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sábado, 23 de janeiro de 2016

GUINÉ-BISSAU: BASTA É O TITULO DE UMA ENTREVISTA AO JORNAL A BOLA DADA PELA (EX-MINISTRA DA JUSTIÇA DO GOVERNO DE LIDERADO PELO DOMINGOS SIMÕES PEREIRA), CARMELITA PIRES

Havendo necessidade de um esclarecimento sobre a atual situação política, ainda antes de darmos início à nossa argumentação jurídica e análise constitucional, façamos um pequeno resumo de como chegámos a esta situação caótica, de desregulação institucional e de subversão dos mais elementares princípios do Direito ou mesmo do simples bom senso.

Tudo gira em torno daquilo que se passou no dia 18 de Janeiro na Assembleia Nacional Popular (ANP), que passo a tentar resumir: estava reunido o plenário, tendo por ordem de trabalho a «segunda volta» do Programa que deveria ditar o futuro do Governo, que se encontrava presente, estando assim reunidas todas as condições requeridas.

O ex-presidente da ANP transportava um pesado fardo de abuso de autoridade num passado recente, de desrespeito pelo plenário, pelos prazos constitucionais, pelas ordens de trabalho e, em última análise, pelos deputados e deputadas da Nação nominalmente eleitos, na expectativa sempre frustrada de conseguir reunir uma maioria favorável aos seus intentos.

Ao verificar que o Comissário da Polícia da Ordem Pública (POP), José António Marques, cumprira os procedimentos legais, baseando-se no Boletim Oficial, e o resultado seria de novo desfavorável, pela enésima vez, Cipriano Cassamá anunciou a suspensão invocando «falta de condições de segurança». No entanto, nunca a segurança fora tão forte, como nesse último dia do Governo de Carlos Correia, em que até o ex-Primeiro-Ministro foi revistado, para entrar no hemiciclo.

Ora as reuniões da plenária só podem ser interrompidas nos termos do art.º 69.º do Regimento da ANP.

Quanto aos argumentos jurídicos, em defesa da legitimidade do novo Presidente da Mesa da ANP, Alberto Nambeia, julgo que foi sobre os artigos 23.º e 24.º do Regimento, que incidiram as principais críticas, pelo que quero começar precisamente por aí. O Artigo 23.º fala-nos sobre o Mandato do Presidente da ANP. O legislador traduz a configuração assumida pelo Parlamento, pelo que, no caso de alterações substanciais na maioria, é lícito que esta maioria, em democracia, assuma esse mandato em consonância, em nome do povo.

E o Artigo 24.º prevê a Substituição do Presidente da ANP. O ex-presidente deu FALTA DE COMPARÊNCIA (pois a sessão parlamentar fora suspensa e não encerrada, como o próprio defendeu posteriormente), e viu-se IMPEDIDO de continuar, embora estivesse presente nas instalações da ANP.

O ex-presidente da ANP reuniu assim cumulativamente as condições de faltoso e de impedido. Verificando-se o QUÓRUM (art.º 60.º do Regimento) suficiente para permitir deliberar. Em consequência, nos termos constitucionais e regimentares, o colectivo parlamentar validou o segundo Vice-Presidente, conforme estipulado no primeiro ponto desse artigo 24.º, para dar provimento à substituição do ex-Presidente, considerado indigno para o exercício do cargo, após recorrentes e grosseiras violações do Regimento e do respeito devido à dignidade da instituição.

Em síntese, o PAIGC praticou uma série de atropelos e deslealdades, recorrendo à sua máquina de manipulação, protelando indefinidamente qualquer solução que lhe fosse desfavorável, abusando dos mais absurdos subterfúgios legais para subverter Constituição e regras regimentais da ANP.

