A Igreja destaca o encontro definitivo
com Jesus, o Senhor, para o início do Ano litúrgico. É uma atitude muito
humana, de sábia pedagogia. Semelhante à do corredor que se lança na pista
tendo bem presente a meta a alcançar. Os seus esforços estão todos ao serviço
do êxito pretendido: escolha da posição no grupo de colegas que correm em
conjunto, marcação de ritmos, reabastecimento de energias, aceitação
benevolente do apoio dos circunstantes; tudo converge em alcançar o objectivo
desejado; tudo está animado pela esperança activa e vigilante; tudo a aguardar
que o sonho se converta em realidade e a surpresa supere a expectativa. Em cada
passo, está já o começo da meta.
Marcos, o autor dos relatos dos
episódios da vida de Jesus que se lêem nas celebrações dominicais deste ano,
apresenta uma parábola em que visualiza a atitude dos discípulos perante o que
vai acontecer. Situa-a no conjunto dos últimos ensinamentos de Jesus, antes de
entrar no processo da paixão. Recorre a um estilo sóbrio e persuasivo. Aduz o
exemplo da figueira estéril, do ladrão inclemente. Anuncia que haverá sinais a
observar e a interpretar: sinais característicos dos tempos da grande
tribulação, típicos de uma nova situação a emergir. E conclui: Vigiai para que
não terdes a consciência ensonada e serdes surpreendidos.
A parábola é emblemática e breve a sua
narração. (Mc, 13-33-37). Um homem faz uma viagem e confia os cuidados da casa
aos seus empregados, assinalando a tarefa de cada um. Encarrega o porteiro do
cuidado especial de vigilância. E deixa-os na expectativa de quando será o
regresso. Marcos, tendo presente as quatro vigílias da noite que os soldados
romanos observavam para mudar de turno, vai mencionando o cair da tarde, a
meia-noite, a madrugada, o amanhecer. Pode ser a qualquer hora. Fica tudo em
aberto. Não porque o dono da casa fomente a ansiedade ou queira provocar o
sobressalto. Seria masoquismo. Mas porque ama os seus empregados e quer que
desenvolvam capacidades adormecidas em tempos de acomodação, de certezas
rígidas, de seguranças costumeiras; capacidades como a atenção ao que acontece
à nossa volta e mais longe, o discernimento dos sinais que interpelam a nossa
indiferença, a paciência no tempo de espera, a confiança que o encontro se
realizará e que a festa do regresso se celebrará, a aventura de avançar na vida
como se o Invisível se deixasse ver. E o dono volta. E o advento do Senhor
Jesus acontece em Natal de plenitude.
Entretanto, prestai atenção: Vigiai! Que
a surpresa não vos apanhe de improviso pela vossa dormência e indiferença. Esta
consigna dada aos empregados, passa aos discípulos ouvintes e alarga-se a todos
sem distinção. “O que vi digo a vós, digo-o a todos. Vigiai!”.
Vigiai, cuidando da minha casa feita em
harmonia e biodiversidade, confiada desde os alvores da criação ao homem e à
mulher, espelho da minha imagem e semelhança; velai para que seja um jardim onde
dê gosto viver e conviver em cordial relação de amizade e gestão de recursos;
velai pela hierarquia de verdades e não vos deixeis confundir por ideologias
que visam alterar todo o sistema orgânico deste conjunto vital que vos deixo
como herança.
Tende cuidado convosco. Respeitai-vos
mutuamente como irmãos em humanidade, que eu quero ajudar a salvar. Que não
haja sangue inocente derramado por ódio, retaliação, perseguição de consciência
ou guerra de religião. Sois todos irmãos! Removei o que pode provocar
distúrbios semelhantes. Vigiai pelo sustento de todos, sem distinção: comida
saudável suficiente, água potável, cuidados de saúde integral, economia
solidária sustentável, convivência em harmonia e estima mútua, abertura aos
valores que expressam a nobreza humana de cada um, resposta consciente ao amor
que Deus Pai vos tem. Sois Seus filhos e meus irmãos! Velai pela herança que
vos confio. Olhai que nos espera um futuro de família em comunhão.
Aceitai a minha companhia, feita dom e
guia, graça de misericórdia e amor de reconciliação. Desenvolvei a atitude
teologal da fé, esperança e caridade. Reuni-vos como irmãos em assembleias
dominicais, lede a palavra que vos deixo e comungai com dignidade o sacramento
do meu corpo e sangue, a Eucaristia. É alimento para o vosso caminhar de
peregrinos confiantes. Valorizai a Igreja, instituição em transformação
missionária para ser cada vez mais serviço de salvação universal. Não vivais de
saudades melancólicas. Avancemos, como atletas no estádio. Lembrai-vos do exemplo
de Abraão, Moisés e tantos outros. Lede com atenção a carta aos cristãos de
Roma que evoca a memória de quem pela fidelidade a Deus no quotidiano se tornou
verdadeiramente exemplar. E atendei ao testemunho de Paulo, meu apóstolo, que
se porta, como corredor de fundo: “Irmãos, não acho ter já alcançado o prémio,
mas uma coisa faço: esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está
adiante. Lanço-me em direcção à meta, em vista do prémio do alto, que Deus nos
chama a receber em Jesus Cristo” (Fl 3, 13 e 14). A meta está já no primeiro
passo da corrida. Procuremos iniciar bem e manter bom ritmo. A árvore está
contida no gérmen da semente. Como o agricultor solícito, tratemos dela com
cuidado. A surpresa do futuro prepara-se no presente.
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