A maturidade cristã implica tomar as
rédeas de nossa vida, perguntar-nos, de verdade, diante de Deus, o que ainda
nos falta.
Por, J.M. Barrio e R. Valdés
no Opus Dei
«Tendo ele saído para se pôr a caminho,
veio alguém correndo e, dobrando os joelhos diante dele, suplicou-lhe:
"Bom Mestre, que farei para alcançara vida eterna?» [1]. Nós, discípulos
do Senhor, presenciamos a cena com os Apóstolos, e talvez nos surpreendamos
diante da resposta: «Por que me chamas bom? Só Deus é bom» [2]. Jesus não dá
uma resposta direta. Com suave pedagogia divina, quer conduzir aquele jovem
para o sentido último de suas aspirações: «Jesus mostra que a pergunta do jovem
é, na verdade, uma pergunta religiosa, e que a bondade que atrai e
simultaneamente vincula o homem, tem a sua fonte em Deus, mais, é o próprio
Deus, o único que é digno de ser amado “com todo o coração, com toda a alma e
com toda a mente”». [3]
Para
entrar na Vida
Logo, o Senhor retorna àquela consulta
audaz: o que devo fazer? «Se queres entrar na vida, – responde – observa os
mandamentos» [4]. Tal como o apresentam os evangelhos, o jovem é um judeu
piedoso que poderia ter ido embora satisfeito com esta resposta; o Mestre
confirmou suas convicções, porque o remete aos mandamentos que observou desde a
sua adolescência [5]. Porém, quer ouvi-lo da boca deste novo Rabi que ensina
com autoridade. Intui, e não se engana, que pode abrir-lhe horizontes inéditos.
«Quais?» [6], pergunta. Jesus recorda-lhe os deveres relacionados com o
próximo: «Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso
testemunho, honra teu pai e tua mãe, amarás teu próximo como a ti mesmo» [7]. São
os preceitos – a chamada segunda tábua – que protegem «bem da pessoa, imagem de
Deus, mediante a proteção dos seus bens» [8]. Constituem a primeira etapa, a
via para liberdade, não a liberdade perfeita, como observa Santo Agostinho [9];
dito de outro modo, são a fase inicial no caminho do amor, mas não no amor
maduro, plenamente realizado.
Que
me falta ainda?
O jovem conhece e vive estas
prescrições, mas algo em seu interior pede-lhe mais; tem que haver – pensa –
algo mais que possa fazer. Jesus lê no seu coração: «fixou nele o olhar,
amou-o» [10]. E lança o maior desafio de sua vida: «Uma só coisa te falta; vai,
vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu» [11]. Jesus
Cristo pôs aquele homem perante a sua consciência, a sua liberdade, o seu
desejo de ser melhor. Não sabemos até que ponto entendeu as exigências do
Mestre, apesar de que pela sua pergunta – que me falta ainda? –, parece que
teria esperado outras “coisas para fazer”. As suas disposições são boas, embora
talvez ainda não houvesse entendido a necessidade de interiorizar o sentido dos
mandamentos do Senhor.
A vida a que Deus chama não consiste
somente em fazer coisas boas, mas em «ser bons», virtuosos. Como costumava
precisar nosso Padre [12], não basta ser bonzinhos, mas retos, de acordo com o
panorama imenso – “só Deus é bom” [13] – que Jesus abre diante de nós.
A maturidade cristã implica tomar as
rédeas da nossa vida, perguntar-nos de verdade, diante de Deus, o que ainda nos
falta. Estimula-nos a sair do cômodo refúgio de quem é um cumpridor da lei para
descobrir que o que importa é seguir Jesus, apesar dos próprios erros. Deixamos
então que seus ensinamentos transformem nosso modo de pensar e de sentir.
Experimentamos que nosso coração, antes pequeno e encolhido, se dilata com a
liberdade que Deus pôs nele: «correrei pelo caminho de vossos mandamentos,
porque sois vós que dilatais meu coração» [14]
O
desafio da formação moral
O jovem não esperava que “a coisa que
faltava” era precisamente pôr a sua vida aos pés de Deus e dos outros, perdendo
sua segurança de cumpridor. E se afastou triste, como acontece a todo aquele
que prefere seguir exclusivamente a sua própria rota, em vez de deixar que Deus
o guie e surpreenda. Deus nos chamou para viver com sua liberdade – «hac libertate
nos Christus liberavit» [15] – e, no fundo, nosso coração não se conforma com
menos.