Perante a sucessão de inúmeros pequenos golpes na legalidade, a paciência esgotou-se. A Assembleia Nacional Popular é o órgão competente por excelência para dirimir esta alegada crise, como recentemente se resolveu em Portugal, porque tem mecanismos próprios à luz do Regimento e da Constituição da República, porque se deve evitar a judicialização dos atos políticos. Os problemas políticos devem ser resolvidos politicamente.

O Governo de Carlos Correia caiu no momento em que abandonou o Parlamento e cabe agora ao Presidente da República convidar o PRS para propor uma solução política.

O ex-Governo não tem condições políticas para continuar a reunir em Conselho de Ministros, ou sequer a invocar a qualidade de governantes. Entre os casos feridos de ilegitimidade, está a exoneração apressada e arbitrária, na Segunda-Feira passada, do Comissário da POP, a qual deve ser, para todos os efeitos, considerada nula e inexistente.

Quanto aos deputados do PAIGC, deverão voltar aos seus lugares, sob pena de perda de mandato, essa sim, justificada, por absentismo. Ou seja, da desagregação da antiga maioria saída das últimas eleições de 2014 resultou uma nova maioria, que devemos acreditar empenhada na estabilidade político-governativa do País, coisa que o PAIGC já demonstrou ser incapaz de oferecer, apesar de ter reunido todas as condições para tal.


Na lógica da doutrina constitucional do nosso sistema parlamentar, os governos formam-se com a base em maiorias que possam garantir a governabilidade, e não forçosamente nas maiorias saídas das urnas, como aliás recentemente se verificou em Portugal, e se está a desenhar em Espanha, para não falar do caso do Luxemburgo.

terça-feira, 3 de março de 2015

Ministra de justiça da Guiné-Bissau, Carmelita pires, disse hoje que tem “Um sonho de mudança”

  • Sua Excelência Senhor Presidente da República;
  • Sua Excelência Senhor Primeiro Ministro;
  • Venerando Presidente do Supremo Tribunal da Justiça;
  • Venerando Presidente do Tribunal de Contas;
  • Venerando Presidente do Tribunal Superior Militar;
  • Digníssimo Procurador-Geral da República;
  • Ilustre Bastonário da Ordem dos Advogados;
  • Senhores Ministros, Excelências;
  • Senhores Chefes das Bancadas Parlamentares, Excelências;
  • Venerandos Juízes Conselheiros;
  • Digníssimos Procuradores-Gerais Adjuntos;
  • Venerandos Juízes Desembargadores;
  • Suas Excelências Senhores Deputados da Assembleia da República;
  • Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bissau;
  • Senhores Membros dos Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e da Magistratura do Ministério Público;
  • Senhora Presidente da Comissão de Direitos Humanos;
  • Senhores Membros do Corpo Diplomático e de Organismos Internacionais acreditados na Guiné-Bissau;
  • Caros parceiros de cooperação;
  • Senhores Magistrados e ilustres Advogados;
  • Senhores Funcionários do Ministério da Justiça;
  • Distintos convidados;
  • Minhas Senhoras e Meus Senhores;
  •  

Excelências;

Nesta Abertura Solene do Ano Judicial 2015, decorrido meio ano de governação, não vou queixar-me da imensidão de trabalho com que deparei. No nosso país, quase tudo continua por fazer. Quando aceitei tomar a peito este grande desafio, tinha plena consciência das dificuldades que me esperavam e de que seria necessário enterrar as «mãos na lama».

O Governo executa, de momento, um Plano de Urgência e elaboramos um Programa de Reforma a apresentar à Mesa Redonda de Doadores - a realizar brevemente - com os primeiros passos de uma inadiável Reforma do sector, na expectativa de conseguir arranjar financiamento para o cumprimento desse ambicioso Programa, sem prejuízo de uma abordagem estratégica estabelecendo prioridades, para uma utilização racional dos magros recursos de que podemos dispor.

A pretexto da abertura deste ano judicial, permitam-me que, no cumprimento das minhas incumbências institucionais, partilhe publicamente um DIAGNÓSTICO SUCINTO do setor da Justiça, arrolando os múltiplos constrangimentos com que este se depara.

