Por, Anselmo Borges no Diário de Notícias
1. Há uns versos famosos de Hölderlin
que dizem assim: "Wo Gefahr ist, da/ Wächst das Retttende auch."
Traduzidos: onde está o perigo, aí cresce também o que salva.
É verdade. A tomada de consciência do
perigo leva a reunir vontades e forças para desviar e vencer as ameaças. A não
ser que se seja completamente inconsciente, não se fica de braços atados, à
espera de que o perigo tome conta da situação e tudo possa afundar-se.
2. Da primeira vez que o Presidente
Trump chegou à Europa foi claro: que os europeus não contassem muito, para a
sua defesa, com o guarda-chuva americano. Os europeus tinham de contar, antes
de mais, com eles próprios e pagar a sua defesa. Aí, percebeu-se bem que das
duas, uma: ou os europeus têm consciência da sua identidade, dos seus valores,
do seu futuro, e estão decididos a defendê-los, porque vale a pena, ou acontece
o pior: já não há essa consciência nem essa força, e o futuro deixa de existir.
3. Merkel viu claramente e foi dizendo
que os europeus estão agora entregues a si mesmos e têm de defender-se a si
próprios. E os mais lúcidos começaram a aprofundar a ideia de que não haverá
autêntica União Europeia sem um exército europeu, com todos os custos e
sacrifícios.
4. Macron chegou, com todo o seu vigor
político e novos horizontes. Também ele pensa e quer que haja mais Europa, mais
integração europeia, uma nova Europa. Seria uma perda irreparável para o mundo,
num mundo globalizado, o desaparecimento da Europa, pois ela tem contributos
essenciais a dar, como a consciência da dignidade das pessoas humana, a
tolerância, o humanismo, a consciência dos direitos humanos nas suas várias
gerações. O eixo Paris-Berlim tem de aprofundar-se e adquirir mais consistência,
o que é fundamental para a própria Alemanha, pois esta pode ser grande na
Europa, mas, sem união, torna-se pequena e insignificante num mundo
globalizado.
Macron tem a seu favor ter sido também
assistente universitário de um dos mais significativos filósofos do século XX,
Paul Ricoeur. E certamente encontrarão eco no seu pensar as ideias do seu
mestre, expressas numa entrevista de 1997, recentemente publicada pela
Philosophie Magazine: "Estamos em guerra económica. É um problema muito
perturbador, sobre o qual nunca tinha dito nada. É hoje o problema de toda a
Europa ocidental. Onde, para sobrevivermos, devemos manter uma ética e uma
política da solidariedade. O combate a travar tem duas frentes: por um lado, as
nossas economias têm de permanecer competitivas; por outro, não podem perder a
alma - o seu sentido da redistribuição e da justiça social. Um problema enorme,
quase tão difícil de resolver como a quadratura do círculo...
Ainda não acabámos com a herança da
violência e da última guerra. Nem com a dureza e a brutalidade do sistema
capitalista, que deu KO ao comunismo, ficando sem rival. É hoje a única técnica
de produção de riqueza, mas com um custo humano exorbitante. As desigualdades,
as exclusões são insuportáveis.
Estou um pouco tentado por uma solução
que se poderia dizer cínica. Pode causar-lhe espanto da minha parte, mas,
enquanto este sistema não tiver produzido efeitos insuportáveis para um grande
número, continuará o seu caminho, pois não tem rival... Penso que vamos
conhecer na Europa Ocidental uma travessia no deserto extremamente dura. Porque
já não somos capazes de pagar o preço que os mais pobres do que nós pagam. A
ascensão das jovens economias asiáticas, concretamente a da China, supõe um
custo que seremos incapazes de suportar. Não só não queremos isso, mas não
devemos fazê-lo. Não vamos voltar aos tempos do trabalho infantil!... É por
isso que eu sou tão fortemente pró-europeu; só uma economia de grande dimensão
permitirá à Europa sair disto."
5. Embora não veja claro sobre o como,
há muito que penso não ver futuro para a Europa sem estruturas políticas
federativas. Daí ter-me dado especial contentamento a entrevista que o Papa
Francisco deu na semana passada ao jornal italiano La Repubblica, no contexto
da cimeira do G20 em Hamburgo. Francisco disse a Eugenio Scalfari estar muito
preocupado com a reunião do G20: "Temo que haja alianças muito perigosas
entre potências que têm uma visão distorcida do mundo: América e Rússia, China
e Coreia do Norte, Rússia e Assad na guerra da Síria." Qual é o perigo
destas alianças? "O perigo diz respeito à imigração. O problema principal
e crescente no mundo de hoje é o dos pobres, dos débeis, dos excluídos, dos
quais os emigrantes fazem parte. Por outro lado, há países onde a maioria dos
pobres não provém das correntes migratórias, mas das calamidades sociais
daquele país; noutros países, porém, há poucos pobres locais, mas temem a
invasão dos imigrantes. Eis a razão por que o G20 me preocupa."
À pergunta sobre se a mobilidade dos
povos está em aumento, pobres ou não pobres, respondeu: "Não haja ilusões:
os povos pobres são atraídos pelos continentes e países ricos. Sobretudo pela
Europa." É também por esta razão que se deve concluir que "a Europa
deve assumir o mais rapidamente possível uma estrutura federal, sendo as leis e
os comportamentos políticos subsequentes decididos pelo governo federal e pelo
Parlamento federal e não pelos países singulares confederados?", perguntou
Scalfari. E Francisco, que já várias vezes levantou a questão, até quando falou
no Parlamento europeu: "É verdade que sim." Foi muito aplaudido e
recebeu mesmo ovações por essa afirmação no sentido do federalismo. "É
verdade. Mas, infelizmente, isso significa bem pouco. Fá-lo-ão, se se derem
conta de uma verdade: ou a Europa se torna uma comunidade federal ou não
contará nada no mundo."
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