Amadurecer é aprender a viver de acordo
com ideais altos. Não se trata simplesmente de conhecer uns preceitos ou
adquirir uma visão cada vez mais afinada das repercussões dos nossos atos.
Decidir-se a ser bons – santos, em última instância – supõe identificar-se com
Cristo, sabendo descobrir as razões do estilo de vida que Ele nos propõe.
Implica, portanto, conhecer o sentido das normas morais, que nos ensinam a que
bens devemos aspirar, como devemos viver para alcançar uma existência plena. E
isto se consegue incorporando as virtudes cristãs ao nosso modo de ser.
Os
pilares do caráter
O saber moral não é um discurso
abstrato, nem uma técnica. A formação da consciência requer um fortalecimento
do caráter que se apoia sobre as virtudes como seus pilares. Estas assentam a
personalidade, estabilizam-na, transmitem-lhe equilíbrio. Capacitam-nos a sair
de nós mesmos, do egocentrismo, e dirigir o foco dos nossos interesses para
fora de nós, para Deus e para os outros. A pessoa virtuosa está centrada,
possui medida em todo, é reta, íntegra. Em troca, quem carece de virtudes
dificilmente será capaz de empreender grandes projetos ou de realizar grandes
ideais. Sua vida será feita de improvisações e oscilações, de modo que não será
confiável, nem sequer para si mesma.
Cultivar as virtudes expande a nossa
liberdade. A virtude não tem nada a ver com o acostumar-se ou com a rotina. É
claro que não basta uma única ação para que um hábito operativo bom arraigue,
para que se solidifique no nosso modo de ser e leve- nos a realizar o bem com
mais facilidade. A repetição sucessiva ajuda os hábitos a se estabilizarem:
tornamo-nos bons sendo bons. Repetir a resolução de estudar na hora marcada,
por exemplo, faz que a segunda vez nos custe menos que a primeira, e a terceira
menos que a segunda, mas é preciso perseverar na determinação de começar a
estudar para manter o hábito de estudo, senão este se perde.
A
renovação do espírito
As virtudes, humanas e sobrenaturais,
orientam-nos para o bem, para o que satisfaz as nossas aspirações. Ajudam-nos a
alcançar a autêntica felicidade, que consiste em unir-se a Deus: «Ora, a vida
eterna consiste em que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo
que enviaste» [16]. Conferem facilidade para atuar de acordo com os preceitos
morais, que não são vistos somente como normas a cumprir, mas como um caminho
que conduz à perfeição cristã, à identificação com Jesus Cristo de acordo com o
estilo de vida das bem-aventuranças, que são como o retrato de seu rosto e
«falam de atitudes e disposições de fundo da existência» [17] que levam à vida
eterna.
Abre-se, então, um caminho de
crescimento na vida cristã, segundo as palavras de São Paulo: «transformai-vos
pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade
de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito» [18]. A graça muda o
modo de julgarmos os diversos acontecimentos, e dá-nos critérios novos para
atuar. Progressivamente, aprendemos a ajustar nosso modo de ver as coisas à
vontade de Deus, que se expressa também na lei moral, de modo que amamos o bem,
a vida santa, e saboreamos «o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito»
[19]. Alcança-se uma maturidade moral e afetiva com sentido cristão, que leva a
apreciar com facilidade o que é autenticamente nobre, verdadeiro, justo e belo,
e a repelir o pecado, que ofende a dignidade dos filhos de Deus.