As principais críticas reportam-se:

À morosidade do sistema judicial, com atrasos processuais crónicos, redundando numa perceção pública de inconclusividade, agravada pela ideia de um produto errático, caro e vulnerável à corrupção;

À absoluta necessidade de atualização dos registos de identidade individual e coletiva, de instituir uma cobertura geográfica e cadastral sobre todo o território nacional;

Ao facto de a legislação se encontrar, na maioria dos casos, obsoleta e carente de adaptação aos vários acordos internacionais assinados;

Ou ainda a um deficit de procuração pública em relação a crimes não esclarecidos, cometidos desde a Independência, casos cuja improcedência tem contribuído para a generalização de um sentimento de impunidade.

Excelências,

Reconhecendo pragmaticamente a incapacidade da Justiça para recuperar os atrasos que foi acumulando na sua atuação, chamamos a atenção para a novidade que representa a proposta de criação de uma AUTORIDADE DA MEMÓRIA E JUSTIÇA. Com este gesto de reconciliação com o passado, pretende-se assumir o DIREITO DAS VÍTIMAS A UMA REPARAÇÃO, bem como o direito da posteridade a conhecer a VERDADE HISTÓRICA, fomentando o espírito de ARREPENDIMENTO DOS CULPADOS.

Ora, plagiando um poema guineense recente, a culpa será sempre culpa. Devemos guardar as nossas forças para encarar os desafios que o futuro nos reserva. Simplesmente, não queremos voltar a cair nos mesmos erros e por isso a condição que colocamos aos autores confessos de crimes de cariz político-militar enquadrados nessa figura, é a da NÃO REINCIDÊNCIA. Queremos inaugurar uma NOVA ERA DE JUSTIÇA COM J GRANDE. E para isso, muito trabalho nos espera. E estamos perante um DILEMA GERACIONAL: se as atuais lideranças políticas não conseguirem institucionalizar o Estado, recuperando a confiança das populações, sobretudo agora que para isso possuem MANDATO POPULAR INEQUÍVOCO, perderemos definitivamente o comboio do desenvolvimento, esgotando-nos em querelas internas inúteis.

Ambicionamos criar as condições para UMA NOVA PARTIDA. Para que ninguém se sinta tentado a tomar essa benevolência e magnanimidade - de que agora usamos, por compreendermos o anterior período de fragilidade judicial e a forte reatividade envolvida - como um sinal de fraqueza. Que não é. Antes pelo contrário. Tem por contrapartida fortes exigências e conotações, no sentido da IMPLACABILIDADE FUTURA.

Sua Excelência Senhor Presidente do Supremo Tribunal da Justiça,

O Ministério da Justiça está empenhado não só em aumentar drasticamente a celeridade processual, aumentando o nível de exigência, como em recuperar os atrasos que se verificam no panorama judicial. NÃO PODEMOS CONDESCENDER, QUANDO É A CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA QUE ESTÁ EM CAUSA.

O Governo está a fazer um grande esforço para REGULAMENTAR E CODIFICAR, por vezes coisas tão básicas como o Código da Estrada, que há muito se revelava desadequado. Esperamos enquadrar muita legislação avulsa, incompleta e desatualizada. Nessa consolidação, que se impunha, esperamos incluir não apenas as obrigações de transposição para a lei nacional, decorrentes de acordos internacionais ou sub-regionais já assinados, como considerar igualmente as RECOMENDAÇÕES DE BOAS PRÁTICAS, sempre levando em consideração a sua exequibilidade nas NOSSAS CONDIÇÕES SOCIOLÓGICAS E IDENTITÁRIAS ESPECÍFICAS. Perante esse NOVO QUADRO LEGAL, a Justiça terá então plena legitimidade para exigir o seu integral cumprimento, decretando tolerância zero para com os infratores.

