O fuzilamento do coronel Paulo Correia
aconteceu há 29 anos, mas a mulher, Rosatina Ramos Natoti, chora como se fosse
hoje, espelho das feridas que continuam abertas na Guiné-Bissau devido à
instabilidade que ciclicamente faz vítimas.
Rosantina fala pela primeira vez para as
câmaras e revela à Lusa pormenores que considera bárbaros, como o facto de
metade do corpo do marido ter sido lançado ao mar alto após o fuzilamento. O
destacado combatente guineense e proeminente membro do Governo, Paulo Correia,
foi mandado prender pelo Presidente Nino Vieira a 17 de outubro de 1985 quando
era ministro da Justiça e vice-presidente do Conselho de Estado.
Foi acusado de estar envolvido num
alegado golpe de Estado. Passou oito meses na prisão e juntamente com outros
cinco militares foram executados após julgamento militar sem observadores
internacionais, tendo as penas sido comutadas a outros condenados.
“Aquilo foi um crime, porque não havia
nenhum golpe. Assassinaram as pessoas sem razão. Era só inveja porque o Paulo
começou do nada” e era uma figura que mobilizava muitos jovens, recorda
Rosantina.
“Foi para a luta com a quarta classe e
quando voltou não tinha vergonha de ir para o liceu continuar os estudos”.
Antes do fuzilamento, Rosantina tinha
trazido os filhos de Lisboa para Bissau, porque queriam ver o pai.
São quatro irmãos: três raparigas e um
rapaz. “O Nino disse-me: ‘não tem problema, traz os miúdos’. O que me faz mal,
mesmo mal, é que os miúdos chegaram numa quarta e na outra quinta-feira ouviram
na rádio que o pai foi fuzilado”.
“O Vladimir, que tinha 12 anos, foi logo
para o Porto do Pindjiquiti. Queria ir para Bolama fazer o serviço militar para
matar todas as pessoas que mataram o pai. Foi um choque”, recorda Rosantina
emocionada.
O fuzilamento de Paulo Correia e os
acontecimentos e as emoções que o rodearam é só um de muitos casos e muitas
mortes na Guiné-Bissau que estão por averiguar.
“Não sei quando é que isso vai acabar no
meu coração”, reconhece a viúva de Paulo Correia.
“Se puderem fazer uma reabilitação do
nome do Paulo, talvez isso me pudesse contentar. Há muitas pessoas que passaram
todo o tempo de juventude na luta. Nem parece que deram a vida e a juventude
por essa terra”, porque hoje já ninguém fala delas – perdidas entre homicídios
ligados a golpes e contra-golpes.
O presidente da Assembleia Nacional
Popular, Cipriano Cassamá, propôs este ano que se erga uma estátua a Nino
Vieira, mas Rosantina considera que, antes disso, Paulo Correia e outros devem
ter um merecido reconhecimento. Caso contrário, “a estátua não vai durar
muito”.
“Temos que que dar prioridade. O Nino
morreu há pouco tempo. O Paulo morreu há 30. Quer dizer que o Paulo não foi
nada para o PAIGC? Não admito isso”, refere à Lusa. A viúva reivindica um lugar
para Paulo Correia na história da Guiné-Bissau, é o que deseja, mais do que
qualquer processo judicial que averigue o passado, até porque guarda más
memórias da justiça guineense.
“Disseram que estavam a fazer um
julgamento [militar], mas não era. O advogado do Paulo era cunhado do Nino e,
por isso, disse-me que era obrigado a fazer o que Nino dizia”.
Quando o conheceu, Rosantina precisou
apenas de um mês e alguns dias para se convencer que tinha que casar com Paulo
Correia. Cruzaram-se em maio de 1982, no norte do país, ela enquanto membro de
um centro de formação e ele como ministro da inserção social, que se deslocou
ao local. Casaram em julho do mesmo ano. “Nunca vi um homem tão modesto e
honesto como o Paulo. Por isso aceitei o casamento rápido”
A imagem que guarda do marido revolta-a
ainda mais quando se recorda do fim que lhe estava reservada, que classifica de
“bárbaro”. “Houve fuzilamentos e enterraram-nos. Mas ao Paulo não: cortaram-no
ao meio, em dois. Puseram-no num helicóptero e metade foi deitada no alto mar.
Porquê? Porquê”, pergunta Rosantina, em lágrimas.
“Ouvi falar que o Nino disse que se o
enterrassem completo, o Paulo ia levantar-se. Porque na luta armada o Paulo
morreu, puseram-no debaixo de uma árvore, cobriram-no e depois encontraram-no
na tabanca [aldeia]. Que o Paulo era capaz de se levantar depois do
fuzilamento. Que barbaridade é essa?”
A espiral de conflitos parece não ter
fim, lamenta a viúva, olhando para o presente, a partir de França, onde reside.
“Nós todos estivemos com esperança nesse
partido e nesse Governo”, liderado por Domingos Simões Pereira, “mas o que
aconteceu agora foi realmente um choque para todo o mundo”.
O Presidente da República, José Mário
Vaz, demitiu o primeiro-ministro, um ano depois de terem feito campanha juntos
e de terem ganhado as eleições pelo Partido Africano da Independência da Guiné
e Cabo Verde (PAIGC) e a incerteza volta a pairar sobre o país. Ouvir aqui -a a mulher do Coronel Paulo Correia, Dona Rosatina Ramos Natoti
É só sofrer daí alguns anos tudo irá passar!
ResponderEliminarÉ só sofrer daí alguns anos tudo irá passar!
ResponderEliminarTá. um dia tocará a teus familiares, vais sofrer e não pedes a justiça
ResponderEliminarHáveremos de voltar a ser como nós era antes,sim a de chegar o dia k todo o mal se apartará de nós,.... Aviva Guiné
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