«O
Reino de Deus vai germinando em nós no silêncio do coração e no santuário da
consciência sempre que estamos atentos ao que acontece, sabemos em quem
confiamos e dormimos em paz, como o semeador»
Jesus vive a preocupação de tornar
acessível a mensagem que anuncia. Marcos, o evangelista narrador, referindo-se
aos ouvintes, aduz o recurso a muitas parábolas “conforme eram capazes de
entender”. E acrescenta que aos discípulos tudo era explicado, em particular. É
neste contexto que surgem as sementes do campo, as aves e os ninhos em grandes
ramos. Sementes que germinam, crescem e se convertem em arbustos de jardim e em
árvores de bosques frondosos.
Jesus “utiliza uma linguagem narrativa
decalcada do real. Jesus fala de Deus contando histórias de reis e de
pescadores, de semeadores e camponeses. Uma linguagem profundamente humana,
simples, compreensível, que efectua uma comunicação aberta, englobante e não
excludente. Será assim que nós falamos das «coisas do Pai»?” (Manicardi,
Comentário á Liturgia…, p. 109).
Que preocupação admirável e apelativa!
Dir-se-ia que é melhor ficar calado e em silêncio do que falar abundantemente e
ninguém compreender nada. É melhor colocar-se ao nível cultural de quem escuta
do que exibir erudição doutrinal sonante. A solidariedade e a clareza
prevalecem sobre qualquer outra atitude de comunicação. É a lei do Evangelho
que brilha no comportamento de Jesus. É apelo que fica para sempre a todos os
educadores e mestres, a todos nós.
As parábolas da semente e do grão de
mostarda realçam a força dos contrastes: pequenez e grandeza, seio da terra e
elevação ao céu, trabalho e descanso/ócio, in-utilidade de ganhos produtivos e
benefícios de usufruição gratuita, silêncio e chilreio de aves nos seus ninhos,
a simbolizar a alegria das criaturas e a harmonia do universo. Força que
desvenda o sentido do que está a acontecer e para o qual Jesus chama com
insistência a atenção. “A missão de Jesus, afirma a propósito o comentário da
Bíblia Pastoral, é portadora do Reino de Deus e da transformação que provoca.
Uma vez iniciada, a acção de Jesus cresce e produz fruto de maneira
imprevisível e irresistível. Diante das estruturas e acções deste mundo, a
actividade de Jesus e daqueles que O seguem parece impotente e mesmo ridícula.
Mas ela cresce até atingir o mundo inteiro”.
O contraste faz brilhar de novo a força
e o alcance de que é indiciador: Jesus e o seu modo manso e humilde de agir
face ao ambiente dos fariseus, marcado pela exibição e arrogância, que o
envolve e questiona; a simplicidade do Evangelho e a exuberância de oratórias e
discursos de «encher o ouvido». Também religioso e teológico, em sermões e
homilias, em catequeses e exortações doutrinais. O Papa Francisco dá o exemplo
e deixa o apelo a que tenhamos em conta os pais que sabem conversar com os
filhos. Quanto caminho andado na renovação da comunicação! E quanto não falta
andar para que cada cristão
se sinta à-vontade na vida da fé e,
confiante, possa testemunhar a esperança que o anima num mundo, tantas vezes,
indiferente, agressivo e triste. Testemunhar e dar as razões fundantes.
O alcance das parábolas fica em aberto.
Tanto a semente como o grão não param no processo de crescimento quando atingem
a maturidade. Chega em breve a ceifa e a apanha, a trituração e o esmagamento,
a transformação do trigo em pão saboroso que se faz alimento de humanidade, de
Jesus eucaristia, e do grão em molho de mostarda que se converte em condimento
de carnes diversas e de outras iguarias. A narração de Marcos fica pela
simplicidade do que é observável, pela riqueza do símbolo, pelo alcance do
ensinamento. É bom deter-nos aqui e descer à realidade de cada um, do nosso
processo de crescimento, dos frutos da nossa vida e da beleza dos ninhos dos
nossos sonhos.
O Reino de Deus vai germinando em nós no
silêncio do coração e no santuário da consciência sempre que estamos atentos ao
que acontece, sabemos em quem confiamos e dormimos em paz, como o semeador. De
contrário, é o joio da indiferença e do prazer efémero que definem as regras de
conduta. O Reino de Deus cresce em nós na relação com o ambiente e suas
condições saudáveis ou doentias pela poluição e degradação, relação de
interacção e de mútua transformação e melhoria.
O Reino de Deus manifesta-se em nós na
fragilidade da natureza e na provoriedade do compromisso libertador, na
sobriedade da vida e na simplicidade de maneiras, na ousadia prudente e na
aceitação humilde de limites, no apreço pela memória e na valorização do futuro
desejado com equilbrío e sem ansiedade. O Reino de Deus opera em nós, de modo
especial, quando damos espaço a Jesus Cristo e ao Evangelho, aprofundamos a Sua
palavra, celebramos a liturgia na assembleia dominical e nos deixamos fazer
doação total, corpo entregue e sangue derramado por um mundo novo. E, animados
pelo Espírito Santo, vivemos a alegria da missão em todas as circunstâncias.
As referências podem facilmente
multiplicar-se. Estas pretendem apontar a direcção do mergulho interior que
somos convidados a fazer. A partir do alcance dos ensinamentos de Jesus que, na
liturgia de hoje, reveste o rosto da semente, das aves e dos ninhos.
“A linguagem simples das parábolas,
afirma Manicardi, … requer uma inteligência humilde e não arrogante, uma
sabedoria, uma capacidade de compreender em simultâneo a terra da qual se
contam as parábolas e o céu a que elas aludem. A inteligência do
mistério…situa-se no plano da sabedoria, abarca em si tanto o saber, como o
sabor, tanto a mente como o palato, tanto o espírito como o corpo. Uma inteligência
capaz de gratidão e aberta ao dom…”. Ousemos aprender esta bela lição colhida
na parábola das sementes, das aves e dos ninhos.
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