(...) João Paulo II desce a escada do avião,
ajoelha-se e beija a terra. A terra de Bissau é vermelha, tal como o regime.
"Dou graças ao Senhor por estar hoje na
Guiné-Bissau, que, chegada à independência há apenas cerca de quinze anos, se
encontra, por certo, num momento importante e exigente: o momento de se
estruturar como Nação". João Paulo II discursa num palanque improvisado,
ao lado do general Nino Vieira. O electricista e antigo guerrilheiro do PAIGC,
que tomou o Poder após um golpe de Estado que derrubou Luís Cabral, escuta com
atenção as palavras do Papa em português: "A Igreja não ignora quanto é
difícil encontrar os processos políticos mais adequados e geri-los e dirigi-los
com acerto".
Em 1990, o regime da Guiné-Bissau é de inspiração
marxista-leninista, mas nos últimos anos Nino Vieira tem tentado abrir-se ao
Ocidente. Mesmo assim, João Paulo II deixa o recado: "Seja-me permitido,
comungando os sentimentos de quantos desejam a felicidade de cada guineense,
recordar aqui: pilares de qualquer modelo, verdadeiramente humano, de
sociedade, permanecem sempre a verdade, a liberdade, a justiça, o amor, a
responsabilidade, a solidariedade e a paz. Com esta perspectiva, refiro-me
apenas a alguns aspectos de uma estrutura humana plena. Está nisso a pedra
angular de uma nação guineense em que todos se sintam cada vez melhor e mais
unidos pelo amor pátrio, pertencendo embora a etnias diferentes".
A Guiné-Bissau é, com efeito, uma amálgama de etnias
(nalú, felupe, balanta, mancanha, papel, manjaco, beafada, fula, mandinga,
etc.) e de religiões (a maioria da população, cerca de 53%, é animista,
seguindo-se os muçulmanos, com 38% e os católicos, com apenas 7% de fiéis em
todo o país).
(...) O ritmo desta África negra contrasta com a
pacatez que acabamos de deixar para trás. Em Cabo Verde, onde estivemos dois
dias, tudo é doce e calmo. A nostalgia das músicas mistura-se com o esbatido
mestiço da pele e com a elegância da língua portuguesa falada pelos
Cabo-Verdianos. Aqui, ao contrário do que acontece na Guiné-Bissau, não há
divisões étnicas e o povo é esmagadoramente católico (91%). Aliás, Cabo Verde é
o país mais católico de todo o continente africano. À nossa volta é tudo pobre
e muito seco.
(...) "Bem vindo João Paulo II - Cabo Verde
ama-te". Um enorme cartaz saúda a sua chegada à ilha do Sal, onde aterra o
Airbus da Alitália. "Gostaria de encontrar-me e conversar pessoalmente com
cada um dos habitantes deste arquipélago", diz o Papa aos fiéis que ali se
reúnem. "E qual é o meu recado para vós, irmãos e irmãs da ilha do Sal?
Foi-me referido que, normalmente, a luz das ilhas deste arquipélago é
maravilhosa; e o nome da vossa terra, Sal, tem razão de ser e é
sugestivo". João Paulo II sabe valorizar a beleza daquele lugar
aparentemente inóspito: "Por isso, o recado do Papa para vós é este: sêde,
cada vez mais, luz do mundo e sal da terra. Ou seja, procurai viver como cristãos
responsáveis".
(...) No dia seguinte, a ilha de São Vicente acolhe
o sucessor de Pedro. No Mindelo, a sua mensagem alarga-se aos cabo-verdianos
que emigraram: "Nunca esqueçam o vosso torrão natal e a gente que aí
habita: parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos. Não se esqueçam dos que
ficaram na pátria! Sejam fiéis às próprias raízes".
À nossa volta são visíveis as dificuldades de vida e
os sinais de pobreza das ilhas. Mas o Papa prefere olhar para a misteriosa
riqueza das pessoas: "O cristianismo é força dos humildes que sabem ser
simples; não é uma religião para gente sem cultura ou atrasada. Toda a sua
força revolucionária está no Amor gratuito, que brota do coração de
Cristo".
De volta à cidade da Praia, exorta o papel dos
missionários que, há 500 anos, trouxeram a fé àquelas ilhas e a possibilidade
de encontro com Cristo até aos dias de hoje. E não esquece a ferida que foi
"o abominável comércio de pessoas humanas, nos tempos da
escravatura". Uma ferida cujas cicatrizes ainda persistem na cultura
cabo-verdiana e que leva o Papa a gritar: "Não às discriminações de todo o
tipo; jamais a escravidão do homem pelo homem; nunca mais qualquer forma de
violência demolidora da dignidade das pessoas; jamais, nunca mais, a negação
dos direitos de Deus sobre o homem". Depois, aos jovens, deixa um alerta
para as novas formas de escravidão: "Em Cristo - e não a fugir d'Ele - vós
podeis ser livres. [...] Se, pelo contrário, enveredais por um caminho distante
d'Ele, já sabeis que ides parar a formas de verdadeira escravidão moral".
O Papa sabe que é difícil o que lhes pede, mas também sabe que vale a pena:
"Que todos tenham coragem e não se deixem rebaixar. A vida, o destino, a
história presente e futura de um jovem dependem da fidelidade àquela liberdade
de filhos de Deus para a qual Cristo nos libertou".
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