Recentemente o Partido Africano da Independência
da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) suspendeu do partido onze altos dirigentes que
assumiram pastas no actual Governo e desobedeceram as orientações superiores
desta agremiação política. Essa determinação do partido é um elemento de grande
utilidade instrumental e analítico para a leitura não só do atual quadro
político da Guiné-Bissau, como também do seu futuro político, pelo menos de
curto e médios prazos. Para completar, o prazo de suspensão dessas figuras
cobre os próximos anos eleitorais, ou seja, no mínimo os mesmos estariam fora
do partido no próximo congresso do PAIGC e nas eleições parlamentares e
presidenciais de 2018 e 2019, respectivamente.
O posicionamento político-jurídico em
questão representa uma autoprotecção da direção do partido contra eventual
aumento do desembarque de seus dirigentes cooptados pelo Governo de Sissoco e
Presidente José Mário Vaz e, também, é um mecanismo de blindagem em relação a
eventuais operações políticas dos suspensos e do José Mário Vaz, que
eventualmente teriam pretensão em candidatar e assumir – através de uma chapa
eleitoral – as rédeas do partido nas prévias eleitorais, via congresso.
Além de tentar conter no partido focos
de dissidências e ondas de emigração para o Governo, através do mecanismo de
sanção, o PAIGC de Domingos Simões Pereira, em colaboração com o Presidente da
Assembleia Nacional Popular (ANP), Cipriano Cassama – seu mais importante
aliado político no momento – boicota a instauração do processo parlamentar de
legitimação da vigente governação. São essas as duas estratégias que têm sido
mobilizadas para desgastar os rivais políticos e o Presidente José Mário Vaz.
Penso que será, pela configuração
política hodierna, um ganho político se o PAIGC de Simões Pereira conseguir
chegar ao congresso e às próximas eleições nessas condições políticas
correntes, conseguindo, primeiro, o afastamento efetivo dos considerados
“indisciplinados” e, segundo, a desestabilização do executivo patrocinado por José
Mário Vaz. O caminho é ainda longo, levando em consideração que em política as
coisas podem mudar de água para vinho em pouco tempo, mas a ala mais próxima ao
José Mário Vaz e o próprio já se demonstram um pouco inquietados em relação a esse
timing. Embora tenham conseguido fazer funcionar, relativamente, a administração
pública, não conseguem legitimar o Governo na ANP e continuam a ver, pelo menos
até esse momento, sólida a base da direção superior do PAIGC. A desferida
suspensão àqueles onze membros do partido é, em alguma medida, a confirmação de
razoável solidez e coesão do PAIGC, apesar da perda de algumas figuras
cooptadas pelo Palácio.
Por outro lado, para os impedidos
dirigentes, que hoje compõem o núcleo político do Presidente José Mário Vaz, a
sua penalidade representa uma efectiva ameaça ao seu futuro político e, dessa
forma, tendem a encarar esse facto, ao lado do José Mário Vaz, como uma situação
de vida ou morte política. Face a esse quadro, o radicalismo que tem caracterizado
a situação política do país vai se acentuando, e os atores integrantes do espectáculo
não vêm outra saída que não seja o aniquilamento político dos adversários,
vistos neste momento como inimigos da sua sobrevivência política.
Me parece que os membros suspensos e o
próprio José Mário Vaz, já começam a concluir que o impedimento do PAIGC para
assumir a chefia do Governo – o que levou o partido a rejeitar integrar o
Executivo – não vem surtindo o mais essencial efeito esperado, que era a
destruição política da cúpula do partido encabeçada por Simões Pereira.
Mediante esse cenário de disputa e
incerteza, o Estado e respectivos órgãos têm sido instrumentalizados para fins
e objetivos de facções políticas e partidárias. O desenvolvimento do país fica
em segundo plano, tendo- se definido como prioridade esse conflito, que se
caracteriza como um jogo de soma zero.
O despacho de substituição do corpo de
segurança da ANP emitido pelo ministro de Interior, um dos sancionados do
PAIGC, representa, além de um primeiro passo para eventualmente forjar uma
sessão parlamentar de apreciação e aprovação do programa do Governo, – em
colaboração com o Partido de Renovação Social (PRS) – uma investida contra o
último reduto institucional de resistência do PAIGC. Ciente da importância de
ANP nessa disputa, o presidente do hemiciclo parlamentar anunciou de que, por
falta de segurança, o seu gabinete de trabalho passaria a funcionar temporariamente
na sua residência, sim, na sua residência. Os independentistas e o presidente
da ANP tendem a continuar fazer da ANP o seu baluarte de resistência e boicote
à legitimação do Governo que não reconhecem.
Por outro lado, tende a não se cessar
esforços com vistas a demolição política do atual corpo directivo do PAIGC.
Aliás, os libertadores já se manifestaram alegando perseguição política ao seu
líder... Acho que, em função da conjuntura política hodierna, torna-se muito
difícil desassociar todo esse processo de uma perseguição política, ainda que
não o seja.
O nível de incerteza com relação ao que
será o futuro político do PAIGC e do país, pelo menos nos próximos dois anos, é
crescente. Não se pode olvidar de que as crises que abalam o PAIGC sempre
afetaram diretamente o Estado guineense. Recorda-se que as instâncias da
justiça não tiveram êxito em solucionar os correntes conflitos políticos no
país, aliás, como sempre defendi aqui, esses conflitos sequer deveriam ser
conduzidos para os fóruns da lei. As mediações internacionais também têm - se
fracassado nas suas tentativas. Dito isso, as incertezas políticas na Guiné-Bissau
não são apenas crescentes, são também assustadoras, sobretudo em relação aos
próximos dois ou três anos.
Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.
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