Sua Excelência Senhor Procurador-Geral da República,

Defendemos igualmente um papel mais pró-ativo da Procuradoria-Geral da República, coadjuvado pela nova figura que consiste no Promotor, para que crimes públicos, ou até simples suspeitas sobre crimes supostamente cometidos por titulares de cargos políticos quando publicamente denunciadas, sejam exaustivamente indiciadas, investigadas e processadas, até ao seu cabal esclarecimento, para que A IMPARCIALIDADE E OPERACIONALIDADE DA JUSTIÇA SE MANTENHAM ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA. Pela mesma ordem de ideias, torna-se necessário tipificar crimes fazendo uso de recursos informáticos, como por exemplo de DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DE BLOGUES OU REDES SOCIAIS, no caso de se revelarem infundadas tais acusações, contribuindo assim para moralizar alguns excessos que se têm vindo a verificar.

Excelências,

Distintas Personalidades,

A Constituição da República reconhece a independência do poder judicial, no entanto, também reconhece o DIREITO À JUSTIÇA PARA TODAS E TODOS OS CIDADÃOS, independentemente das suas possibilidades económicas. Por essa razão, considero que o principal desafio é o do estabelecimento de uma plataforma orgânica setorial que nos permita obter resultados palpáveis rapidamente. CADA UM DEVE DESEMPENHAR O SEU PAPEL, em benefício do valor supremo que representa a Justiça, a qual deve ser administrada em nome do povo. Se, ao titular de um cargo de magistratura, se exige que responda com a sua consciência perante a Lei, independentemente do poder político, essa independência não deve significar que a sua atuação se transforme em caixa negra, seja isenta de avaliação ou da obrigação de prestar contas. Em caso algum podemos tolerar que se constituam feudos em torno da defesa de interesses corporativos.

Um dos eixos de governação e cavalo de batalha do Ministério da Justiça é a TRANSPARÊNCIA: quem não deve não teme. A qualidade percebida do sistema judicial melhorará substancialmente caso sejam devidamente publicitados os seus resultados, com uma produção de estatísticas fiáveis e sempre atualizada. A curto prazo, o Ministério da Justiça dará início à sua presença na internet, com notícias e algumas funcionalidades simples, como por exemplo a publicação de tabelas de preços, a transferência de formulários, ou a apresentação de reclamações. Posteriormente, essa presença virtual deverá evoluir para um Portal da Justiça, onde virá a ser possível consultar on-line todas as estatísticas do setor, ou mesmo efetuar pagamentos.

A TRANSPARÊNCIA É A MELHOR FORMA DE LUTAR CONTRA A CORRUPÇÃO: corta-se o mal pela raiz. E esse combate tem de ser travado em todas as frentes, tanto face a corruptos como a corruptores, seja face ao pequeno seja ao grande. Justifica-se uma GRANDE MOBILIZAÇÃO SOCIAL contra esse género de prática imoral, penalizando como opróbrio aquele que o pratica. Neste campo, seria desejável que se funcionalizassem os instrumentos jurídicos já existentes, ou se agilizassem outros meios para esse fim, configurando a corrupção como crime público que é.

Excelências,

Quero ainda chamar a atenção para o projeto de itinerância da Justiça «CARAVANA DA CIDADANIA», cujo objetivo é o de aproximar vários serviços às populações do interior, incluindo os de identificação. Os primeiros passos deverão servir de projeto-piloto para um sistema nacional de identificação e cadastro, a disponibilizar sob a forma de Sistema de Informação Geográfica, integrado no âmbito do Portal da Justiça.

Todos estes objetivos de credibilização da Justiça não poderão ser alcançados sem a PARTICIPAÇÃO DE TODOS OS ATORES ENVOLVIDOS. É urgente aproveitar a capacidade local de formação de quadros, consubstanciada na Faculdade de Direito de Bissau, para promover uma massa crítica nacional no ramo, oferecendo estágios que proporcionem verdadeira experiência profissional, num ambiente de qualidade, para que esses jovens possam no futuro garantir a renovação das gerações mais antigas. Se todos estiverem conscientes do seu papel e das vantagens de trabalhar em prol do bem comum, havemos de conseguir, juntos, dignificar o nome da Justiça na Guiné-Bissau.

