segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Quando se esgotará a estratégia do PAIGC de pessoalização de seus fiascos como forma de (auto) legitimação?

Por, Dr. Timóteo Saba M’bunde

A Guiné-Bissau é permeada por uma das mais críticas crises políticas de sua tenra democracia, um dos mais profundos e prolongados impasses políticos e institucionais do seu curto e tumultuado percurso de experiência democrática. Mais uma vez, quase como sempre, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) é autor e actor dessas tacanhas e vexaminosas disputas políticas que, primeiramente, castigam social e economicamente o já martirizado povo guineense e em segundo plano reemitem ao mundo a recorrente imagem de ausência de seriedade e organização política e institucional do Estado guineense, cuja soberania nacional foi lograda pelo próprio PAIGC há mais de quatro decênios.

A corrente crise política, a qual conheceu o seu apogeu com a nomeação e posse do governo de Baciro Djá, se caracteriza por congelamento de normal processo de institucionalidade estatal, tendo o mesmo paralisado plenamente as relações entre os poderes executivo e legislativo. Aliás, este último se nega ipsis litteris a cumprir com as obrigações legislativas a ele delegadas pelo povo. A paralisia institucional em causa é inequivocamente concebida e deliberada como um mecanismo estratégico de constrangimento ao Presidente da República a pôr termo a esta legislatura ou ao governo de Djá contestado pelo PAIGC, certo?

Disse que esse foi o momento auge da crise política em análise porque há dois anos o imbróglio já tinha se revelado a todos quando o primeiro magistrado da nação depós o primeiro governo desta legislatura. Portanto, é irrefutável que a destituição daquele governo, algo que defendi como não ideal naquela ocasião antes mesmo de sua concretização, precipitou todo o processo de radicalização política que hoje inunda o cenário político guineense. Do decreto presidencial que exonerou o referido governo criou-se e consolidou-se a narrativa política de que o Presidente José Mário Vaz
(JOMAV) foi o único factor de hodierno impasse político. Sim, o único, não o PAIGC.

Ao ter a sua imagem fortemente ligada ao chamado grupo dos 15 deputados dissidentes e expulsos do partido independentista – é incontestável que o Chefe de Estado sempre se associou a esta ala – Vaz e os “parlamentares insubmissos” foram apontados pelo PAIGC como causa da paralisia política e institucional a que o país foi propositadamente submetido. De novo, estes sim, não o PAIGC.

Quando o Partido de Renovação Social (PRS) – o qual foi aliado dos libertadores no primeiro governo da actual legislatura – integrou o vigente governo patrocinado pelo Chefe de Estado, ao lado de Mário Vaz os renovadores se revelavam no discurso político do PAIGC como uma organização partidária usurpadora do poder que não lhe era legítimo. Por conseguinte, mais uma vez, o partido de milho e arroz estava, conforme o PAIGC, a colaborar pela fragilização democrática e consequente debilidade governativa e institucional. Nesse caso, contudo, como os mais atentos às minhas análises, devem ter ciência, argumentei desde o primeiro momento de que a associação do PRS ao governo do PAIGC não faria bem aos libertadores em termos da reconciliação e coesão que estes últimos necessitavam, e nem era normativamente salutar à nossa delicada democracia que se desprovia de oposição parlamentar naquele momento, além do próprio facto de que o eleitor havia outorgado o partido vencedor para governar com a maioria.

Penso que não seria intelectualmente honesto e neutro dissociar tanto o Presidente JOMAV quanto os deputados dissidentes e afastados do partido da culpa pelas causas que contribuíram pela vigente crise política. Em outras palavras, os mesmos têm a sua quota-parte de responsabilidade para a efectivação desse quadro conflituante. E muito menos seria procedente e tolerável isentar o PAIGC da culpa de um conflito do qual ele mesmo é autor, não obstante constituir também vítima do mesmo – a despeito do povo da Guiné-Bissau ser o principal lesado.

A narrativa política do PAIGC sobre esta crise é construída a partir de uma estratégia que dissocia o Presidente da República e os 15 deputados do partido, como se estes pertenciam no momento da eclosão do conflito a uma outra agremiação e não ao PAIGC. Este tipo de narrativa busca evitar tachar o PAIGC como instituição e partido fragilizado, fragmentado e fonte histórica de produção de tensões políticas no país. Esse discurso estratégico de pessoalização dos fracassos e conflitos políticos emanados do PAIGC como forma de se resguardar de eventual estigmatização do partido enquanto instituição, o qual sempre foi instrumentalizado em outros momentos críticos do partido de Cabral, encontra com relativa facilidade a adesão popular. Entende?

O imaginário colectivo que confunde o PAIGC com o Estado, o qual se propaga nacionalmente sem significativa contrariedade, tende a ser uma boa explicação para esse facto. Política e partidariamente essa estratégia, associada a outros factores, evidentemente, tem sido eleitoralmente eficaz para os libertadores, entretanto tem contribuído pelo não ou pouco enfrentamento dos problemas estruturais do partido e do próprio Estado. Sim, do próprio Estado também. Excepto o período 20002003, o PAIGC governou o país desde a independência e não prezou pela institucionalidade e organização administrativa do Estado, tendo constituído o presente tragicómico imbróglio politico um oportuno exemplo de fragilidade institucional e desacatos judiciais, revelando uma sistemática violação dos preceitos básicos de convivência republicana montesquiana de freios e contrapesos.


É incerto se viveremos tempos em que se esgotará aos olhos populares a estratégia do PAIGC de transferir às pessoas os seus fiascos políticos e partidários como forma de se legitimar como instituição partidária. 

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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