Quando a dominação colonial se impõe dentro duma terra a primeira preocupação dessa dominação é barrar o caminho à cultura desse povo. Por isso mesmo consideramos (e isso verificou-se, por exemplo, no processo de desenvolvimento de nacionalismo em África, quando se começaram a cultivar poemas e danças africanas para contestar a cultura do país dominador) que o nosso povo, ao pegar em armas para se bater pela sua libertação, estava em primeiro lugar manifestando a sua recusa em aceitar uma cultura estrangeira. Portanto, essa luta é necessariamente um ato cultural, ato cultural que implica essa conclusão, demonstração clara de que temos uma história nossa na qual fomos retirados pelo colonialismo, e estamos decididos a continuar essa históriaUm homem novo nasce na nossa terra, e se tiver ocasião de falar com as nossas crianças poderá ver que as crianças das nossas escolas têm já uma consciência política, patriótica e que querem lutar pela independência do seu país. Uma consciência que faz com que se entendam uns com os outros, um sentimento de unidade nacional e de unidade no plano africano(...) o povo não luta por ideias, por coisas que estão na cabeça dos homens. O povo luta e aceita os sacrifícios exigidos pela luta, mas para obter vantagens materiais para poder viver em paz e melhor, para ver sua vida progredir e para garantir o futuro de seus filhos. Libertação nacional, luta contra o colonialismo, construção da paz e do progresso - independência - tudo isso são coisas vazias e sem significado para o povo, se não se traduzem por uma real melhoria das condições de vida - Amilcar Lopes Cabral
Em um mundo polarizado, em plena
"guerra fria", e em um continente repleto de lutas por liberdade,
armadas ou não, a autoproclamada, em 24 de Setembro de 1973, República da
Guiné-Bissau seria, nas palavras de Amílcar Cabral, uma "nação africana
forjada na luta" contra o colonialismo português. Situada na costa
ocidental da África, entre o Senegal, ao norte, e a Guiné-Conacri, ao sul,
segundo o Instituto Nacional de Estatística, a Guiné-Bissau teria actualmente
cerca de um milhão e meio de habitantes, pertencentes
a diversos grupos étnicos: balantas, fulas, manjacos, mandingas, papéis, cada
qual com sua língua e cultura própria, e dos quais aproximadamente 42,4% seriam
alfabetizados. A obtenção de dados censitários confiáveis sobre a Guiné-Bissau actualmente
está bastante difícil, pois a luta pela construção de uma sociedade democrática
ainda está em curso naquele país.
Durante cerca de 700 anos, até meados do
século XIX, a região que compreende o território da actual Guiné-Bissau fazia
parte do reino mandinga de Kaabu, tributário do Império do Mali, que foi
"fundado pelo lendário guerreiro mandinga, Sundiata Keita, no século
XIII". Segundo Peter Mendy, até então a influência
política do reino de Kaabu se estendia a leste até a região de Casamance, no actual
Senegal, ao norte até a actual Gâmbia e ao sul até partes da actual
Guiné-Conacri. Na segunda metade do século XIX, ocorreu a desintegração do
reino, em função de uma crise política interna e da intensificação da pressão
das potências coloniais europeias, especialmente França, Inglaterra e Portugal,
que passaram a disputar a domínio sobre o território e a própria demarcação de
novas fronteiras
A presença de navegadores e comerciantes
portugueses no litoral da actual Guiné-Bissau remonta a meados do século XV,
mas a colonização de fato, a dominação do território, somente se estabeleceu em
1915, através das brutais campanhas de "pacificação", como os
portugueses as chamavam, implementadas pelo exército colonial português, que
culminaram com o assassinato dos líderes de diferentes grupos étnicos que
resistiam à colonização. Mesmo após a dominação do território essas violentas
campanhas de "pacificação" permaneceram, ocorrendo até 1936, em
função da longa tradição de resistência à colonização portuguesa entre alguns
grupos étnicos na Guiné-Bissau. Essa tradição de luta, segundo Amílcar Cabral,
teria sido uma fonte de inspiração para a construção da luta de libertação
naquele país a partir da década de 1950. Aliás, o processo de
construção da luta de libertação na Guiné-Bissau e em Cabo Verde entre as
décadas de 1950 e 1970 se confunde com a própria trajectória política de Amílcar
Cabral, até o seu assassinato na Guiné-Conacri em 20 de Janeiro de 1973. Ler
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