Há momentos na vida, que põem à prova
decisões tomadas de modo definitivo. Certamente por motivos sérios. Talvez
porque circunstâncias diferentes tentem impor-se ou os próprios amigos o
aconselhem com insistência… E vozes interiores crescem de intensidade, instalam
a dúvida e a pessoa sente-se abalada.
Jesus, segundo o relato de Mateus que
narra o episódio da Transfiguração no Monte Tabor, faz preceder a descrição com
o diálogo de Cesareia de Filipe, em que após a resposta acertada de Pedro à
pergunta “E vós, quem dizeis que eu sou”, Jesus anuncia que tem que sofrer
muito, ser rejeitado e crucificado, e, só depois, é que ressuscitará. O coração
de Pedro sobrepõe-se à razão da inteligência e “dispara”: “Deus não permita tal
coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!”. A resposta de Jesus é contundente
e radical: “ Afasta-te de mim, Satanás. És uma pedra de tropeço para Mim,
porque não pensas as coisas de Deus, mas as coisas dos homens”. Estão em
contraste dois modos de realizar a missão: servir até à cruz por amor ou
impor-se com gestos espectaculares, os das tentações diabólicas.
O evangelho da Transfiguração vem
confirmar a opção de Jesus. Tudo converge nele e tudo brota dele, como de um
abundante manancial de água fresca. Mateus, o narrador, reveste de grande
solenidade o cenário do sucedido. Recorre a elementos gráficos que evocam
Moisés e a entrega das Tábuas da Lei no monte Sinai.
A subida, o grupo escolhido, o rosto
brilhante, a nuvem luminosa, a voz falante, o temor dos presentes constituem
elementos de aproximação e apontam para a convergência em Jesus da nova
manifestação de Deus e da sua vontade: “Este é o meu Filho. Escutai-O!”
Face ao ocorrido, os discípulos ficam
assustados e caídos por terra. Jesus aproxima-se, toca-lhes e diz-lhes:
“Levantai-vos. Não temais”. Eles erguem os olhos e vêem apenas Jesus. E com
esta experiência marcante, descem para a planície da vida chã, do quotidiano,
da família e de tantas outras realidades comuns. Subiram ao monte de Deus para
com Ele descerem à humanidade, partilharem a sua sorte, viverem as suas
alegrias e esperanças, os seus revezes e atropelos, reconstituirem os
desfigurados na dignidade e no acesso aos bens de subsistência.
“Escutar Jesus” para melhor ouvir as
vozes do mundo e interpretar as suas mensagens. São estas que nos fazem ver os
traços do rosto de Jesus em tantos “lázaros” desfigurados, apontam os desejos
mais profundos do coração e o seu melhor, reclamam a mediação indispensável
para sentirem o pulsar da humanidade e sintonizar com os seus apelos. O Padre
António Vieira, ilustre pregador de grandes sermões afirma que: “Para falar ao
vento bastam palavras; para falar ao coração são necessárias obras”.
“Escutar Jesus” nas vibrações éticas da
consciência, o santuário mais digno do ser humano, a “caixa-de-ressonância” de
valores adquiridos e de insucessos ocorridos, instância moral sempre a precisar
da luz da verdade para exercer a sua função de guia e conselheira. A nível
pessoal em diálogo de reciprocidade com a cultura e o bom senso. “Em várias
ocasiões, afirma D. Ximenes Belo, bispo emérito de Timor, ouvi este desabafo
dos timorenses, sobretudo aos velhinhos das aldeias: somos pobres e
analfabetos, podemos comer terra e pedra, mas não queremos que outros venham
pisar a nossa cabeça”, afirmação feita na sessão de homenagem que lhe foi
prestada na Universidade Católica Portuguesa.
“Escutar Jesus” na palavra escrita que
narra as maravilhas da história da salvação que Deus decidiu levar a cabo com a
indispensável cooperação humana; palavra situada no contexto histórico em que
surgiu, lida com o propósito de buscar quem nela se esconde e de o aceitar como
amigo com quem se quer falar. A sua leitura pode ser enriquecida pelos modos
usados que despertam e alimentam as disposições indispensáveis a um bom
“aproveitamento”. Assim na família, nos grupos apostólicos, na assembleia
dominical, na celebração litúrgica.
O Papa, mestre na arte da comunicação e
no recurso a metáforas familiares eloquentes, convidou-nos a ler as “mensagens
de Deus contidas na Bíblia” como se lêem as SMS. "O que é que aconteceria
se tratássemos a Bíblia como se fosse o nosso telemóvel? Pensem nisto, a Bíblia
sempre connosco, ao nosso lado".
Escutar e ver Jesus vai moldando o
coração do discípulo e configurando o seu agir; vai pautando o estilo de vida e
despertando energias adormecidas indispensáveis à valorização da pessoa e da
comunidade, vai fazendo surgir rostos irradiantes e felizes, autênticas
testemunhas do Senhor transfigurado.
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