segunda-feira, 24 de outubro de 2016

VIRIATO PÃ- O HOMEM, O POLÍTICO, O MÁRTIR DA GUINÉ-BISSAU

Viriato Rodrigues Pã, vítima do "Caso 17 de Outubro" de má memória ocorrido (1985/86) na Guiné Bissau
Era um Balanta, duro consigo próprio e com os que ele trabalhava. Pontualíssimo, rigoroso em tudo o que fazia profissionalmente, exigente na qualidade, brusco nos protestos por erros, intolerante com mediocridade, a vaidade enfatuada, a mentira, a desonestidade. Era um procurador da república da Guiné-Bissau disciplinador sem emoções aparentes e sem dar confiança a ninguém de “baixo”.

Respeitador e respeitado; delicado e cortês; grave, quase distante; um riso comedido, quase tímido; de olhar franco e directo - Dr. Viriato Rodrigues Pã era fundamentalmente um homem bom. Gostava de ajudar o seu semelhante e sofria com os que sofrem. Trajava com aprumo, mas com modéstia, pois procurava mais impor-se pela positiva do que fazendo apelo a vulgaridade mundana. Ordenado, disciplinado e metódico, Viriato não tolerava desconsiderações, sendo capaz de uma reacção imediata e convincente. Sem favor, era um perfeito “Gentleman”, conduta que, durante os seus cinco anos de vivência na Guiné-Bissau, lhe granjeou fama e prestigio entre o povo e a classe intelectualizada.

Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Integro, estudioso arguto, homem do estado responsável, cidadão exemplar, Dr. Viriato Rodrigues Pã, príncipe da cidadania do seu tempo, bem pode ser apresentado as novas gerações de cidadãos guineenses e dirigentes como um modelo a conhecer e respeitar.

Foi morto por Nino Vieira, em Julho de 1986

Nascimento e infância

No dia 17 de Janeiro de 1947 em Quinhaque, pequena aldeia dos arredores de Bissorã, na então Colonia Portuguesa da Guiné, viu a luz do dia, uma criança do sexo masculino que, meses depois, viria a receber o nome de Clabús. Entre os Balantas é costume atribuir-se nome às crianças apenas alguns meses após o nascimento.

Era o primeiro filho de N’hona Siga e quando nasceu, o marido, Infoy Pã, encontrava-se preso num calabouço colonial em Bissorã.

Dai o nome de Calabús, tradução em língua balanta do vocábulo português “calabouço”.

Situada no Centro Norte do território, a região de Bissorã, pelas suas condições climáticas, era uma zona de cultivo da mancarra (amendoim), tomate, arroz e mandioca, produtos que movimentava a quase totalidade dos habitantes da área. Como é normal nas sociedades tradicionais, os filhos são uma garantia para a continuidade, no futuro, das actividades agrícolas e, no presente, força que permite manter e ampliar os recursos familiares. Possuir uma prole numerosa significativa uma bênção de Deus e foi nesta óptica que Infoy Pã encarou o nascimento de mais oito filhos, seis rapazes e duas raparigas.

Além da estima pelos valores tradicionais e respeito pelos mais idosos, a educação básica de então visava a robustez e resistência físicas, preparando o jovem para as inúmeras dificuldades da vida. As árduas tarefas do campo e das bolanhas (terrenos baixos e alagadiços próprios para o cultivo do arroz na Guiné-Bissau) eram também acauteladas nessas zonas predominantemente agrícolas.

(…)

Viriato Pã Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa

Viriato Ingressa, no ano lectivo de 1969/70, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde se inscreve aos 06/10/1969.

Desde logo, procura impor-se intelectualmente, habito que criara desde a educação primária, graças à solida formação de base que trazia do colégio e completara em Lisboa.

Nesta altura já não era um simples estudante: era um jovem que sentia necessidade de se posicionar, quer perante o regime de então, quer perante os seus professores.