Que seja já este ano o bom ano judicial!

Gostaria de terminar citando a célebre frase de Martin Luther King: "I have a dream" - Também eu tenho um sonho para o meu país. Um sonho de mudança.


Muito obrigado pela atenção.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Ministra da justiça da Guiné-Bissau reconhece que setor está desacreditado


A ministra da Justiça da Guiné-Bissau, Carmelita Pires, admitiu hoje que o setor está desacreditado, prometendo o empenho do governo na resolução dos problemas existentes, entre os quais a demora processual.

"A justiça é vital para a coesão nacional, a justiça funcional dá confiança aos cidadãos, apazigua tensões sociais e desincentiva todas as formas de criminalidade", afirmou a ministra, na abertura do quarto fórum nacional sobre justiça criminal, uma iniciativa conjunta da tutela e do gabinete integrado das Nações Unidas para consolidação da paz (UNIOGBIS).

Para Carmelita Pires , a justiça do país "está muito desacreditada" pelos inúmeros casos "não resolvidos e pela morosidade em dirimir litígios" entre cidadãos.

No seu discurso de abertura do fórum, a ministra guineense, Carmelita Pires sublinhou a importância do evento que disse acontecer num momento de "corte com o passado" em que todos os responsáveis do Estado devem "refletir, debater e recomendar" novas abordagens de questões do interesse geral.

Durante três dias o fórum vai abordar temas como: Criminologia do fenómeno da corrupção, a impunidade e os seus reflexos na justiça penal, as causas do estrangulamento da justiça penal, as novas formas de criminalidade, o tráfico de seres humanos, a violência baseada no género e turismo sexual, o tráfico de drogas, entre outros.

O fórum também dedicará uma atenção particular a problemática da justiça militar que a organização do evento entende ser um assunto de interesse nacional pelo que deve ser debatido pelos civis.

O representante do secretário-geral das Nações Unidas e chefe da UNIOGBIS, o ex-presidente de São Tomé e Príncipe, Miguel Trovoada, afirmou, no seu discurso, que fortalecer o Estado de direito "é uma tarefa delicada mas essencial" que necessita da colaboração de todos os parceiros da Guiné-Bissau.

Trovoada lembrou que a presença da UNIOGBIS na Guiné-Bissau, mandatada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, se deve ao seu papel na consolidação do Estado de direito no país africano de língua oficial portuguesa.

O responsável da ONU salientou, no entanto, que o Estado de direito democrático "não pode ser alcançado" se a população não confiar nos órgãos de resolução de disputas.

Miguel Trovoada prometeu escutar e apoiar as recomendações que sairão do fórum que já vai na sua quarta edição embora não tenha sido realizado nos dois últimos anos em que vigorou um governo de transição na sequência do golpe militar de 2012.

O fórum sobre a justiça criminal acontece um dia depois do encerramento do encontro de alto nível entre o Governo guineense, Parlamento e ONUDC (escritórios das Nações Unidas para o combate a droga e crime). Com Lusa

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Opinião: As palavras de ordem do PUSD



 Ordem & Organização

Damos hoje início a uma série de artigos apresentando os slogans do PUSD, palavras de ordem, que serão recorrentemente utilizados durante esta campanha.

Ordem é o contrário de desordem. Organização é o contrário de desorganização. A sociedade guineense tem sido corroída por poderosas forças dissolventes, encontrando-se hoje a um passo do abismo: estamos numa encruzilhada decisiva para a nossa existência coletiva. Pelo que já pude constatar, pelos dias de campanha já cumpridos, sente-se um imenso desejo de coisas tão simples como o senso comum, que nos leva a preferir a preferir o bom ao mau, o belo ao feio, o digno ao indigno.

