o apoio popular – se os bastões vergaram centenas de manifestantes
em Selma, as imagens transmitidas pelas estações de televisão naquele domingo
sangrento acertaram em cheio na consciência de milhões de cidadãos um pouco por
todo o país.
No auge das redes sociais na Internet,
John Lewis, hoje com 75 anos de idade, usou o Twitter para gravar na cabeça de
uma nova geração a ideia que quis transmitir quando apresentou Barack Obama. A
acompanhar uma fotografia em que surge abraçado ao primeiro Presidente negro
dos Estados Unidos, o congressista escreveu: “Quando alguém me diz que nada
mudou, eu digo-lhes que se ponham no meu lugar e me deixem mostrar-lhes as
mudanças.”
Apesar da presença de muitos activistas
que estiveram na marcha de 1965 (houve três marchas, entre 7 e 25 de Março, mas
a primeira é a mais emblemática), foi o discurso do Presidente Barack Obama que
captou todas as atenções.
Num misto de entusiasmo pelo que já foi
alcançado e de inconformismo com o que ainda há por fazer, Obama fez talvez o
discurso mais marcante desde que chegou à Casa Branca. O discurso pelo qual
será lembrado “quando as paixões políticas da actualidade já tiverem passado”,
como escreveu na revista The Atlantic o escritor e jornalista norte-americano
James Fallows. Ou “a etapa de consagração de Obama”, segundo as palavras de Ted
Widmer, historiador na Universidade de Brown, num texto assinado no site da
revista Politico.
Incluindo a marcha de Selma na lista de
“locais e momentos” onde “o destino da América foi decidido” – na galeria das
batalhas que forjaram os Estados Unidos da América contra o domínio do reino da
Grã-Bretanha, e das que mantiveram essa união na guerra civil quase um século
mais tarde –, Obama frisou que aquele domingo de Março de 1965 foi, ainda
assim, apenas “uma parte de uma campanha mais abrangente que se estendeu por
várias gerações”.
“Numa tarde há 50 anos, muita da nossa
atribulada história – a mancha da escravatura e a angústia da guerra civil; o
jugo da segregação e a tirania das leis Jim Crow; a morte de quatro crianças em
Birmingham e o sonho de um pregador baptista – enfrentou-se nesta ponte. Não
foi um confronto entre exércitos, mas um confronto de vontades; uma luta para
determinar o significado da América”, disse Obama, soando ele próprio, por
vezes, como fervoroso líder religioso.
As palavras saíam da boca do Presidente
dos Estados Unidos com uma cadência arrebatadora, que emocionou muitos dos
presentes. O Partido Republicano não se fez representar ao mais alto nível, mas
o ex-Presidente George W. Bush e a sua mulher, Laura Bush, sentaram-se no palco
principal, ao lado de Michelle Obama, e chegaram a aplaudir de pé o discurso de
Barack Obama. Com o Publico
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