sábado, 22 de dezembro de 2018

Do corpo de Maria, nasce Jesus, o Salvador


Natal é o aniversário natalício de Jesus Cristo. Jesus agiu como um homem "pura e simplesmente bom, algo que ainda não tinha acontecido". Anunciou o Deus próximo, de amor, o Deus da misericórdia, um Deus amoroso e amável, e o seu Reino: o Reino de Deus, reino da liberdade - "onde está o espírito de Cristo aí está a liberdade", proclamou São Paulo -, reino da justiça, do amor, da fraternidade, da paz, da igualdade radical de todos perante Deus e perante os outros seres humanos, o reino da realização plena de toda a esperança.

Maria, a noiva de José, engravida após consentimento informado e decisão livre. O recém-gerado “apodera-se” do seu corpo e marca o ritmo da sua vida: a nível da fisiologia, das emoções e afectos, da movimentação e das relações, dos incómodos e satisfações. Tudo por amor à boa gestação em curso. Com que intensidade viveria a jovem mãe a fase germinal do seu bebé! Ele, tudo recebia dela, humanamente. Ela, realizava nele o sonho da maternidade.

Lucas, no chamado Evangelho da Infância, faz uma bela narração da anunciação e anota que Maria, após ficar entregue à liberdade da sua decisão, parte “imediatamente”. Toma o rumo da casa de Zacarias, que fica a uns 150 Km de distância, e vai pelas regiões montanhosas da Judeia. Encontra Isabel, a prima, em fase avançada de gravidez daquele que virá a ser João Baptista. E tem um encontro memorável que a liturgia nos faz recordar, hoje. Para nos aproximarmos do significado profundo do que está a acontecer no ventre destas mulheres. Por graça de Deus, com a generosa colaboração delas. Vamos deter-nos em alguns pormenores desta maravilha que ecoa na voz de Isabel. (Lc 1, 39-45).

Ao chegar, Maria faz a saudação tradicional dos judeus: Shalom! Isto é, as bênçãos de Deus estejam contigo. Ou seja, que te sintas realizada na tua gravidez, que aprecies a vida que estás a gerar, que à tua volta haja harmonia e paz, que o teu coração agradecido alimente a sintonia com Deus e o seu desejo de libertar o nosso povo de todos os que nos querem mal, e de guiar os seus passos no caminho da paz, como rezará mais tarde Zacarias, após ter retomado a fala de que, provisoriamente, fora privado.

Isabel ao receber a saudação de Maria, sente que o seu bèbé se agita, estremece, rejubila. E vive esta experiência singular como uma graça especial. Diz o texto: “Ao ouvir a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio, Isabel ficou cheia do Espírito Santo”. Que maravilha! O que faz uma saudação oportuna de paz! E que interpelação nos deixa: Saudamo-nos uns outros com normalidade? São de alegria e paz as nossas saudações? Temos em conta a situação emocional de quem nos ouve de modo a sintonizarmos e, sendo possível, ajudarmos a elevar o seu ânimo? Ficamos só o tempo necessário?

O ventre de Isabel é o espaço onde Deus actua. Tal como o de Maria. No comentário que faz aos textos deste domingo, Manicardi destaca a relação que existe entre eles e diz: “As referências ao corpo da parturiente (Miqueias, na primeira leitura), aos corpos das duas mulheres grávidas que se encontram (Lucas no evangelho), ao corpo que Deus prepara para Cristo (Hebreus, na segunda leitura), oferecem a possibilidade de uma reflexão, inteiramente enquadrada com a encarnação, sobre o corpo como lugar espiritual, como sacramento da presença de Deus entre os homens”.

Em contraste fica o modo como se encara o corpo humano e o cuidado que se lhe dispensa na actual cultural consumista. Cuidado levado ao requinte, ao serviço do qual se organizam empresas publicitárias de produtos e de terapias, de beleza estética e de plásticas cosméticas. E muito mais, a fazer-nos sentir a urgência de anunciar a dignidade do corpo humano, da sua integridade, das suas funções vitais, da sua beleza espiritual, da sua vocação transcendente.

“A sociedade actual e a cultura do nosso tempo dedicam uma escassa atenção à maternidade enquanto potencial de construção imaginativa e elaboradora. Porque se se valora apenas a biologia e o social, e a liberdade sexual e a igualdade, seremos «a primeira civilização que carece de um discurso sobre a complexidade da vocação maternal». Esse discurso não pode perder-se porque tem a capacidade de proporcionar às pessoas uma maturidade capaz de enfrentar qualquer situação porque se fundamenta num amor maior do que qualquer outra força”. E a autora abre o leque ao amor que acolhe, que recebe, que hospeda, não sobre uma prótese fálica ou narcisista, mas por doação e sublimação, que torna possível a vida do outro, e também a sua criatividade num mundo de singularidades plurais”. (Maria Clara Bingemer, Transformar la Iglesia y la Sociedade en femenino, Cuadernos CJ, 211, Barcelona 2018, p 18).

Cheia do Espírito Santo, Isabel faz uma leitura orante do que acontece em Maria e exclama em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Feliz aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor”. Isabel professa a sua fé no abençoado recém-gerado e proclama a 1ª bem-aventurança de Maria, sua mãe. A piedade popular, ao rezar a Avé Maria, faz sempre esta saudação; e a fé cristã reconhece Jesus como Senhor, após a ressurreição pascal. E aprende as lições do Evangelho de hoje: Levar Jesus no coração, saber ir ao encontro dos amigos e estar sempre ao serviço da caridade.

“O mundo precisa de «muitas Marias» para poder dar à luz projectos de Esperança, aspirações de justiça, desejos de bondade e testemunhos de compromisso. Todos e todas, somos Marias que estamos cheios de Esperança no menino Deus que nos vem. Somos parteiros e parteiras da vida que vem pequena, humilde, pobre e frágil. Só cumprindo a sua vontade, a vida que geramos será em plenitude e dirão de nós: «Felizes porque haveis acreditado» dando Vida, construindo a Vida e celebrando a Vida»”. (Sebastián Rosado, Homilética 2018/6, p. 766).

Saboreemos esta bem-aventurança. Porque do corpo de Maria, nasce Jesus o Salvador. E é Natal cristão.

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