É um daqueles livros que nos obrigam a
reflectir, porque andamos em lamúrias inconsequentes, não colocando os
problemas onde devem ser colocados. Evidentemente, seria de lamentar se esse
livro nos arrancasse à obrigação de continuar a pensar. De facto, os problemas
estão aí, imensos, mas já diferentes do que normalmente julgamos. O livro teve,
com mérito, enorme sucesso. O seu autor: Johan Norberg. O título: Progresso. O
subtítulo: Dez razões para ter esperança no futuro. Razões fundamentadas.
O autor sabe dos problemas que nos
afligem. "Terrorismo. Estado Islâmico. Guerra na Síria e na Ucrânia.
Crime, homicídio, execuções em massa. Aquecimento global. Fomes, cheias,
pandemias. Estagnação, pobreza, refugiados. "Destruição e desespero em
toda a parte", como uma mulher declarou num inquérito de rua quando a
rádio pública lhe pediu para descrever o estado do mundo. É isso que vemos nos
noticiários e parece ser a história dos nossos dias. Cinquenta e oito por cento
dos que votaram para a Grã-Bretanha sair da União Europeia no recente referendo
levado a cabo no país dizem que a vida hoje é pior do que há trinta anos."
Há razão para todo este pessimismo? Ou o
que se passa é que os meios de comunicação social só se interessam pelas más
notícias, porque as boas não são notícia? "Os jornalistas estão sempre à
espreita da história mais dramática na área geográfica por eles coberta".
Mas o que é facto é que "o mais importante da nossa época é estarmos a
assistir à maior melhoria dos padrões de vida globais jamais registada.
Pobreza, malnutrição, analfabetismo, mão de obra e mortalidade infantis estão a
descer mais depressa do que em qualquer outro período da história humana. Ao
longo do último século, a esperança de vida aumentou mais de duas vezes o que
aumentou nos duzentos mil anos anteriores. O risco de exposição de um indivíduo
à guerra, à morte numa catástrofe natural ou à ditadura em nenhuma outra época
foi mais pequeno. Uma criança que nasça hoje tem mais probabilidades de
alcançar a idade da reforma do que os seus antecessores tinham de comemorar o
quinto ano de vida". Evidentemente, não se pode ser ingénuo e ficar cego
frente às guerras em curso, a crimes, às catástrofes, à pobreza e à miséria no
mundo. Todos esses problemas são terrivelmente reais, tanto mais quanto os
meios de comunicação social nos obrigam a tomar consciência deles. "A
única diferença é que agora encontram-se em rápido declínio. O que hoje vemos
são excepções, ao passo que antes eram a regra."
Este progresso arrancou concretamente
com o iluminismo intelectual dos séculos XVII e XVIII. Desde então continuamos
a acumular conhecimentos, científicos e de outras ordens e "cada indivíduo
pode basear o seu contributo nos das centenas de milhões de pessoas que o
precederam, num círculo virtuoso". "Seria um erro terrível"
ignorar os problemas, as ameaças constantes, os perigos, e tomar os progressos
da humanidade como garantidos. Mas este livro é "sobre os triunfos da
humanidade". E aí ficam as dez razões para ter esperança no futuro.
1. A mais básica das necessidades
humanas consiste em obter energia suficiente para que o corpo e a mente
funcionem, o que ao longo da história as pessoas nem sempre conseguiram. É
indescritível o que se passou no decorrer dos tempos, também na Europa, neste
domínio. "Os franceses e os ingleses do século XVIII ingeriam muito menos
calorias do que a média actual na África subsariana, a região mais atormentada
pela subnutrição". No centro da França, em 1662, "houve quem comesse
carne humana". No passado, trabalhava-se menos horas, e o motivo disso não
deve causar inveja: as pessoas não tinham acesso às calorias necessárias para
as crianças crescerem saudáveis e os adultos manterem funções corporais sadias.
As novas tecnologias agrícolas, os fertilizantes artificiais, a Revolução
Verde, o comércio internacional, entre outras, foram armas decisivas contra o
flagelo da fome. A Suécia, país dos antepassados do autor, foi declarada livre
da fome crónica no início do século XX. Também por isso, a população mundial
passou de 1,6 mil milhões de pessoas em 1900 para os actuais mais de 7 mil
milhões. Pela primeira vez na história da humanidade, o problema da comida
começou a encontrar solução - nalguns casos até começou o problema contrário: o
da obesidade - e de 1950 a meados dos anos 80, a população do mundo duplicou,
passando de 2,5 mil milhões para 5 mil milhões. E, contra os pesadelos de
Malthus, "conforme se tornaram mais ricas e aumentaram a educação, as pessoas
começaram a ter menos filhos, e não mais, como se previa", o que, aliás,
digo eu, por vezes, levanta problemas dramáticos, como é o caso de Portugal.
2. Saneamento. Para sustentar a vida,
não basta a comida. É fundamental tratar resíduos e desperdícios. Sem isso, a
água, essencial para a vida, fica contaminada e torna-se transmissora de
calamidades, espalhando bactérias, vírus, parasitas, vermes. "Embora
difícil de quantificar, parece que o principal problema de saúde ambiental do
mundo continua a ser a contaminação da água para beber e para uso doméstico,
combinada com a inexistência de um saneamento adequado para a eliminação de
resíduos, fezes e urina." "Há relatos contemporâneos de aristocratas
a defecar nos corredores de Versalhes e do Palais Royal. Na verdade, as sebes
de Versalhes eram altas para servirem de divisórias entre os que aí se iam
aliviar." Em 1980, "apenas 24 por cento da população mundial tinha
acesso a saneamento decente. Em 2015, esse número subiu para 68 por cento".
A maior percentagem de população sem água nem saneamento vive na África
subsariana, mas, mesmo aí, houve "um aumento de 20 pontos percentuais no
uso de água potável de fontes melhoradas de 1990 a 2015". Continuaremos.
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