Crónica de Frei Bento Domingues, no
Público
Chegaram
agora D. Trump, V. Putin e Xi Jin Ping, os reis magos do dinheiro, do poder e
das armas. Não cabem neste presépio.
1. Num grupo de cristãos que se reúnem
para estudar as leituras bíblicas da liturgia dominical, assisti a uma
divertida discussão. Os textos deste Domingo da Epifania são muito belos, mas o
debate recaiu numa pergunta que nem ao menino Jesus podia interessar: os Reis
Magos existiram ou não? São personagens da história ou da imaginação? Eram
Reis, eram Magos, eram dois, eram três, eram doze? Como poderão ter ido parar à
Catedral de Colónia?
A história é contada por S. Mateus[1],
um Evangelho para comunidades cristãs de origem judaica. Não fala de Reis, mas
de uns Magos que chegaram do Oriente, sem precisar o número. Magos, no sentido
actual da palavra, são pessoas que realizam truques de magia. Na Antiguidade,
eram os estudiosos de ciências secretas, os sábios e os que investigavam o rumo
das estrelas. Cientistas da época!
Olhando, de perto, para esta narrativa
nada bate certo com uma história plausível. Nem como fenómeno astronómico, nem
como uma convocatória de Herodes aos Sumos-sacerdotes e aos escribas. Por outro
lado, como poderia passar despercebida, numa aldeia tão pequena, uma visita de
tão célebres personagens, com uma carga de presentes tão impressionante? Como é
que o astuto Herodes confia numa história da carochinha?
A. A. Valdés pergunta: quando Jesus,
adulto, sai para pregar, ninguém sabe nada disto, nem que Ele é o Messias? Que
aconteceu? Houve um ataque geral de amnésia na Palestina?[2]
É melhor ir por outro caminho. Antes de
mais, importa ter presente que é preciso mostrar aos judeus cristãos que o que
se passou com Jesus já estava previsto na Bíblia. Para se tornar verosímil aos
conhecedores das Escrituras eram precisas selecções bem feitas. Hoje, a nós,
pode parecer um excessivo e artificial concordismo. Mateus, porém, tinha de
escolher o que encaixava melhor com a sua visão messiânica. Ao contar episódios
da infância de Cristo, foi buscar narrativas de personagens do Antigo
Testamento. Uma das figuras mais admiradas era a do rei Salomão. Gozava de uma
sabedoria e inteligência tão extraordinárias que nenhum outro rei teve, nem
antes nem depois dele[3]. A sua ciência foi superior não apenas à de todos os
outros reis, mas até à de todos os sábios do Oriente. Chegou a compor 3000
parábolas, 1005 poemas e até escreveu tratados de botânica e zoologia!
O episódio mais famoso e divulgado da
vida de Salomão foi a visita da rainha de Sabá. Os judeus contavam-na com
grande orgulho. Apresentou-se em Jerusalém uma rainha anónima, vinda de um
longínquo país chamado Sabá. Tinha ouvido falar da extraordinária fama do rei
israelita. Queria conhecê-lo e admirá-lo pessoalmente. Esta passagem era tão
popular e conhecida que o próprio Jesus a citou quando os judeus não queriam
acreditar nele: “no dia do juízo (final), a rainha do Sul há-de levantar-se
contra esta geração para a condenar, porque veio dos confins da terra para
ouvir a sabedoria de Salomão. Ora, aqui está alguém maior do que Salomão”[4].
2. Na boa arte de fazer concordar, por
antecipação, tem de bater tudo certo: uma rainha anónima viajou para Jerusalém
de um país do Oriente. Agora, uns Magos anónimos de um país distante do Oriente
puseram-se a caminho de Jerusalém. A rainha era sábia, sábios eram também os
Magos. Ela procurava o rei dos israelitas para o admirar. Eles buscavam o rei
dos judeus para o adorar. A rainha foi guiada por uma estrela. Os Magos também
foram guiados por uma estrela até Belém. A rainha de Sabá, ao chegar, colocou
enigmas difíceis de resolver e encontrou as respostas. Os Magos chegaram e
colocaram um enigma difícil de resolver e encontraram a resposta. A rainha ofereceu
a Salomão os presentes que trazia: ouro, incenso e pedras preciosas. Os Magos
ofereceram ao Menino os presentes que lhe trouxeram: ouro, incenso e mirra.
Após admirar Salomão, a rainha regressou
ao seu país e desapareceu da história. Depois de adorarem o Menino, os Magos
regressaram ao seu país e desapareceram da história.
Os Magos desapareceram da história, mas
não da imaginação dos cristãos que, relendo o Salmo 72, os fizeram reis. Mais
tarde interessaram-se pelo seu número: de dois passaram a três, de três a
quatro e, na Idade Média, chegaram aos doze. No séc. II, Sto Irineu insistiu na
simbólica dos presentes: levaram ouro, porque Jesus era rei, incenso porque era
Deus e mirra porque era homem.
As viagens das relíquias dos Magos não
foram poucas e levaram séculos. Depois de terem nomes próprios - Belchior,
Gaspar e Baltasar - e de os imaginarem de raças e cores diferentes - branco,
amarelo e negro -morreram na Pérsia. Os restos mortais foram para Jerusalém. No
séc. IV foram descobertos por Sta. Helena e transladados para Constantinopla no
ano 490. Posteriormente, o imperador Manuel doou-os ao Bispo de Milão que os
levou para a sua diocese no início do séc. XII. Por pouco tempo. Frederico
Barba-Ruiva saqueou a cidade em 1162 e levou os corpos para Colónia (Alemanha),
em cuja Catedral repousam actualmente.
3. Para 2017, a grande tarefa de um
cristão, e de todas as pessoas de boa vontade, é a Paz anunciada num presépio
de há dois mil anos. Chegaram agora D. Trump, V. Putin e Xi Jin Ping, os reis
magos do dinheiro, do poder e das armas. Não cabem neste presépio. Mas é este
que vale a pena. S. Paulo e o Papa Francisco vão ajudar-nos a saber porquê.
[1] Mt 21-12
[2] Cf.Os Reis Magos existiram? Bíblica,
Nov-Dez, 2016, nº 367, pp 3-7
[3] 1Rs 3-5
[4] Mt 12, 42
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