Este caminho leva a formar, como dizia
São Josemaria, uma «alma de critério» [20]. Mas, quais são as características
deste critério? Em outro momento, ele mesmo acrescenta: «o critério implica
maturidade, firmeza de convicções, conhecimento suficiente da doutrina,
delicadeza de espírito, educação da vontade» [21]. Que grande retrato da
personalidade cristã! Uma maturidade que nos ajuda a tomar decisões com liberdade
interior e fazê-las próprias, ou seja, com a responsabilidade de quem sabe
prestar conta delas. Ter convicções fortes seguras, baseadas num conhecimento
profundo da doutrina cristã que alcançamos através de aulas ou palestras de
formação, leituras, reflexão e, especialmente, do exemplo dos outros, pois as
«verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com
retidão» [22]. Isto é combinado com a delicadeza de espírito, que se traduz em
afabilidade com as pessoas, e com a educação da vontade, que consiste em viver
uma vida virtuosa. Uma «alma de critério», portanto, sabe perguntar-se nas
diversas circunstâncias: o que espera Deus de mim? Pede luzes ao Espírito
Santo, recorre aos princípios que assimilou, aconselha-se com quem pode ajudá-lo,
e sabe atuar em consequência.
Fruto
do amor
Assim entendido, o comportamento moral –
que se concretiza em viver os mandamentos com a força da virtude – é fruto do
amor, que nos compromete na busca e promoção do bem. Um amor assim vai além do
sentimento, que por sua própria natureza é flutuante e fugaz: não depende dos
humores do momento, do que me agrada, ou do que gostaria em determinada
circunstância. Pelo contrário, amar e ser amado supõe uma doação de si, que se
fundamenta na alegria que um coração sente ao saber-se amado por Deus e ao
aspirar aos grandes ideais pelos quais vale à pena empenhar a liberdade: «Na
entrega voluntária, em cada instante dessa dedicação, a liberdade renova o
amor, e renovar-se é ser continuamente jovem, generoso, capaz de grandes ideais
e de grandes sacrifícios» [23]
A perfeição cristã não se limita ao
cumprimento de umas normas, mas também não consiste no desenvolvimento isolado
de capacidades como o autocontrole ou a eficiência. Impulsiona a entrega da
liberdade ao Senhor, a responder ao seu convite: «vem e segue-me» [24], com a
ajuda de sua graça. Trata-se de viver segundo o Espírito [25], movidos pela
caridade, de modo que se deseja servir aos outros, e se compreende que a lei de
Deus é o melhor caminho para praticar esse amor escolhido livremente. Não é
questão de cumprir regras, mas de aderir a Jesus, de compartilhar a sua vida e
o seu destino, obedecendo amorosamente à vontade do Pai.
Sem
ser perfeccionistas
Este empenho por amadurecer em virtudes
é alheio a qualquer desejo narcisista de perfeição. Lutamos por amor a nosso
Pai Deus, é nEle que temos nosso olhar fixo e não em nós mesmos. Convém,
portanto, descartar a tendência ao perfeccionismo, que talvez poderia surgir se
considerássemos a nossa luta interior erroneamente de acordo com critérios de
eficácia, precisão, rendimento..., muito em voga em alguns contextos
profissionais, mas que diluem a vida moral cristã. A santidade consiste
principalmente em amar a Deus.
De fato, a maturidade leva a harmonizar
o desejo de atuar bem, com as limitações reais que experimentamos em nós mesmos
e nas outras pessoas. Em algumas ocasiões podemos sentir vontade de dizer com
São Paulo: «Não entendo, absolutamente, o que faço, pois não faço o que quero;
faço o que aborreço (...). Sou um homem infeliz! Quem me livrará deste corpo
que me acarreta a morte?» [26]. Sem dúvida, não perdemos a paz, pois Deus nos
diz o mesmo que ao Apóstolo: «Basta-te a minha graça» [27]. Enchamo-nos de
agradecimento e esperança, pois o Senhor conta com as nossas limitações,
contanto que nos impulsionem a converter-nos, a recorrer à sua ajuda.
De novo aqui, o cristão encontra uma
explicação na primeira resposta de Jesus ao jovem: «Só Deus é bom» [28]. Da
bondade de Deus vivemos nós, seus filhos. Ele nos dá a força para orientar toda
nossa vida para o que realmente é valioso, compreender o que é bom e amá-lo, de
nos prepararmos para a missão que Ele nos confiou.
Sem comentários :
Enviar um comentário
COMENTÁRIOS
Atenção: este é um espaço público e moderado. Não forneça os seus dados pessoais (como telefone ou morada) nem utilize linguagem imprópria.