A coerência e a audácia de que dava mostras e que sempre o haviam de acompanhar pela vida fora, retiram-lhe qualquer hipótese de disfarçar a sua posição. O seu embate psicológico e ideológico com alguns dos seus professores, que mais se identificavam com o regime, tinha de se manifestar. Em relação a esses, assumia uma atitude de reserva e de distanciamento.
(…)

O perfil sociopolítico do Dr. Viriato

Talvez a faceta mais saliente da personalidade do Dr. Viriato Rodrigues Pã fosse a sua solícita dedicação a família, tanto aquela donde originalmente proveio como a que ele próprio constitui. Dele pode dizer-se, no mais clássico sentido da expressão, que foi um verdadeiro bom pai de família.

Parece exacto inferir que a intensidade com que se entregava ao estudo das causas forenses que lhe vinham parar às mãos era por ele integralmente transferida para a família. A sua devoção à família manifestava-se nas mais pequenas atenções.

A sua vida em família era o reflexo da sua vida pública, social e profissional.

O Dr. Edmundo Mateus, um conhecido advogado angolano em lisboa, dedicado amigo do Dr. Viriato Rodrigues Pã, dizia-lhe frequentemente, numa clara alusão à sua capacidade em fazer amigos: “as vezes, penso que deveria ser diplomata em vez de advogado. Quando queres um carpinteiro, tens; se precisas de um médico, tens um amigo à disposição; se pretendes um sapateiro, há sempre um pronto a prestar-te o saber do seu ofício. Admira-me a tua capacidade em fazer amigos.”

Respeitador e respeitado; delicado e cortês; grave, quase distante; um riso comedido, quase tímido; de olhar franco e directo - Dr. Viriato Rodrigues Pã era fundamentalmente um homem bom. Gostava de ajudar o seu semelhante e sofria com os que sofrem. Trajava com aprumo, mas com modéstia, pois procurava mais impor-se pela positiva do que fazendo apelo a vulgaridade mundana. Ordenado, disciplinado e metódico, Viriato não tolerava desconsiderações, sendo capaz de uma reacção imediata e convincente. Sem favor, era um perfeito “Gentleman”, conduta que, durante os seus cinco anos de vivência na Guiné-Bissau, lhe granjeou fama e prestigio entre o povo e a classe intelectualizada.

Tolerante por princípio, não acreditava que divergências ideológicas pudessem levar os Guineenses a tornarem-se tão inimigos uns dos outros ao ponto de se negarem mutuamente a identidade nacional.

Apesar da sua clara posição face ao projecto da unidade política da Guiné-Bissau com cabo verde, vector principal da política do regime de Luís Cabral, Viriato, não obstante, nunca se furtava ao diálogo com elementos afecto ao PAIGC que pretendessem falar-lhe.

O secretário da Embaixada, Maximiano Sá, contactou-o, uma vez, em 1976, para ele falar. Com o maior à-vontade, Viriato aceitou recebê-lo, convidando-o para um almoço em sua casa. As relações de proximidade entre ambos chegaram a ser tão estreitas que Maximiano, um dia, lhe pediu que lhe apresentasse os elementos do afamado grupo Roque Gameiro, núcleo oposicionista de alguns estudantes em Portugal, adversários da unidade Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Toda a Lisboa sabia que Maximiano era o homem da segurança da Embaixada, naqueles difíceis anos que se seguiram à independência, em que o silêncio era a melhor companhia da prudência.

Nacionalista convicto, Viriato Pã aceitava por igual os seus compatriotas e não tinha reserva mental contra ninguém, nem dos próprios inimigos, unilateralmente declarados. Fazer política para ele era, talvez devido à sua profunda e solida educação humanista, uma forma de ajudar o próximo.

Tratando-se de um guineense, Viriato R. Pã nunca se preocupou com o facto de Maximiano poder estar ou não a desempenhar, sem escrúpulos, o seu papel de agente do regime. Dissuadindo a esposa dos seus receios, céptica quanto às reais intenções do secretário da embaixada, Viriato, honrado a sua amizade por Maximiano, avançou com o almoço, que consistiu num elaborado prato típico da Guiné-Bissau: Caldo de mancarra.

In, Viriato Pã, uma vida pela pátria

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