Anselmo Borges no Diário de Notícias
Ainda os diálogos do Papa Francisco e de
Dominique Wolton: Politique et société. Se há palavra que atravessa o livro
todo é a palavra diálogo. "Como é que a Igreja poderia contribuir hoje
para a mundialização?", pergunta Wolton. E Francisco: "Pelo diálogo.
Penso que sem diálogo hoje não é possível. Mas um diálogo sincero, mesmo se for
preciso dizer na cara coisas desagradáveis." Foi a avó que lhe abriu as
portas da "diversidade ecuménica". Criança, viu umas senhoras do
Exército da Salvação e perguntou: são freiras? "Não, são protestantes, mas
são pessoas boas." De facto, marcou-o, pois, por exemplo, estamos a
celebrar os 500 anos da Reforma e, pela primeira vez, isso acontece com
católicos e protestantes, e, depois de tudo quanto na Igreja se tinha ouvido
sobre Lutero - "os protestantes iam para o inferno" -, Francisco veio
dizer que ele foi "um pioneiro religioso, uma testemunha do Evangelho e um
mestre da fé... A intenção de Lutero foi renovar a Igreja, não dividi-la. Era
um reformador. Havia corrupção na Igreja, mundanismo, obsessão pelo dinheiro,
pelo poder". E encontrou--se com o patriarca de Constantinopla,
pedindo-lhe a bênção, e com o de Moscovo.
O diálogo, e concretamente o diálogo
inter-religioso, "não significa porem-se todos de acordo. Não. Significa
caminhar juntos, cada um com a sua própria identidade". Wolton: "E,
no diálogo com o islão, não seria necessário pedir um pouco de reciprocidade?
Não há verdadeira liberdade para os cristãos na Arábia Saudita e nalguns países
muçulmanos. É difícil para os cristãos. E os fundamentalistas islamistas
assassinam em nome de Deus." Francisco: "Eles não aceitam o princípio
da reciprocidade. Alguns países do Golfo também são abertos e ajudam-nos a
construir igrejas. Porque é que são abertos? Porque têm trabalhadores
filipinos, católicos, indianos... O problema na Arábia Saudita é uma questão de
mentalidade. Todavia, com o islão, o diálogo avança bem, porque, não sei se
sabe, o imã da Universidade de Al--Azhar, no Cairo, Ahmed Mohamed el-Tayeb,
veio visitar-me e eu retribuí a visita. Penso que lhes faria bem a eles fazerem
um estudo crítico do Alcorão, como nós fizemos com a nossa Bíblia. O método
histórico e crítico de interpretação fá-los-á evoluir."
Francisco reconhece, portanto, que para o
diálogo inter-religioso é fundamental não tomar os livros sagrados à letra: é
necessária uma leitura histórico- crítica. Outro princípio essencial para a
liberdade religiosa e a paz entre as religiões tem que ver com a laicidade do
Estado, isto é, o Estado não pode ser confessional, o Estado deve ser laico.
Para garantir a liberdade religiosa de todos: ter esta religião ou aquela,
nenhuma, poder mudar de religião. Francisco: "O Estado laico é uma coisa
sã. Há uma sã laicidade. Jesus disse-o: é preciso dar a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus. Somos todos iguais diante de Deus." Mas
laicidade não é laicismo. Neste, constrói-se "um imaginário colectivo no
qual as religiões são vistas como uma subcultura". É necessário
"elevar" um pouco o nível da laicidade mediante "a abertura à
transcendência". Que quer dizer "um Estado laico "aberto à
transcendência"? Que as religiões fazem parte da cultura, que não são
subculturas. Quando se diz que não se deve colocar cruzes visíveis ao pescoço
ou que as mulheres não devem levar isto ou aquilo, é uma estupidez. Porque uma
e outra atitude representam uma cultura. Um leva uma cruz, outro outra coisa, o
rabino a kipa, o papa o solidéu" [risos]. "Esta é a sã laicidade. Há
exageros, nomeadamente quando a laicidade é colocada acima das religiões.
Porventura as religiões não fazem parte da cultura? Serão subculturas?"
Wolton pergunta como é possível chegar ao
diálogo com os ateus e os não crentes. Francisco responde que fazem parte da
realidade. Há pontos de vista diferentes, mas "a realidade é a
verdade". As pontes são o nosso diálogo. Mas deve partir-se da realidade, não
da teoria, e "procurar juntos, é um caminho de busca. Procurar".
Wolton insiste: "Seja como for, que fazer? Os ateus fizeram muito pela
libertação social, política, pela democracia desde o século XVIII. O que é que
a Igreja faz? A Igreja diz muitas vezes que "os espera". Mas se são
ateus não precisam da vossa espera. Então, como dialogar? Que fazer com os
ateus? Porque a Igreja matou muitos..." Francisco: "Noutras épocas,
alguns diziam: "Deixai-os tranquilos, irão para o inferno.""
Wolton: "Claro" [risos]. Francisco: "Mas nunca devemos falar com
adjectivos. A verdadeira comunicação faz-se com substantivos. Isto é, com uma
pessoa. Essa pessoa pode ser agnóstica, ateia, católica, judia..., mas isso são
adjectivos. Eu, eu falo com uma pessoa. É um homem, é uma mulher, como eu. Um
jovem perguntou-me na Polónia: "Que dizer a um ateu?" Respondi-lhe:
"A última coisa que deverás fazer é pregar a um ateu. Tu deves viver a tua
vida, tu escuta-lo, mas não deves fazer apologia". O diálogo deve fazer-se
com a experiência humana. Podemos falar de muitos temas que temos em comum:
problemas éticos, coisas humanas. Do que pensamos, dos problemas humanos, como
comportar-se... Podemos debater sobre o desenvolvimento humano. E quando se
chega ao problema de Deus, cada um diz a sua escolha. Mas escutando o outro com
respeito... Podemos falar sem medo - tu és ateu, eu não... mas falemos. Ambos
acabaremos no mesmo lugar. Seremos ambos comidos pelos vermes!"
Wolton: "O que é mais difícil: o
diálogo ecuménico ou o diálogo inter-religioso?" Francisco: "Segundo
a minha experiência, diria que o inter-religioso foi mais fácil do que o
ecuménico. Tive muitos diálogos ecuménicos e gosto muito. Mas, se compararmos,
o inter--religioso foi mais fácil para mim. Porque se fala mais do homem..."
Wolton: "Quando se está próximo, tudo é difícil. Quando se está afastado,
é mais fácil. É estranho."
Por
decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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