Este país bateu no chão. E não digo isto com um espírito derrotista. Pelo contrário, cresce em mim a esperança. Embora possa parecer paradoxal, atrevo-me a dizer: «_Ainda bem!». Estamos finalmente entregues a nós próprios, rotos e nus, com toda a dor de alma que isso comporta, como matriotas que somos (perdoem o neologismo, o corretor ortográfico está-me a assinalar erro, mas foi isso mesmo que quis dizer). Não o digo pela negativa; digo-o pela positiva, com a esperança de que esta catarse nos sirva pa lantanda nô terra. Digo-o com fé num novo devir, como um(a) escritor(a) frente à página em branco da qual surgirá a sua obra-prima.

Quando seremos capazes de parar de nos desculpar? De encolher os ombros, com vergonha, acompanhando o gesto com um eterno «coisas nossas» por entre os dentes? Quando poderemos dizer a mesma coisa, esse «coisas nossas», com uma ponta de orgulho? Será preciso acabar com a hipocrisia, a todos os níveis, de um Estado que se encontra claramente descredibilizado. A ausência funcional desse Estado poderá até ser uma vantagem, se assumirmos essa viragem brusca; trata-se de recomeçar do nada (ou quase), mas em bases sólidas de ordem e organização, pois esses são os alicerces da estabilidade.

O reordenamento e reorganização do Estado deve assentar na Lei, por isso defendemos uma nova Assembleia Constituinte, para elaborar uma nova constituição. Como sabem, defendo o presidencialismo, para evitar voltar a cair nos mesmos erros do passado. Mas defendo-o no âmbito dessa nova Constituição, graças ao primado da Lei; poderão alguns objetar que dar mais poderes ao Presidente pode favorecer os abusos de poder pela parte deste e arriscarmos a ter um ditador em vez de um Presidente. Pois defendo que essas preocupações fiquem acauteladas na mesma forma de Lei constitucional: definam-se bem as condições para o impeachment, que permitirá destituir o Presidente em caso de flagrante quebra de legitimidade ou de confiança política por parte da Nação. Mas tudo sempre no respeito pela ordem e legalidade. O Estado tem de dar o exemplo e tornar-se uma «pessoa de bem».

Defendemos um Estado confiável, cumpridor das obrigações e compromissos, tanto internos como externos. Vamos mostrar aqueles que nos apontam como «Estado Falhado» ou como «Narco-Estado» o quão profundamente se enganaram. Esta é também uma questão geracional: aqueles que beneficiaram de um momento particular e generoso da nossa História, que nos abriu o caminho enquanto Nação e foram educados nos primeiros anos da independência têm uma enorme dívida e responsabilidade perante o país. Aqueles a quem Amílcar Cabral chamava as «flores da nossa luta» sabem o que isso quer dizer: encabeçados por Paulo Gomes, «presentes» neste momento crítico, dispostos a saldar essa dívida, e a inspirar, pelo seu exemplo e abnegação muitas(os) mais matriotas e patriotas na Diáspora.

Defendemos um pacto de regime, a assinar num novo contexto de legitimidade, estabelecendo, num vasto consenso, regras mínimas de boa governança. Será o PUSD a dar o exemplo, caso vença as eleições: mesmo nos pequenos partidos, há gente competente, bem intencionada e tão inconformada quanto nós. O nosso governo vai ser uma surpresa, com gente de vários quadrantes políticos e geográficos.


Responsabilidade & Rigor

Responsabilidade vem do latim respondere. Responsabilidade implica que o sujeito responde por aquilo por que é responsável. Merece um elogio, se tudo correr bem; merece uma chamada de atenção, se nem tudo correr bem, para que para a próxima possa fazer melhor; merece reflexão, se tudo correr de forma desastrosa. A falta de uma cultura de rigor, a condescendência para com a irresponsabilidade, em nada ajudam ao desenvolvimento da sociedade, ao corromper a confiança depositada nos seus atores.

