Dom António Francisco dos Santos,
conhecido por ser o bispo da bondade, deixa-nos um belo exemplo de como ser
misericordioso e reconciliador, ir ao encontro dos outros, fazer-se próximo,
acolher sem condições, dar e receber o perdão. As suas ricas mensagens e,
sobretudo, o seu estilo de vida, garantem que é possível viver o Evangelho a tempo
inteiro no emaranhado do quotidiano, sem alarmismos nem ansiedades. A sua
memória abençoada certamente vai fazer-nos ser mais atentos à Palavra de Deus
que, hoje, nos convida a varrer do coração todo o rancor, como aconselha a 1.ª
leitura, a ousar perdoar incondicionalmente, seguindo a viva recomendação de
Jesus, a pertencer sempre ao Senhor da vida e da morte, de acordo com a
afirmação de fé de São Paulo.
A vida humana está marcada pelo limite e
pela relação. A convivência nem sempre é harmoniosa e pacífica. Surgem tensões
e conflitos, ofensas e outras atitudes mais agressivas. Que fazer? O que é
melhor para reequilibrar o que se entortou e azedou a cidadania? Retaliar? Com
que medida? Recorrer ao tribunal? Em que assuntos? Pedir a amigos que sirvam de
mediadores e ajudem a lançar alguma ponte a fim de sanar a ferida e reatar a
harmonia perdida? E entretanto o que diz a consciência pessoal e a voz da
dignidade do outro, a sabedoria dos povos e a novidade do Evangelho? Ter em
conta este rico património estimula a coragem a tomar uma decisão oportuna e
acertada.
Pedro, segundo a versão de Mateus, o
evangelista que narra o episódio (Mt 18, 21-35) quer viver a prática do perdão
como Jesus vivamente exortava. De modo justo e generoso. Entre os Judeus, a
medida prevista chegava a três vezes, oscilando conforme as escolas dos rabinos
mais reconhecidos. Por isso, a Pedro parecia-lhe que sete seria o máximo e
esperava confirmação do Mestre. A resposta de Jesus deixa-o sem palavra. “Não
te digo até sete, mas setenta vezes sete”. E, para lhe fazer ver como estamos
chamados a ser misericordiosos e a perdoar, conta a parábola do rei
misericordioso e do servo sem entranhas de compaixão, em que surgem outros
elementos esclarecedores. E conclui, afirmando que Deus procede connosco
conforme nós procedermos uns com os outros. Quer dizer, deixa nas nossas mãos a
medida do perdão. E para nos lembrar desta verdade ensina-nos a rezar no Pai
Nosso: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido”. Que responsabilidade e interpelação! Sejamos dignos desta ousadia
confiante!
O Papa Francisco, na sua histórica
Viagem Apostólica à Colômbia, reafirma muitas vezes a importância do perdão
como caminho para a paz e exorta veementemente a que todos se esforcem para
construir uma sociedade justa, sem feridas sangrantes nem ódios congelados.
Dirige-se especialmente aos jovens na mensagem à multidão (mais de um milhão de
pessoas), na praça Bolivar em Bogotá e diz-lhes: “A vossa juventude também vos
torna capazes duma coisa muito difícil na vida: perdoar. Perdoar a quem nos
feriu; é digno de nota ver como não vos deixais enredar por velhas histórias,
como olhais de modo estranho quando nós, adultos, repetimos histórias de
divisão simplesmente porque estamos presos a rancores. Ajudais-nos neste
intento de deixar para trás aquilo que nos ofendeu, ajudais-nos a olhar para a
frente sem o obstáculo do ódio, porque nos fazeis ver toda a realidade que
temos à nossa frente, toda a Colômbia que deseja crescer e continuar a desenvolver-se;
esta Colômbia que precisa de todos e que nós, os mais velhos, devemos entregar
a vós.
Por isso mesmo vós, jovens, enfrentais o
enorme desafio de nos ajudar a sanar o nosso coração, de nos contagiar com a
esperança juvenil que está sempre disposta a conceder aos outros uma segunda
oportunidade. Os ambientes de desespero e incredulidade fazem adoecer a alma:
são ambientes que não encontram saída para os problemas e boicotam aqueles que
procuram encontrá-la, danificam a esperança de que toda a comunidade necessita
para avançar. Que as vossas aspirações e projetos oxigenem a Colômbia e a
encham de salutares utopias!”
O perdão é a convicção firme de um
caminho a percorrer na humanização das relações humanas, qual seiva revigorante
em que se encontra o Deus da bondade, o nosso Deus. “Posso estar
verdadeiramente magoado e ofendido, mas reconheço que mais vale ultrapassar, ir
«mais além» disso. É o «per» do «doar». E o padre jesuíta Vasco de Magalhães
conclui: “O grande problema é pesar bem o que vale mais”.
E não há nada mais valioso do que
aceitarmos percorrer os caminhos de Jesus, do seu amor incondicional, do seu
perdão misericordioso, da sua doação irradiante que faz da cruz horrorosa a
porta aberta para a feliz ressurreição. E tanto nos humaniza que “diviniza” a
nossa relação. Demos mais um passo e aprendamos a perdoar mais e melhor.
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