É uma questão de mentalidade, com a qual é preciso lidar. Em primeiro lugar, o Estado tem de dar o exemplo. É necessária uma cultura de responsabilidade e rigor a todos os níveis, em termos de governação, para evitar desperdícios e aproveitar ao máximo os parcos recursos de que podemos, para já, dispor. E essa prova de responsabilidade deveria começar pelo discurso eleitoral. Tal como afirmei ontem no CCF, custa-me estar a debater panfletos propondo tudo para todos, Educação, Saúde, Justiça, etc...

Tudo isso é muito bonito, são coisas com que todos vamos concordar, mas estamos a desvirtuar o debate. Para isso, mais vale juntarmos todos à mesma mesa e, com ordem, tratarmos da organização necessária para que isso seja uma realidade. Com responsabilidade e rigor. Sem fingimentos. Frontalmente. Olhando com olhos de ver, colocando o dedo na ferida, insistindo, teimando, nunca desistindo, enquanto não atingirmos os objectivos que previamente traçarmos, com base num comum acordo.

Temos de evoluir. Abandonar os maus princípios. E teremos de encontrar em nós próprios, na diversidade da nossa identidade coletiva, a força anímica necessária para essa revolução mental pa lantanda nô terra. Devemos ponderar e ajuizar dos imensos ganhos sociais, que uma iniciativa dessas acarretaria, por pequenos que fossem os ganhos que fossemos conquistando e consolidando: seriam nossos. E viriam aumentar a auto-estima do guineense, a nossa auto-confiança enquanto nação.

Um bom exemplo de responsabilização, é o caso do Governo de Timor-Leste. O Governo definiu muito bem as competências e responsabilidade de cada membro do Governo, publicando-as na internet, com os respetivos contatos. Propomo-nos ir mais longe. Reorganizar o Estado desde a raiz, numa filosofia on-line, de transparência total de todos os seus actos. Em vez do primeiro narco-estado, passaríamos a ser o primeiro ciber-estado. Talvez o nosso atraso possa mesmo tornar-se uma vantagem!

Efetivamente, a tecnologia hoje é relativamente barata. Enquanto os países mais avançados têm de arrastar com o peso histórico e burocrático da administração, nós podemos começar do zero, sem vícios, pensar e fazer as coisas bem feitas. E temos vários recursos reflexivos sobre o país que podem ajudar nesse projeto, desde sites a blogs. Investidos no papel de «watch dogs», vamos pedir-lhes que continuem a interessar-se pela Guiné-Bissau, que denunciem todas as situações menos claras ou suspeitas.

O que propomos, para além de uma campanha de moralização do Estado, baseada na exigência de responsabilidade e rigor, é um estado de auditoria permanente, no qual a informação, o feed-back das nossas políticas esteja disponível o mais rapidamente possível, de preferência imediatamente, para facilitar a tomada de decisão quanto a medidas corretivas. Não bastam boas intenções, é necessário um rigoroso acompanhamento de consistência e não fechar os olhos aos erros.

Neste âmbito, promoveremos a criação de um Gabinete, na dependência direta da Primeira-Ministra, encarregue de verificar que todas as responsabilidades estão bem definidas quanto aos cargos do Estado, que não há sobreposições ou conflitos, bem como apurar com rigor responsabilidades no seu exercício, nomeadamente combatendo a corrupção, propondo medidas paliativas à Primeira-Ministra, incluindo a destituição, nos casos em que se justifique, ou a promoção.

Quem não tem nada a esconder, não teme. Esse é o princípio da boa-fé. Por isso defendemos um estado que se possa ver à transparência. Essa é uma responsabilidade que assumimos. Ser rigorosos(as), recusar chamar vaca a um boi, apenas por conveniência momentânea... Temos todos de aprender a ser inconvenientes, quanto temos a razão e a verdade do nosso lado. Não condescender, não aceitar, fincar o pé. Vamos acabar com a corrupção, com a falta de responsabilidade e de rigor.

Muitos, quando se fala em responsabilidade, só vêm o lado que lhes convém: o estatuto que dá o cargo de Deputado ou de Ministro, por exemplo (para além do dinheiro). Não queremos Deputados ou Governantes desses. Queremos pessoas responsáveis, dispostas a colocar a mão na massa, prontas a aceitar trabalhar em péssimas condições, imbuídas de espírito de sacrifício em prol do bem comum e não motivadas apenas pela sua ganância individual. Precisamos de uma chicotada psicológica!


Competência & Consistência

Apresentamos hoje o último par de palavras de ordem, slogans que escolhemos para esta campanha eleitoral, traduzindo as grandes linhas de força desta nossa / vossa candidatura à liderança do governo.

Capacidade: qualidade de quem está apto a fazer determinada coisa, a compreendê-la. Defendemos que quem é chamado(a) a servir o Estado, em qualquer área, tem de ter capacidade para desempenhar a sua função. Porque sem capacidade, não pode haver competência. Capacidade é a competência em potência. Portanto, defendemos uma avaliação criteriosa de todos os funcionários públicos. A primeira coisa que vou fazer, como Primeira-Ministra, será um diagnóstico global do papel do Estado.

Vou pedir a cada funcionário para se sentar, com um pedaço de papel, e escrever qual é, na sua opinião, a sua função. Seguidamente, que descreva a sua rotina semanal, com ênfase na semana corrente. Compilaremos toda essa informação e iremos confrontar essa perspetiva, esse olhar de dentro, com uma avaliação externa, ou seja, as mesmas funções, mas vistas de fora, por um Gabinete estatal na minha dependência direta, como já avancei noutro artigo deste blog da campanha.

Agradeço ao Filomeno Pina o seu valioso contributo, em artigo recente, para essa reflexão, que me permitirá melhorar a ideia. Posso mesmo avançar que já tenho a pessoa certa para essa função, que será anunciada em tempo oportuno.

Defendo pois que as pessoas que trabalham no Estado, que pretendemos levar por diante, têm de ser capazes. O Governo, cuja proposta de constituição acabo de apresentar, é um Governo de pessoas capacitadas por uma boa formação e longa experiência. O que não quer forçosamente dizer que sejam competentes para o cargo para o qual os(as) escolhi. Porque não basta o ser capaz, é preciso esforço, dedicação, abnegação e até, por vezes sacrifício.

Evitei, ao longo desta campanha eleitoral, fazer promessas populistas, como ouvi alguns colegas a fazer. Eu não prometo um mar de rosas para amanhã, quero deixar isso bem claro. Partindo quase do zero, não podemos esperar acordar no Paraíso no dia seguinte às eleições. Ocorrem-me as palavras de Winston Churchill, no seu famoso discurso na rádio na tomada de posse como Primeiro-Ministro de um Gabinete de Guerra: «Nada mais tenho para vos propor senão sangue, suor e lágrimas».

Por isso, não exijo apenas capacidade, mas também competência, na prática do dia a dia, na lide com as dificuldades. Mas, mesmo isso, não me bastará. Vou exigir consistência, ou seja ver traduzida em eficácia essa competência. Não temos mais tempo a perder na rampança que se segue, depois destas eleições, que é a do desenvolvimento, da sustentabilidade, mas também um desafio cultural e identitário, de conservarmos a maravilhosa diversidade do nosso povo e do nosso território.

Peço-vos que parem um pouco para pensar nas várias propostas que ouviram ao longo desta campanha eleitoral e não se deixem embalar com músicas e discursos pouco consistentes.

Apelo a todos e a todas, eleitores e eleitoras, mon ku mon, para irmos votar na maior das calmas, depois de um dia de reflexão.

Carmelita Pires
Pa lantanda nô terra!

Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.